Criança leva cocaína do pai para escola

Criança leva cocaína do pai para escola

Notícia

Criança leva

As crianças de uma escola municipal de Itamonte (MG) colocaram cocaína na boca achando que era doce, disse a polícia. A droga foi levada para a sala de aula, na sexta-feira (21), por uma menina de 4 anos. Ela teria contado que o material era do seu pai. A polícia ainda procura pelo suspeito de ser o dono dos papelotes.

Segundo a polícia, a menina achou que o pó branco fosse um doce e distribuiu para os colegas da sala. Dezesseis papelotes foram encontrados na mochila e na carteira da aluna, sete pacotes estavam lacrados e nove abertos.

A polícia confirmou que a substância era cocaína. “A Polícia Militar trabalhou em conjunto com a Polícia Civil e, tão logo conseguimos a posse desse material, já encaminhamos para perícia e o laudo pericial confirmou que se tratava de cocaína”, afirmou o tenente Adenilson de Oliveira Rocha.

O pai de uma das crianças que teve contato com a droga, que preferiu não se identificar, disse que ficou apavorado quando soube do caso.

“Ao entrar no carro, a minha filha começou a chorar muito e ela falou: ‘Eu comi, eu engoli. Eu coloquei o pózinho branco na boca que a amiguinha deu e eu engoli’. Quando foi falado que era droga, eu confesso que fiquei sem chão. Só hoje que eu fui voltar ao normal, ficar bem de novo, com a minha cabeça voltando a funcionar, porque bate um desespero.”

A filha dele e outros 17 alunos da Escola Municipal Mariana Silva Guimarães foram encaminhados para o pronto-socorro de Itamonte, onde foram coletadas amostras de urina para exames que não existiam na cidade de 14,8 mil habitantes e foram realizados por um laboratório em Taubaté.

Dos 15 exames realizados, dois foram inconclusivos e os outros tiveram resultado negativo para toxicidade causada por cocaína.

De acordo com a Polícia Militar, o pai da criança que levou a droga esteve na escola. Ao saber do ocorrido, ele teria pegado um papelote da mão de uma funcionária e saído do local. Ainda segundo os militares, ele é suspeito de ser o dono do material.

Da análise jurídica

De início, o caso de Itamonte evidencia diversas implicações criminais para o genitor da criança que levou a substância ilícita à escola.

Em primeira análise, há indício da prática do crime de tráfico de drogas, tipificado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas).

Ah, mas o STF não descriminalizou a “posse” de droga para uso próprio?!

Cuidado. Não foi bem assim. Vejamos o que o STF decidiu:

1. Não comete infração penal quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, a substância cannabis sativa, sem prejuízo do reconhecimento da ilicitude extrapenal da conduta, com apreensão da droga e aplicação de sanções de advertência sobre os efeitos dela (art. 28, I) e medida educativa de comparecimento à programa ou curso educativo (art. 28, III);

2. As sanções estabelecidas nos incisos I e III do art. 28 da Lei 11.343/06 serão aplicadas pelo juiz em procedimento de natureza não penal, sem nenhuma repercussão criminal para a conduta;

3. Em se tratando da posse de cannabis para consumo pessoal, a autoridade policial apreenderá a substância e notificará o autor do fato para comparecer em Juízo, na forma do regulamento a ser aprovado pelo CNJ. Até que o CNJ delibere a respeito, a competência para julgar as condutas do art. 28 da Lei 11.343/06 será dos Juizados Especiais Criminais, segundo a sistemática atual, vedada a atribuição de quaisquer efeitos penais para a sentença;

4. Nos termos do § 2º do artigo 28 da Lei 11.343/2006, será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito;

5. A presunção do item anterior é relativa, não estando a autoridade policial e seus agentes impedidos de realizar a prisão em flagrante por tráfico de drogas, mesmo para quantidades inferiores ao limite acima estabelecido, quando presentes elementos que indiquem intuito de mercancia, como a forma de acondicionamento da droga, as circunstâncias da apreensão, a variedade de substâncias apreendidas, a apreensão simultânea de instrumentos como balança, registros de operações comerciais e aparelho celular contendo contatos de usuários ou traficantes;

6. Nesses casos, caberá ao Delegado de Polícia consignar, no auto de prisão em flagrante, justificativa minudente para afastamento da presunção do porte para uso pessoal, sendo vedada a alusão a critérios subjetivos arbitrários;

7. Na hipótese de prisão por quantidades inferiores à fixada no item 4, deverá o juiz, na audiência de custódia, avaliar as razões invocadas para o afastamento da presunção de porte para uso próprio;

8. A apreensão de quantidades superiores aos limites ora fixados não impede o juiz de concluir que a conduta é atípica, apontando nos autos prova suficiente da condição de usuário.

STF. Plenário. RE 635.659/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 26/06/2024 (Repercussão Geral – Tema 506) (Informativo 1143).

Isto é, não confunda, maconha com “cocaína”.

Em regra, uma pessoa encontrada com maconha, para consumo pessoal, pratica a conduta prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/2006.

Como o STF havia dito, em 2006, que o art. 28 da Lei nº 11.343/2006, era crime, se uma pessoa fosse encontrada com maconha, ainda que para consumo pessoal, ela cometia um crime.

Em 2024, o STF alterou essa conclusão.

A criminalização das aludidas condutas, relacionadas ao porte de maconha para o uso próprio (Lei nº 11.343/2006, art. 28), afronta o postulado da proporcionalidade, pois:

(i) versa sobre lesividade que se restringe à esfera pessoal dos usuários; e

(ii) produz crescente estigmatização, ofuscando os principais objetivos do Sistema Nacional de Políticas de Drogas, quais sejam, a política de redução de danos e a prevenção do uso abusivo de drogas.

Ok, mas e o caso concreto, professor?

O caso concreto fala de COCAÍNA. E você não pode, e nem deve confundir o caso com a cocaína que é uma droga ilícita e não existe nenhuma exceção para consumo próprio.

Dessa forma, pode-se configurar, pela quantidade apreendida, o crime de “tráfico de drogas”, com a pena de 5 a 15 anos de reclusão, além de multa (art. 33 da Lei nº 11.343/2006).

Além disso, a quantidade de papelotes encontrados (16 unidades) e a forma de acondicionamento já indicam a prática do delito, independentemente de flagrante de comercialização:

4.1.9. Infere-se assim, que não é apenas a quantidade de drogas (aproximadamente 5g de cocaína) que caracteriza a posse de droga para consumo pessoal, devendo-se aferir as circunstâncias da apreensão do entorpecente, tais como a presença de apetrechos para o tráfico, a variedade das substâncias ilícitas, a forma de acondicionamento da droga, anotações relativas à traficância, extrações de dados de aparelho celular e outras evidências a corroborar o enquadramento do agente na conduta delitiva prevista no art. 33, da Lei n. º11.343/2006, circunstâncias devidamente constatadas no caso em apreço, a saber, a natureza do entorpecente (cocaína), bem como a forma de acondicionamento (10 trouxinhas) (fl. 7) e os depoimentos firmes e coerentes prestados pelas testemunhas de acusação, tanto em sede policial como em juízo, aliadas ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, ratificam a prática do crime previsto no art. 33, caput, da Lei nº 11.343/06.

(TJCE; ACr 0272281-90.2021.8.06.0001; Fortaleza; Primeira Câmara Criminal; Relª Desª Lira Ramos de Oliveira; Julg. 18/03/2025; DJCE 20/03/2025)

De outro lado, a conduta de armazenar entorpecentes em local acessível a uma criança de 4 anos também caracteriza outro crime grave caso haja dolo específico, como entende a jurisprudência, a violação do art. 243 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que tipifica como delito:

"vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica ou, sem justa causa, outros produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica", com pena de detenção de 2 a 4 anos e multa.

“De mais a mais, é preciso destacar que o tipo penal contido no art. 243 do ECA exige dolo específico do Agente, consistente na conduta volitiva e consciente de vender, fornecer, servir, ministrar ou entregar, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica. 5. Ocorre que, na espécie, a Denúncia e as testemunhas de Acusação se restringem a declarar que os menores foram encontrados no imóvel ingerindo bebidas alcoólicas. Afora isso, não existe um único detalhe que permita a tipificação das condutas das Recorridas em quaisquer dos verbos nucleares previstos na norma penal, não tendo sido sequer questionado acerca da ciência daquelas em relação à idade dos adolescentes. 6. Recurso conhecido e desprovido. (TJMA; ACr 0000918-43.2016.8.10.0081; Segunda Câmara Criminal; Rel. Des. Sebastião Joaquim Lima Bonfim; DJNMA 18/07/2024)

(...)logo não resta outro caminho, senão reconhecer que não há provas indene de dúvidas que possa relacionar a ré com a prática delitiva em análise, vez que não se demonstrou que esta, pessoalmente, tenha vendido, dado, servido, ministrado, entregue, ainda que gratuitamente, de qualquer forma, a criança ou a adolescente, bebida alcoólica. 2. É preciso que haja prova firme e segura da existência do fato delituoso e de sua autoria para que a presunção de inocência que milita em favor do acusado seja elidida. Logo, restando dúvidas sobre a autoria delituosa, o mais acertado é absolver a acusada. 3. Recurso conhecido e provido. (TJPI; ACr 0000118-79.2018.8.18.0062; Segunda Câmara Especializada Criminal; Rel. Des. Joaquim Dias de Santana Filho; DJPI 03/04/2024; Pág. 53)

Para tanto, ainda que o pai não tenha entregado diretamente a droga à criança, pode-se interpretar a negligência em manter substância entorpecente ao alcance de uma criança de 4 anos como uma entrega indireta, o que configuraria o crime previsto no ECA, se houver uma facilidade no acesso as drogas ou um “dolo específico”.

Responsabilidade civil do genitor por danos causados a terceiros

Por fim, além das implicações penais e da possível perda do poder familiar, o pai da criança que levou cocaína para a escola pode enfrentar consequências na esfera da responsabilidade civil.

Isto porque, o Código Civil, em seu artigo 932, I, estabelece que “são também responsáveis pela reparação civil os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia”.

Nessa linha, a responsabilidade é objetiva, conforme prevê o artigo 933 do mesmo código, ou seja, independe de culpa do genitor.

Logo, os pais das crianças que tiveram contato com a substância entorpecente podem pleitear indenização por danos morais e materiais diretamente ao pai da menina que levou os papelotes.


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