Consulta administrativa e prescrição tributária: o STJ reafirma os limites temporais para o pedido de restituição do indébito

Consulta administrativa e prescrição tributária: o STJ reafirma os limites temporais para o pedido de restituição do indébito

Vamos discutir o seguinte julgado recente do STJ:

Consulta

De início, é preciso compreender que o instituto da consulta administrativa, embora legítimo como instrumento de segurança jurídica, não possui o condão de suspender ou interromper o prazo prescricional para o exercício do direito de repetição do indébito.

Essa foi, em síntese, a orientação firmada pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no REsp 2.032.281/CE, de relatoria do ministro Gurgel de Faria, julgado por unanimidade em agosto de 2025.

Com efeito, a controvérsia girava em torno de situação corriqueira na práxis tributária: o contribuinte, ao identificar que vinha recolhendo PIS e COFINS a maior, preferiu aguardar a resposta de uma consulta formal à Receita Federal antes de protocolar o pedido de restituição.

Nessa linha, o tempo passou, a resposta demorou, e o prazo quinquenal previsto no art. 168, I, do CTN se esgotou.

Logo, o ponto central do debate residia, pois, em saber se essa consulta teria o efeito de suspender ou interromper o curso da prescrição.

Não confunda com a súmula do STJ que possui entendimento similar

Súmula 625-STJ: O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

Repetição de indébito

Ação de repetição de indébito (ou ação de restituição de indébito) é a ação na qual o requerente pleiteia a devolução de determinada quantia que pagou indevidamente.

A ação de repetição de indébito, ao contrário do que muitos pensam, não é restrita ao direito tributário. Assim, por exemplo, se um consumidor é cobrado pelo fornecedor e paga um valor que não era devido, poderá ingressar com ação de repetição de indébito para pleitear valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável (art. 42, parágrafo único do CDC).

No âmbito tributário, o contribuinte que pagar tributo indevido (exs: pagou duas vezes, pagou imposto que era inconstitucional, houve erro na alíquota etc.) terá direito à repetição de indébito, ou seja, poderá ajuizar ação cobrando a devolução daquilo que foi pago.

As hipóteses em que o contribuinte terá direito à repetição de indébito, no âmbito tributário, estão previstas no art. 165 do CTN:

Art. 165. O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4º do artigo 162, nos seguintes casos:

I - cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;

II - erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;

III - reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.

O mencionado art. 165 afirma que o sujeito passivo tem direito à restituição, independentemente de prévio protesto (isto é, mesmo que na hora de pagar não tenha “reclamado” do tributo indevido ou tenha feito qualquer ressalva; não interessa o estado de espírito do sujeito passivo no momento do pagamento, ou seja, se sabia ou não que o pagamento era indevido). Pagou indevidamente, tem direito de receber de volta a fim de evitar o enriquecimento sem causa da outra parte (no caso, o Fisco).

Qual é o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário?

5 anos. O CTN prevê o prazo prescricional de 5 anos para que o contribuinte ajuíze a ação de repetição de indébito tributário pedindo a restituição das quantias que pagou indevidamente:

Art. 168. O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:

I - nas hipótese dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;

II - na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.

Pedido administrativo de compensação não interrompe o prazo

Imagine a seguinte situação:

Em 2010, João pagou R$ 900,00 a título de IPTU de sua casa. Ocorre que, logo depois, ficou reconhecido que João pagou um valor maior do que era o devido segundo a legislação tributária. Em outras palavras, João pagou R$ 900,00, no entanto, o correto seria ele pagar apenas R$ 400,00.

Isso significa que João (sujeito passivo) tem direito à repetição de indébito, ou seja, tem direito à restituição parcial do tributo pago.

O art. 168 do CTN afirma que João tem um prazo de 5 anos para ingressar com ação exigindo isso.

João estava cheio de problemas e esqueceu de fazer o pedido.

Em 2015, pouco antes de completar 5 anos, João descobre que está devendo R$ 450,00 de taxa de lixo (tributo municipal). Ele lembra, então, que tem aquele “crédito” de R$ 500,00 do IPTU de 2010 que pagou a mais.

Diante disso, ele requer, ao Fisco municipal, a compensação do crédito com o débito.

Vou abrir um parêntese para relembrar o que é a compensação no direito tributário: ocorre quando o contribuinte possui um crédito a receber do Fisco, podendo ser feito o encontro de contas do valor que o sujeito passivo tem que pagar com a quantia que tem a receber da Administração. Trata-se de causa de extinção da obrigação tributária (art. 156, II do CTN).

O Fisco, contudo, em 2016, dá a resposta, negando o pedido do contribuinte.

O que isso significa?

Que houve a prescrição da pretensão para o ajuizamento da ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN.

Isso porque o STJ entende que o “pedido administrativo de compensação” não interrompe o prazo prescricional de 5 anos que o contribuinte tem para ajuizar a ação de repetição de indébito tributário.

O caso concreto e a natureza da consulta

No caso sob julgamento, o contribuinte alegava que a consulta, ao depender de manifestação da autoridade fazendária, teria provocado a suspensão do prazo.

Contudo, conforme ponderou o relator, a consulta administrativa não possui natureza contenciosa, sendo apenas um mecanismo de orientação da Receita Federal para esclarecer dúvidas sobre a interpretação da norma tributária.

Em suas palavras, “a circunstância de haver formulado prévia consulta no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil não suspende ou interrompe o prazo prescricional, ainda que ocorra eventual demora na apresentação da resposta”.
Com isso, o Tribunal deixou claro que a fluência do prazo quinquenal independe de qualquer manifestação administrativa: ele corre, de forma contínua, desde o pagamento indevido até o efetivo pedido de restituição.

A bem da verdade, o direito à repetição nasce no momento da extinção do crédito tributário, não havendo relação de causalidade entre a consulta e a exigibilidade do crédito.
Portanto, o tempo consumido pelo contribuinte na via administrativa não se comunica com o prazo de prescrição, pois são esferas jurídicas distintas.

A lógica do lançamento por homologação

Veja-se que o raciocínio do STJ ganha densidade quando se recorda o regime jurídico dos tributos sujeitos ao lançamento por homologação. Nesse modelo, o próprio contribuinte é responsável pela apuração e recolhimento do tributo.

A atuação do Fisco limita-se à homologação posterior, expressa ou tácita.

Ora, se é o próprio contribuinte quem apura e paga, também é dele o ônus de corrigir eventuais equívocos dentro do prazo legal.

Daí a importância do entendimento consolidado: o pedido de restituição não está condicionado à manifestação prévia da Administração tributária.

Assim, ainda que o contribuinte tenha agido de forma cautelosa ao consultar a Receita, tal conduta não altera a contagem do prazo prescricional.

De outro lado, não se desconhece que a consulta pode servir como importante instrumento preventivo, evitando autuações futuras. Todavia, o seu uso prudencial não afeta o direito material à restituição, que deve ser exercido tempestivamente.

Entendimento da jurisprudência

Nessa linha de intelecção, a decisão da Primeira Turma reafirma a coerência do STJ em matéria de prescrição tributária.

Ao reconhecer a inaplicabilidade de causas suspensivas não previstas em lei complementar, o Tribunal reforça o postulado da segurança jurídica e o princípio da legalidade estrita.

Com efeito, permitir que a consulta administrativa interrompa a prescrição implicaria transferir ao contribuinte o risco da demora estatal, criando um hiato temporal incerto e contrário à própria razão de ser do instituto.

A prescrição, como lembra a doutrina, tem por finalidade estabilizar as relações jurídicas e encerrar a incerteza temporal dos créditos tributários — tanto para o Fisco quanto para o contribuinte.

Destarte, não há como admitir a ampliação do prazo prescricional por via interpretativa, sob pena de vulnerar a unidade do sistema tributário e comprometer a confiança legítima na aplicação do CTN.

Tese:

“A apresentação, na via administrativa, de consulta não suspende ou interrompe o prazo prescricional para o contribuinte pleitear restituição do indébito tributário ou compensação tributária.”

(REsp 2.032.281/CE, Rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 19.8.2025, DJe 10.9.2025)

Como o tema já foi cobrado em provas

Prova: Avança SP - 2024 - Câmara de Paraty - RJ - Procurador Jurídico

III - O pedido administrativo de compensação ou de restituição interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. 168 do CTN”. (errado)
Prova: FUNDATEC - 2024 - Prefeitura de Londrina - PR - Procurador do Município - Serviço de Procuradora Jurídica

Lucrécia apresentou pedido administrativo de compensação de tributo pago indevidamente. Considerando a jurisprudência do Superior Tribunal de justiça, assinale a alternativa correta.

Alternativas

A) O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. nº 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

B) O pedido administrativo de compensação ou de restituição interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. nº 168 do CTN, mas não o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

C) O pedido administrativo de compensação ou de restituição interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. nº 168 do CTN e o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

D) O pedido administrativo de compensação ou de restituição não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. nº 168 do CTN, mas interrompe o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública.

E) O pedido administrativo de compensação, apenas, não interrompe o prazo prescricional para a ação de repetição de indébito tributário de que trata o art. nº 168 do CTN nem o da execução de título judicial contra a Fazenda Pública. O pedido de restituição, contudo, interrompe ambos os prazos.

Gabarito: A

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