* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
Um condomínio de Santa Catarina tomou uma atitude, no mínimo, polêmica: proibiu sexo após as 22h.
Trata-se de um condomínio residencial localizado na cidade de São José, na Grande Florianópolis, e a proibição surgiu após diversas reclamações de barulhos durante a madrugada, incluindo gemidos, batidas de cabeceira e conversas em tom alto.
A medida já foi apelidada de “Toque de recolher do amor”, e teria sido aprovada em assembleia condominial.
A norma interna prevê diversas punições: a primeira ocorrência geraria uma notificação por escrito, enquanto a reincidência poderia resultar em multa de R$ 237,00.
Em caso de continuidade da atividade proibida, o texto prevê a possibilidade de exposição de gravações de sons em reuniões no salão de festas e cogita a instalação de sensores de decibéis nos corredores.
Mas essa regra interna é válida ou ofende a Constituição Federal? É isso que veremos a partir de agora.
Análise jurídica
O Código Civil trata do condomínio edilício a partir do artigo 1.331. No artigo 1.336 temos uma série de deveres impostos aos condôminos, o que inclui:
- I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção;
- II – não realizar obras que comprometam a segurança da edificação;
- III – não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas;
- IV – dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.
O inciso IV, acima, trata dos deveres de convivência.
Deveres de convivência
Os deveres de convivência num condomínio incluem respeitar o regulamento interno e a convenção, não perturbar o sossego dos vizinhos, cuidar da sua unidade sem prejudicar a coletividade, zelar pela conservação das áreas comuns e manter um relacionamento cordial e respeitoso com os demais condóminos e funcionários do condomínio.
O art. 1.336, IV, e §2º, do Código Civil, autoriza o condomínio a impor advertências e multas a condôminos que não respeitem os deveres de convivência. Desse modo, a notificação escrita é uma medida pedagógica adequada.
Já o artigo 1.337 prevê que “O condômino, ou possuidor, que não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio poderá, por deliberação de três quartos dos condôminos restantes, ser constrangido a pagar multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, conforme a gravidade das faltas e a reiteração, independentemente das perdas e danos que se apurem.”
O condômino ou possuidor que, por seu reiterado comportamento antissocial, gerar incompatibilidade de convivência com os demais condôminos ou possuidores, poderá ser constrangido a pagar multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, até ulterior deliberação da assembleia.
Você sabe o que é esse comportamento antissocial que pode gerar a expulsão do condômino?

Mas para a expulsão do condômino não é necessário apenas a prática de condutas antissociais. É necessário, também, que o condômino antissocial tenha uma conduta de constante perturbação à vida condominial, gerando uma convivência hostil.
Podemos citar alguns comportamentos antissociais que podem gerar essa hostilidade na convivência. São eles:
- Xingamentos, ofensas e brigas;
- Perturbação do sossego dentro do apartamento;
- Dar festas quase que todos os dias, sem se incomodar com o barulho que causa;
- Destratar os funcionários, o que dificulta o condomínio de contratar pessoas para determinadas funções;
- Ignorar as regras da vida em condomínio e o regulamento interno;
- Usar a unidade para cometer atos ilícitos, como tráfico de drogas, exploração sexual, roubo de itens das áreas comuns e outros crimes;
Expulsão
O ordenamento jurídico permite a expulsão do condômino antissocial?
Como vimos mais acima, o código civil, em seu artigo 1.337, traz a previsão da aplicação de multa para o condômino antissocial.
Percebemos, aqui, duas figuras distintas1:
O condômino faltoso contumaz (art. 1.337, caput, CC) → O faltoso contumaz é aquele “que não cumpre reiteradamente seus deveres perante o condomínio”, pois está sempre cometendo infrações. Pode ser a mesma repetidamente, como o caso daquele que toda vez coloca o lixo fora do local adequado, que rotineiramente estaciona o carro fora da delimitação da vaga, ou que volta e meia toca instrumentos musicais em elevado som.
Sanção prevista: Multa correspondente até ao quíntuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Quórum da assembleia: Convocação prévia de ¾ dos condôminos restantes.
O condômino antissocial (art. 1.337, § único, CC) → Já o condômino antissocial é aquele que por seu comportamento afrontoso gera incompatibilidade de convivência com os demais. Ou seja, não são infrações leves, incessantes pequenos desvios, são atos lesivos a tal ponto que torne impossível a convivência em comunidade.
Sanção prevista: Multa correspondente ao décuplo do valor atribuído à contribuição para as despesas condominiais, independentemente das perdas e danos que se apurem.
Quórum da assembleia: Convocação posterior dos ¾ dos condôminos restantes.
Vale destacar que, em todo caso, é garantido ao condômino o direito de ampla defesa e contraditório quando for deliberar sobre a aplicação da multa ou a expulsão, em respeito ao art. 5º, LV, CF.
Enunciado nº 92, do CJF: “As sanções do art. 1.337 do novo Código Civil não podem ser aplicadas sem que se garanta direito de defesa ao condômino nocivo”.
Como visto, o código civil não prevê, expressamente, a pena de expulsão do condômino antissocial. Mas parte da doutrina e da jurisprudência entendem perfeitamente possível.
Marco Aurélio Bezerra de Melo defende a pena de exclusão:
“Imaginemos uma situação em que o condômino abastado prefira pagar as multas arbitradas e continue realizando as suas festas madrugada adentro, praticando comércio que acarrete alto consumo de água e mantendo seus animais ferozes no interior do imóvel, entre outras práticas ainda mais condenáveis, como a exploração à prostituição ou o favorecimento do consumo de drogas ilícitas no condomínio. O que fazer? Saem os condôminos ordeiros e cumpridores de suas obrigações e fica reinando absoluto no edifício o arruaceiro, chalaceador, o intrigueiro, o egoísta, o bandido, o fascista, o traficante, o facínora, o mau-caráter, o insuportável? Pensamos que não.”2
Entretanto, para a aplicação da pena de expulsão é necessário o ajuizamento de uma ação judicial para tanto, sendo a matéria reservada à jurisdição.
Importante frisar que a pena de expulsão não se confunde com a perda da propriedade. São coisas distintas.
A expulsão, de fato, limita o direito de propriedade, já que o dono fica impedido de voltar a residir no local, mas ele mantém o direito de propriedade sobre o imóvel, podendo vender, permutar ou alugar a unidade.
No caso do condomínio que proibiu sexo após as 22h, essa decisão claramente viola direitos fundamentais dos condôminos relacionados à intimidade e a vida privada.
Proibir barulhos excessivos após as 22h é uma medida plausível, mas proibir a prática de relações sexuais entre os moradores é medida totalmente descabida, que invade e fere a intimidade dos condôminos.
Teoria Jurídica dos Círculos Concêntricos
Importante ressaltar a Teoria Jurídica dos Círculos Concêntricos, que divide a vida privada de uma pessoa em três níveis de proteção, começando pela camada mais externa, a vida privada em sentido estrito (informações públicas e superficiais), passando pela intimidade (informações compartilhadas com um círculo restrito de pessoas, como família e amigos próximos), até o núcleo mais interno, o segredo (informações mais íntimas e confidenciais do indivíduo, como crenças e escolhas pessoais).

A proteção jurídica aumenta à medida que o círculo se torna menor e mais central.
O objetivo da Teoria é criar barreiras de proteção em camadas para dificultar o acesso a ativos importantes do indivíduo.
Perceba que as questões ligadas à opção sexual e às próprias relações sexuais fazem parte desse círculo menor (segredo), recebendo uma proteção jurídica ainda mais intensa.
A nossa Constituição Federal prevê a proteção da intimidade e da vida privada.
CF/88
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Então, podemos concluir que a medida, tomada pelo condomínio, de proibir sexo após as 22h, é violadora da intimidade e da vida privada dos condôminos, sendo, em consequência, inconstitucional.
O tema é instigante, e pode ser cobrado nas provas de direito civil ou mesmo de direito constitucional, então, muita atenção!
- COMISSÃO Nacional de Direito Imobiliário. Condômino Antissocial: breve análise do Art. 1.337 do Código Civil. JusBrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/condomino-antissocial-breve-analise-do-art-1337-do-codigo-civil/1206274868>. Acesso em 18/07/2024, às 11:29hs. ↩︎
- Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência, Ed. Forense, livro digital, p. 958. ↩︎
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