Crise climática, deslocamentos forçados e a injustiça ambiental 

Crise climática, deslocamentos forçados e a injustiça ambiental 

As chuvas intensas que atingem o Rio Grande do Sul são um alerta para a necessidade de se debater a crise climática, os deslocamentos forçados e a injustiça ambiental. 

Crise climática  

O planeta está suscetível ao processo natural de aquecimento de sua superfície. Entretanto, desde a Revolução Industrial, a ação antrópica vem acelerando esse fenômeno em função da grande emissão de gases de efeito estufa advindos da queima de combustíveis fósseis, do desmatamento, das queimadas, da produção agropecuária e da vasta degradação de ecossistemas naturais.  

O aumento acelerado da temperatura da terra é, há tempos, conhecido pela comunidade científica e reconhecido como um problema para a humanidade, apto a causar mudanças abruptas no meio ambiente e colocar em risco a continuidade da vida na terra. 

Atualmente, os compromissos de mitigar os efeitos da ação humana no clima se entrelaçam com a necessidade de se atentar aos impactos da crise climática que já são sentidos em várias partes do globo terrestre e que têm gerado o deslocamento forçado de pessoas e um cenário de injustiça ambiental. 

O debate internacional 

Rio-92 

Diante do consenso da comunidade científica sobre a necessidade de reduzir o aquecimento do planeta, durante a II Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Rio-92 (COP-92), foi aprovada a Convenção Quadro sobre as Mudanças Climáticas Globais (UNFCCC, na sigla em inglês), com o objetivo de “estabilizar concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível que impeça uma interferência humana perigosa no sistema climático”. 

Sendo assim, já em 1922 era internacionalmente reconhecida a necessidade de estabilizar as concentrações de gases de efeito estufa na atmosfera em um nível a impedir a interferência negativa da ação humana no sistema climático global.   

Protocolo de Quioto 

Ante o não cumprimento das metas estabelecidas pela UNFCCC, foi aprovado, em 1997, na cidade de Quioto, no Japão, um novo instrumento jurídico que estabeleceu prazos e metas mais rígidos quanto à redução da emissão de gases do efeito estufa, o chamado Protocolo de Quioto. 

Com o Protocolo de Quioto, cresceu a possibilidade de o carbono tornar-se moeda de troca, uma vez que os países assinantes do acordo passaram a comprar e vender créditos de carbono. 

Acordo de Paris 

O Acordo de Paris (COP-21), realizado em 2015, teve como objetivo principal discutir o aquecimento global e suas consequências sobre a o planeta e sobre a humanidade.  

O acordo determina que seus 195 países signatários ajam para que a temperatura média do planeta sofra uma elevação “muito abaixo de 2°C até 2100 em comparação à média do planeta antes da Revolução Industrial, fazendo esforços para limitar o aumento de temperatura a 1,5°C”.  

Os estudos científicos mostram que, acima desses limites, o aumento do aquecimento da terra é considerado perigoso para a vida humana. Os níveis pré-industriais são referência porque se considera que eles são anteriores à interferência do homem no clima por meio de gases estufa. 

Para se alcançar os objetivos propostos é preciso reduzir a emissão de gases do efeito estufa, como o CO2. Para tanto, países precisam reduzir a queima de combustíveis fósseis e adotar fontes de energia renováveis, como a energia solar, eólica, hidráulica e os biocombustíveis. Ademais, os processos industriais e agrícolas precisam ser alterados e o desmatamento reduzido. 

Outro objetivo traçado na COP-21 foi aumentar a habilidade do planeta em se adaptar aos efeitos adversos da mudança do clima que não puderem ser evitados, de forma a reduzir a ocorrência de eventos climáticos extremos como a ocorrência de enchentes, secas, o aumento do nível dos oceanos, a desertificação, as queimadas florestais e suas decorrências nefastas à vida. 

COP-27 

Em 2022 foi realizada no Egito a 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-27) a fim de renovar os compromissos de implementação do Acordo de Paris.  

Nesse contexto foi evidenciado que, atualmente, os compromissos de mitigar os efeitos da ação humana no clima se misturam com a necessidade de se atentar aos impactos da crise climática que já são sentidos em várias partes do globo terrestre e que têm gerado o deslocamento forçado de pessoas e a um cenário de injustiça ambiental. 

Deslocamentos forçados e a crise climática 

Dentre os eventos que mais têm deslocado populações por causas ambientais, pode-se mencionar as secas no Afeganistão, na República Democrática do Congo e no nordeste da África (Somália, Etiópia e Quênia). O problema das secas extremas é uma crise humanitária por si só, que se agrava pela escassez de recursos naturais e pela fome. 

As inundações também fazem parte das extremidades climáticas que têm gerado centenas de mortes e milhões de deslocamentos forçados nas regiões oeste e central do continente Africano. Entre Nigéria, Chade, Níger, Burkina Faso, Mali e Camarões, já são 3,4 milhões de pessoas afetadas somente em 2022, assim como no Sudão do Sul e no Paquistão. 

Quanto às chuvas extremas que começaram há pouco mais de uma semana no Rio Grande do Sul e inundaram mais de 400 cidades da região, até hoje ao menos 148 pessoas perderam a vida, centenas ainda estão desaparecidas e total de desalojados pelas enchentes chega a quase 540 mil pessoas.  

Ademais, as temperaturas mais altas estão sendo sentidas em todos os países do globo. A Europa teve seu verão mais quente dos últimos 500 anos, causando centenas de mortes relacionadas ao calor extremo em 2023.  

Outras tragédias causadas pelo aumento da temperatura na terra, como incêndios florestais, deslizamentos de terra e aumento do nível das marés tem destruído cidades inteiras, gerando crises de produção alimentar e hídrica, bem como crises energéticas. 

Refugiados climáticos 

O termo “refugiados climáticos” vem sendo utilizado para se referir “às pessoas que foram obrigadas a abandonar temporária ou definitivamente a zona tradicional onde vivem, devido ao visível declínio do ambiente (por razões naturais ou humanas), perturbando a sua existência e/ou a qualidade da mesma, de tal maneira que a subsistência dessas pessoas entra em perigo”, segundo definição do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. 

Não se trata de um conceito oficial e não se aplicam aos “refugiados climáticos” as prerrogativas dos refugiados políticos, de forma que não há, ainda, no Direito Internacional, a obrigatoriedade de os Estados receberem em seu território as vítimas de desastres ambientais. Entretanto, trata-se de um conceito em desenvolvimento e que merece destaque em vista da necessidade de mobilização da comunidade internacional e dos governos em prol do acolhimento dos indivíduos atingidos por tragédias climáticas.

Apesar de “refúgio” referir-se ao deslocamento de um país para outro, a utilização do termo para se referir às pessoas atingidas por tragédias ambientais em geral, como a população do Rio Grande do Sul, é importante para reforçar a ideia de que essas pessoas estão sendo obrigadas a deixar sua casa e toda a estrutura material, cultural e familiar que circunda suas vidas. 

Injustiça ambiental 

A crise climática afeta populações inteiras, entretanto, as pessoas mais vulneráveis e que vivem em países ou regiões mais pobres costumam ser afetadas de forma mais severa por eventos ambientais extremos, o que gera a chamada injustiça ambiental. 

A injustiça ambiental refere-se ao fenômeno pelo qual, em sociedades desiguais, atribui-se uma carga desproporcional de exposição a danos ambientais a grupos sociais marginalizados e vulneráveis, que suportam com maior rigor as consequências ambientais negativas resultantes de atividades humanas. 

Isso se manifesta na maior exposição desses grupos aos riscos ambientais pela falta de acesso ao ar puro, à água potável, ao saneamento básico e à segurança fundiária. A população que se encontra em moradias precárias e em áreas sujeitas a desastres naturais, são os mais afetados pela necessidade de deslocamento compulsório no contexto de emergências climáticas, além de estarem mais sujeitos a doenças e à precarização da sua qualidade de vida por falta dos meios necessários para se adaptarem à nova realidade climática que se apresenta. 

A injustiça ambiental também é verificada no contexto internacional, tendo em vista que os principais responsáveis pelo aquecimento global são os países desenvolvidos, mas seus efeitos são sentidos mais intensamente nos países mais pobres e que possuem menor capacidade de resposta a seus efeitos, aumentando ainda mais a desigualdade social no mundo. 

Racismo ambiental 

A ideia de injustiça ambiental tem suas raízes nos movimentos sociais dos Estados Unidos, onde comunidades pobres e discriminadas etnicamente expressaram preocupações sobre sua maior exposição aos riscos ambientais. 

O termo “racismo ambiental” foi inicialmente introduzido por Benjamim Chavez na Carolina do Norte, Estados Unidos, em 1978, durante os protestos contra o depósito de substâncias tóxicas próximas a uma comunidade negra.  

O conceito de racismo ambiental é “qualquer política, prática ou diretriz realizada por instituições governamentais, jurídicas, econômicas, políticas e militares que impacte ou prejudique racialmente, de maneiras diversas, voluntária ou involuntariamente, as condições ambientais de moradia, trabalho ou lazer de pessoas, grupos ou comunidades”. 

O termo não se limita a ações intencionalmente racistas, mas também abrange aquelas que têm impacto racial, independentemente da intenção por trás delas. 

No contexto brasileiro, o racismo ambiental se manifesta nas condições precárias de moradia e saneamento enfrentadas por comunidades negras e carentes. Essas comunidades são frequentemente negligenciadas pelo Estado em relação à prestação de serviços básicos e à garantia de direitos humanos fundamentais, como saúde e saneamento. 

Conclusão 

Os deslocamentos forçados causados pela crise climática representam um dos maiores desafios humanitários de nosso tempo. Para lidar eficazmente com essa crise, é crucial adotar uma abordagem abrangente que busque o combate tanto às causas subjacentes das mudanças climáticas, quanto aos impactos humanos desses fenômenos. Somente através de esforços coordenados em nível global podemos esperar proteger as comunidades vulneráveis e construir um futuro mais sustentável para todos. 

Referências

https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-05/rio-grande-do-sul-confirma-148-mortes-pelas-chuvas

https://www.nexojornal.com.br/expresso/2024/05/08/refugiados-climaticos-rio-grande-do-sul

https://www.acnur.org/portugues/temas-especificos/mudancas-climaticas/

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