Federalismo Cooperativo ou Intervenção Excessiva? Vamos, a partir de agora, realizar uma análise sobre a criação do Ministério Extraordinário de Apoio à Reconstrução do RS (Rio Grande do Sul).
Sumário
Ministério Extraordinário? Entenda a situação
No dia 15 de maio, foi editada a Medida Provisória n. 1.220 de 2024. Assim, a Presidência da República oficializou a criação do Ministério Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, conforme se noticiou.
Trata-se de medida adotada para coordenar a atuação federal nas obras de reconstrução do Rio Grande do Sul.
Dentre as atribuições do Ministério Extraordinário, criado para o enfrentamento da calamidade pública e para a reconstrução do Estado do Rio Grande do Sul, destacamos:
I – coordenação das ações a serem executadas pela administração pública federal direta e indireta, em conjunto com a Casa Civil da Presidência da República;
II – planejamento das ações a serem executadas pela administração pública federal direta e indireta, em conjunto com os Ministérios competentes;
III – articulação com os Ministérios e com os demais órgãos e entidades da administração pública federal;
IV – articulação entre os Governos federal, estadual e municipais do Rio Grande do Sul;
V – interlocução com a sociedade civil, inclusive para o estabelecimento de parcerias;
VI – promoção de estudos técnicos junto a universidades e outros órgãos ou entidades especializados, públicos e privados.
Polêmica em torno da criação do Ministério Extraordinário
Analisadas as atribuições do Ministério Extraordinário, questiona-se: qual seria a medida adequada para o devido gerenciamento da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul? Vejamos algumas possibilidades:
1ª opção: Estado de Defesa
2ª opção: Estado de Sítio
3ª opção: Intervenção Federal
4ª opção: Ministério Extraordinário
É possível que, eventualmente, o País passe por situações de crise, situações de anormalidade institucional. Portanto, para evitar e restaurar situações de crises, a Constituição Federal prevê um sistema jurídico (conjunto de normas) denominado Sistema Constitucional de Crises.
Como se trata de um sistema, teremos um conjunto de normas que determinam os pressupostos, as medidas, os limites e os princípios que norteiam os estados de exceção.
Estado de Defesa
Em uma análise abstrata, sem adentrar no mérito da necessidade ou não, destaca-se a possibilidade de decretação do Estado de Defesa. Vejamos o texto constitucional cristalino e com grifos nosso:
“Art. 136 – O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.
Entrementes, no Estado de Defesa, existe a possibilidade de restrição de direitos fundamentais. Ocorre que, em que pese a titularidade do Presidente da República mediante decreto, existe a necessidade de análise posterior e imediata, no prazo de 24 horas, pelo Congresso Nacional.
Acredita-se que o decreto dificilmente seria aprovado pelo Congresso, sob o argumento da possibilidade de o Poder Executivo almejar limitar a liberdade de expressão em redes sociais, utilizando como forma de justificativa de combate às denominadas fake news.
Estado de Sítio
Por seu turno, o Estado de Sítio é uma situação mais grave em relação ao Estado de Defesa. Mas, quais seriam as causas/requisitos para sua decretação? Dividiremos a resposta em duas partes:
- Comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;
- Declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira.
Em um primeiro momento, não se vislumbra a possibilidade de decretação do Estado de Sítio diante da situação apresentada até o momento.
Intervenção Federal
No estado federal, tal como ocorre no Brasil, a regra é a autonomia dos entes federativos, a qual somente pode ser afastada de maneira excepcional.
Então, o primeiro ponto a ficar claro aos leitores consiste no fato de que a flexibilização/restrição da autonomia dos entes federativos é uma exceção.
A intervenção federal é uma medida político-administrativa excepcional de defesa do Estado Federal, em que determinado ente federativo possui sua autonomia restringida/afastada de maneira temporária.
A intervenção federal somente pode ocorrer nos Estados, no Distrito Federal e, se for o caso, apenas em municípios de territórios. Não é possível a intervenção federal em municípios (intervenção per saltum). Vejamos as hipóteses de cabimento da intervenção federal:
I – manter a integridade nacional (manter a federação);
II – repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;
III – pôr termo a grave comprometimento da ordem pública (Exemplo: intervenção decretada por Michel Temer na segurança pública do Rio de Janeiro);
IV – garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação (preservar a separação dos Poderes);
V – reorganizar as finanças da unidade da Federação que:
a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;
b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;
VI – prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial;
VII – assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais:
a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;
b) direitos da pessoa humana;
c) autonomia municipal;
d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta.
e) aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde.
Conforme destacado, a intervenção federal é hipótese extremamente excepcional, uma vez que retira a autonomia do ente federado. De fato, seria possível cogitar uma intervenção federal para pôr termo a grave comprometimento da ordem pública.
Porém, para alcançar essa finalidade, existiria meio menos gravoso? Um dos princípios norteadores da intervenção federal, além da excepcionalidade, é a necessidade/proporcionalidade, ou seja, não poderá existir meio menos gravoso para alcançar a finalidade pretendida.
No ponto, acredita-se que o Poder Executivo, juntamente com o Judiciário e o Congresso Nacional, conjuntamente com os Entes afetados, podem alcançar soluções para minimizar o problema e reconstruir o Estado, sem a necessidade de uma medida tão drástica, que culminaria em abalar o sistema federativo.
Seguindo essa linha de raciocínio, acredita-se que esse foi um dos motivos para que a intervenção federal não fosse decretada, culminando-se na criação do Ministério Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul.
Ministério Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul
Ao que parece, a criação do Ministério Extraordinário de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul é razoável e necessária, mas precisa ser analisada cum grano salis, isso é, com temperamento.
De fato, notadamente em época de eleições, eventual intervenção federal no caso concreto poderia culminar em grave crise federativa, bem como no aumento do embate entre os Poderes da República.
Por outro lado, é necessária uma coordenação e articulação entre os entes federativos para que o gerenciamento da crise seja devidamente realizado.
Porém, alguns pontos importantíssimos merecem destaque e reflexão. Em alguma medida, na prática, o referido Ministério culminaria em afastar a autonomia do Governador no gerenciamento da crise e da tragédia no Estado em que governa? Estaríamos diante de uma intervenção excessiva, ferindo o pacto federativo e diminuindo a autonomia do Governador?
A par dos questionamentos acima, aguarda-se uma atuação efetiva, republicana e que realmente garanta os direitos fundamentais de toda população direta ou indiretamente afetada, notadamente daqueles mais vulneráveis.
Em nosso federalismo, quem tem mais capacidade técnica e econômica deve cooperar e auxiliar entes que tem menos, especialmente em termos financeiros, concretizando uma tendência atual de fortalecimento do federalismo cooperativo.
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