Creche em Shopping: STF decide pela não obrigação

Creche em Shopping: STF decide pela não obrigação

Creche em Shopping: STF decide que shoppings não são obrigados a oferecer creche para filhos de funcionários. Saiba mais sobre a decisão.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Creche em Shopping

Entenda o que aconteceu – Creche em Shopping

O Supremo Tribunal Federal, através de sua 2ª Turma, por maioria, decidiu que shopping centers não precisam manter creches para filhos de empregadas das lojas locatárias.

O voto vencedor foi o do relator, ministro Dias Toffoli, que foi acompanhado pelos ministros André Mendonça, Nunes Marques e Gilmar Mendes. Ficou vencido o do ministro Edson Fachin.

O Ministério Público do Trabalho ajuizou ação civil pública contra um Shopping Center de Campina Grande/PB, exigindo que construísse e mantivesse creche para os filhos das empregadas das lojas do centro comercial, com base no artigo 389 da CLT, que determina que os estabelecimentos em que trabalharem pelo menos 30 mulheres com mais de 16 anos de idade deverão ter local apropriado onde seja permitido às empregadas guardar sob vigilância e assistência os seus filhos no período da amamentação.

A Justiça do Trabalho, em primeira instância, condenou o shopping a cumprir a obrigação de criar a creche, fixando multa diária de R$50 mil em caso de descumprimento, além do pagamento de indenização por danos morais coletivos no mesmo valor. 

O interessante é que tanto o Tribunal Regional do Trabalho quanto o Tribunal Superior do Trabalho mantiveram a condenação e, portanto, a obrigação de construção e manutenção da creche pelo shopping.

O relator no TST ressaltou que o shopping deve ser compreendido como um “sobre-estabelecimento” e que, ao obter lucros indiretos das lojas, também deve se responsabilizar pelas empregadas do local.

Creche em Shopping

Da decisão do Tribunal Superior do Trabalho, tanto o Shopping quanto a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) recorreram ao STF.

Dias Toffoli utilizou os seguintes fundamentos para dar provimento ao recurso e afastar a obrigação dos shopping centers:

FUNDAMENTOS DA DECISÃO (MAIORIA VENCEDORA)
Não há base legal para estender aos shoppings obrigação exclusiva do empregador direto das funcionárias.
A decisão da Justiça do Trabalho interferia indevidamente no princípio da livre iniciativa, ao determinar que um empreendimento comercial arcasse com custos que não lhe são atribuídos pela legislação.
O Poder Judiciário não pode atuar como legislador positivo, criando obrigações não previstas em lei, conforme decidido na ADPF 501.
A obrigação primária pela assistência à primeira infância cabe ao Estado, sendo questionável a necessidade de uma ação civil pública para impor essa responsabilidade a estabelecimentos privados.

Toffoli ressaltou:

“Do ponto de vista da realidade, nós estamos diante não de uma lei, nós estamos diante de uma ação civil pública. Ora, então, se foi necessária uma ação civil pública para impor essa obrigação, é porque a lei não o fez”

“As compras presenciais estão desaparecendo. O emprego de vendedores em lojas presenciais está desaparecendo”

“O espaço físico está cada vez menos sendo procurado para os fins de troca de mercadoria por moeda. A compra e venda está cambiando largamente para a internet”.

FUNDAMENTOS DO VOTO VENCIDO (EDSON FACHIN)
O direito às creches não se restringe às crianças, mas também às mulheres mães, considerando a vulnerabilidade enfrentada no mercado de trabalho.
O artigo 7º, em seu inciso XX, da CF/88, é claro ao estabelecer proteção ao mercado de trabalho da mulher por meio de incentivos, que, no caso analisado, incluem a disponibilização de creches e berçários.
A interpretação dos §§1º e 2º do art. 389 da CLT deve ser ampliada, garantindo máxima proteção ao direito fundamental ao aleitamento materno.
Necessidade de uma interpretação que ressignifique o conceito de “estabelecimento” na CLT, ampliando a proteção a mães e crianças.

Fachin foi incisivo:

“A existência de berçários é imprescindível para assegurar às mães trabalhadoras a segurança no exercício do direito ao trabalho e à família, em razão da maior vulnerabilidade que as trabalhadoras enfrentam nas suas relações de emprego, já que elas se deparam com diversas dificuldades para a conciliação dos projetos de vida pessoal, familiar e laboral”.

“Revela-se como forma de densificação do direito humano e fundamental ao leitamento materno, merecendo a interpretação que não reduza o arco protetivo, mas sim que garanta a máxima efetividade dos direitos fundamentais à saúde e alimentação da criança, além da proteção à maternidade e à infância”.

“Enfim, uma união de interesses com a finalidade de promover melhores condições de venda, de modo que a realização de negócios em comunhão apresente-se como um dado da realidade, não se podendo duvidar da responsabilidade que daí decorre da função social do empreendimento, da função social desses contratos, da própria função social da propriedade e da responsabilidade social da administradora do shopping”.

Portanto, o Supremo entendeu que o que fez o TST foi criar uma norma jurídica não prevista no ordenamento, impondo uma obrigação própria de empregador, criada legalmente para se passar no âmbito de uma relação de emprego, contra quem não ostenta a qualidade de empregador.

ADPF 501

  1. Os poderes de Estado devem atuar de maneira harmônica, privilegiando a cooperação e a lealdade institucional e afastando as práticas de guerrilhas institucionais, que acabam minando a coesão governamental e a confiança popular na condução dos negócios públicos pelos agentes públicos. Precedentes.
  2. Impossibilidade de atuação do Poder Judiciário como legislador positivo, de modo a ampliar o âmbito de incidência de sanção prevista no art. 137 da CLT para alcançar situação diversa, já sancionada por outra norma. 
  3. Ausência de lacuna justificadora da construção jurisprudencial analógica. Necessidade de interpretação restritiva de normas sancionadoras. Proibição da criação de obrigações não previstas em lei por súmulas e outros enunciados jurisprudenciais editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho (CLT, art. 8º, § 2º).
  4. Arguição julgada procedente” DJe de 18/8/22).

Importante pontuar que ficou devidamente comprovado nos autos que o shopping center não mantinha mais de 30 mulheres como empregadas.

As empregadas das lojas locatárias não entram na cota de 30 mulheres, prevista na CLT, haja vista não serem empregadas do shopping center, e sim de cada estabelecimento individualmente considerado.

Ou seja, não há vínculo trabalhista entre os shopping centers e as empregadas das lojas lá estabelecidas.

Conclusão

Em resumo, como os shopping centers não participam, em nenhuma circunstância, do polo da relação bilateral entre empregados e empregador (das lojas), não é permitido atribuir-lhes obrigações direcionadas àqueles que, de fato, demandam, usufruem, apreendem a mão-de-obra do empregado, sem comando expresso na legislação, em inobservância princípio da legalidade.

Ótimo tema para provas de direito constitucional, de direito do trabalho e de processo do trabalho.

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