Contrato de namoro como alternativa a união estável

Contrato de namoro como alternativa a união estável

Cresce, no Brasil, a utilização do contrato de namoro como alternativa a união estável.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Contrato de namoro no Brasil

O Brasil tem experimentado, nos últimos anos, um aumento significativo na adoção do contrato de namoro, principalmente depois da revelação de sua utilização pelo casal Endrick, jogador da seleção brasileiro, e sua namorada, a influenciadora Gabriely Miranda.

Segundo o Colégio Notarial do Brasil (CNB), em 2023 foram escriturados 126 documentos nos cartórios. Em 2024, até maio, já foram 44. Parece que no amor também vale o escrito, registrado e escriturado.

Mas o que vem a ser esse contrato de namoro? Quais suas características? E seus efeitos jurídicos? É isso que veremos a partir de agora.

O que é contrato de namoro?

O contrato de namoro tem servido, principalmente, para formalizar que a relação afetiva entre os namorados não tem por objetivo constituir família, não tem por objetivo a união estável. Por isso que utiliza-se esse instrumento como uma alternativa ao contrato de união estável.

Uma das grandes vantagens do contrato de namoro é que ele confere segurança jurídica àqueles que não pretendem se casar ou constituir família, apenas vivenciar uma simples relação de namoro, resguardando o patrimônio e os direitos de ambos os contratantes enamorados.

Portanto, em caso de término do namoro não haverá os efeitos próprios do casamento ou da união estável, como pensão, herança e divisão de bens. Referido contrato desponta, aqui, como um importante instrumento de planejamento patrimonial e sucessório.

Contrato
Foto: Reprodução/Instagram/Gabriely Miranda

Também pode-se utilizar o contrato de namoro simplesmente para estabelecer as regras da relação de namoro, como foi o caso do jogador Endrick e sua namorada, que se utilizaram do instrumento mais como uma brincadeira, através de um aplicativo de mensagens, e não envolveu advogado ou mesmo o cartório. Nesse caso específico, as cláusulas do contrato proibiram qualquer tipo de vício, mudança drástica de comportamento e tem como uma das obrigações dizer sempre “eu te amo”.

O contrato de namoro é ideal para casais que estão começando um relacionamento, e que não pretendem assumir um compromisso mais profundo neste momento. Nada impede, porém, que no futuro possam se casar ou passar para o estado de união estável.

Segundo a advogada especialista em direito de família, Bianca Lima,

“Este contrato está se tornando muito popular entre os casais, principalmente diante do crescimento de ‘namoros qualificados’ na sociedade, aqueles em que as pessoas estão juntas, mas não têm intenção de constituir uma família”.

Após as partes decidirem assinar um contrato de namoro, e colocarem no papel as cláusulas acordadas, é hora de formalizar o instrumento. Essa formalização pode ser por meio de escritura pública perante o cartório de notas, ou um simples contrato particular com reconhecimento de firma.

Peculiaridades do contrato de namoro

O contrato não precisa contar, necessariamente, com ajuda de um advogado, e geralmente os cartórios já possuem modelos prontos, mas que podem passar por adaptações.

Segundo advogados especializados, é importante que o casal observe alguns pontos com atenção:

  • Constar cláusula especificando que em caso de reconhecimento de união estável será regido pelo regime de separação total de bens;
  • Não se pode utilizar o contrato como forma de fraude para “escapar” das obrigações legais de uma união estável;
  • O contrato deve refletir a vontade genuína de ambos, sem pressões, devendo cumprir seu principal papel que é diferenciar o namoro da união estável;
  • Tem que ficar claro que não há intenção de constituir família;
  • Embora não seja obrigatório, registrar o contrato em cartório irá garantir maior segurança jurídica ao documento.

Perceba, portanto, que se o casal vive ou quer viver uma relação de união estável não poderá se utilizar do contrato de namoro. Caso se utilize esse instrumento para situações de união estável, o contrato poderá tornar-se nulo ante a simulação do negócio, conforme prevê o artigo 167 do código civil:

CC/2022

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;

III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.

Ou seja, utiliza-se o contrato de namoro apenas para situações de namoro, sem objetivo de constituir família, não podendo aplicá-lo à relação de união estável, que contém regramento legal próprio (artigos 1.723 a 1.727 do código civil).

União estável x namoro simples x namoro qualificado

O ponto diferenciador do namoro para a união estável, portanto, é o objetivo de constituir família através de uma convivência pública, contínua e duradoura, senão vejamos:

CC/2022

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

Se o casal tem por objetivo constituir família, e o faz através de uma convivência pública, contínua e duradoura, não poderá assinar um contrato de namoro, sob pena de nulidade por simulação.

Podemos dizer, então, que pode-se utilizar o contrato de namoro como alternativa a união estável somente se o casal não tiver por objetivo, neste momento, constituir família. Ao contrário, não é possível, juridicamente, se utilizar do contrato de namoro para reger uma relação de união estável. Neste último sentido, não há possibilidade jurídica, sendo o negócio nulo por ser simulado.

Outro ponto a se considerar é a diferenciação, feita pela doutrina, entre o namoro simples e o namoro qualificado:

“o namoro simples é facilmente diferenciado da união estável, pois não possui sequer um de seus requisito básicos… Já o namoro qualificado apresenta a maioria dos requisitos também presentes na união estável. Trata-se, na prática, da relação amorosa e sexual madura, entre pessoas maiores e capazes, que, apesar de apreciarem a companhia uma da outra, e por vezes até pernoitarem com seus namorados, não têm o objetivo de constituir família. Por esse motivo é tão difícil, na prática, encontrar as diferenças entre a união estável e o namoro qualificado. Muito embora as semelhanças existentes ente ambos, o que os diferencia é o objetivo precípuo de constituir família – presente na união estável e ausente no namoro qualificado.”

Maluf, Carlos Alberto Dabus; Maluf, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. Curso de Direito de Família. 2013. Editora Saraiva. p. 371-374)

Podemos perceber, portanto, que existe o namoro simples, o namoro qualificado e a união estável. Nos dois primeiros é possível a assinatura do contrato de namoro. No último, não.

Decisões no tribunal

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Paraná se deparou com o instituto do contrato de namoro (Apelação cível n. 0002492-04.2019.8.16.0187, pela 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, sob a relatoria do Des. Sigurd Roberto Bengtsson). A decisão, de maneira unânime, afastou a incidência de união estável e confirmou a validade do contrato de namoro que as partes firmaram.

Nessa análise da corte paranaense, uma das partes pleiteava o reconhecimento da união estável, alegando que, apesar da existência do contrato de namoro, ele não possuía validade devido à sua vulnerabilidade, já que haveria uma disparidade entre as formações profissionais (uma das partes era da área da enfermagem e a outra parte pertencia à área da medicina).

O Tribunal afastou a tese da vulnerabilidade, ressaltando que o contrato de namoro tinha sido assinado por agentes capazes, sem provas de vício de vontade, com reconhecimento de firma, e ainda havia a presença de advogados. Isso sem falar na inexistência do objetivo de constituir família e de uma relação duradoura, já que o casal teve períodos de rompimento ao longo do tempo, com afastamentos e retomadas.

Em resumo, podemos afirmar que o contrato de namoro é um instrumento válido de planejamento patrimonial e sucessório que os casais podem utilizar e, que não tem por objetivo constituir família, mas que querem regular a sua relação e ter maior segurança jurídica.

Caso se comprove a utilização do instituto de forma fraudulenta, com o intuito de escapar dos efeitos da união estável, pode-se considerar o negócio como simulado e, portanto, nulo de pleno direito.

Enfim, viva o amor, seja no namoro, na união estável ou no casamento!

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