Crime de concussão: a cobrança ilegal de propina por funcionários da ENEL em Diadema

Crime de concussão: a cobrança ilegal de propina por funcionários da ENEL em Diadema

Introdução: quando o apagão vira oportunidade criminosa

O temporal que atingiu São Paulo em dezembro de 2025 deixou mais de 2 milhões de pessoas sem energia elétrica. Em meio ao caos, surgiu uma denúncia grave: funcionários da Enel teriam exigido valores entre R$ 300 e R$ 1.000 para religar a energia de um condomínio em Diadema. O caso, que resultou na condução de sete pessoas ao 3º Distrito Policial, acende o alerta para um crime pouco compreendido por candidatos a concursos jurídicos: a concussão.

Este artigo é essencial para quem estuda para Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública, Delegacia de Polícia e carreiras correlatas, pois a distinção entre concussão, corrupção passiva e extorsão é frequentemente cobrada em provas, especialmente em questões que envolvem empregados de concessionárias de serviços públicos.

Por que este tema importa para concursos?

Bancas como CESPE, FCC, VUNESP e FGV adoram explorar a equiparação de empregados de concessionárias a funcionários públicos (art. 327, § 1º, CP) e a diferença entre exigir (concussão) e solicitar (corrupção passiva) vantagem indevida. Dominar essa distinção pode significar acertar a questão que fará a diferença na sua aprovação.

Tipificação: concussão (art. 316 do Código Penal)

Com base nos fatos narrados, o crime praticado é concussão, previsto no art. 316 do Código Penal:

Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

Por que concussão e não corrupção passiva?

A diferença está na intensidade da conduta:

  • Concussão: o agente exige a vantagem, criando uma situação de constrangimento ou intimidação. A vítima se sente coagida a pagar.
  • Corrupção passiva: o agente solicita ou recebe a vantagem, mas sem criar uma situação coercitiva. Há uma negociação, ainda que ilícita.

No caso em análise, os moradores relataram que “foi cobrado” e que houve “cobrança” de valores. Essa terminologia indica uma exigência (concussão), e não uma mera solicitação (corrupção passiva). Os moradores não procuraram os funcionários oferecendo propina; foram constrangidos a pagar sob pena de não terem a energia religada.

E por que não extorsão?

A extorsão (art. 158, CP) é crime comum, praticado por qualquer pessoa mediante violência ou grave ameaça. A concussão é crime próprio, praticado por funcionário público (ou equiparado) que se vale dessa condição. Como os empregados da Enel são equiparados a funcionários públicos (art. 327, § 1º, CP), o crime é de concussão, não de extorsão.

Análise dos elementos do tipo penal

Sujeito ativo: funcionário público por equiparação

Elemento essencial: a concussão é crime próprio, ou seja, só pode ser praticado por funcionário público (ou equiparado).

Os funcionários da Enel, embora empregados de empresa privada, são equiparados a funcionários públicos para fins penais, nos termos do art. 327, § 1º, do CP:

§ 1º – Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

A Enel é concessionária de serviço público (fornecimento de energia elétrica), atividade típica da Administração Pública delegada mediante concessão (Lei nº 8.987/95). Portanto, seus empregados, ao executarem a religação de energia (ato vinculado ao serviço público concedido), atuam como funcionários públicos por equiparação.

⚠️ Atenção para concursos: Essa equiparação é automática e independe de a empresa ser pública ou privada. Então, o que importa é a natureza da atividade (típica da Administração Pública). Esse conceito é recorrente em provas de Direito Penal e Administrativo.

Sujeito passivo: dupla ofensividade

A concussão possui dupla ofensividade:

  1. Sujeito passivo primário (formal): o Estado, pois o bem jurídico protegido é a moralidade administrativa e a regularidade do exercício da função pública.
  2. Sujeito passivo secundário (material): os moradores que foram constrangidos a pagar a propina, pois sofreram prejuízo patrimonial direto.
Conduta: exigir vantagem indevida

O núcleo do tipo é “exigir”, que significa impor, ordenar, reclamar com autoridade. Trata-se de conduta mais grave que “solicitar” (corrupção passiva) ou “receber” (corrupção passiva consumada).

Análise do caso concreto:

  • Os funcionários da Enel exigiram inicialmente R$ 300 e, posteriormente, mais de R$ 1.000 para religarem a energia.
  • A exigência ocorreu em razão da função pública exercida (religação de energia elétrica).
  • Os moradores estavam em situação de vulnerabilidade (sem energia há dias, após temporal), o que reforça o caráter coercitivo da exigência.

⚠️ Importante: A concussão se consuma com a mera exigência, independentemente do pagamento efetivo. Mesmo que os moradores não tivessem pago, o crime estaria consumado. Se houver pagamento, configura-se exaurimento do crime, mas não altera a consumação.

Objeto material: vantagem indevida

“Vantagem indevida” é qualquer benefício econômico ou não econômico que o funcionário não tem direito de receber no exercício de suas funções.

No caso, os valores exigidos (R$ 300 a R$ 1.000) são manifestamente indevidos, pois:

  • A religação de energia é ato vinculado, sem margem de discricionariedade.
  • Os funcionários não têm competência para cobrar valores além das taxas oficiais da concessionária.
  • A cobrança foi feita pessoalmente pelos funcionários, e não pela Enel mediante boleto ou sistema oficial.
Elemento subjetivo: dolo

A concussão é crime doloso, exigindo que o agente tenha consciência de que está exigindo vantagem indevida e vontade de fazê-lo.

concussão

Dolo genérico: basta a vontade de exigir a vantagem indevida, sem necessidade de finalidade específica (dolo específico).

No caso, o dolo é evidente: os funcionários sabiam que a cobrança era ilegal e, ainda assim, exigiram os valores dos moradores, aproveitando-se da situação de emergência e da dependência dos moradores em relação ao serviço de energia elétrica.

Elemento normativo: em razão da função

A exigência deve ocorrer “em razão da função”, ou seja, o agente se vale da sua condição de funcionário público (ou equiparado) para exigir a vantagem.

O tipo penal prevê três situações:

  1. Durante o exercício da função: o agente está em serviço (caso em análise).
  2. Fora da função: o agente não está em serviço, mas se vale da sua condição funcional.
  3. Antes de assumir a função: o agente ainda não tomou posse, mas já exige vantagem em razão da função que irá exercer.

No caso de Diadema, os funcionários estavam em serviço, realizando religação de energia, o que caracteriza claramente a prática do crime “em razão da função”.

Distinções essenciais para concursos públicos

Quadro comparativo: concussão x corrupção passiva x extorsão
CritérioConcussão (art. 316)Corrupção Passiva (art. 317)Extorsão (art. 158)
Sujeito ativoFuncionário público (próprio)Funcionário público (próprio)Qualquer pessoa (comum)
CondutaExigir vantagem indevidaSolicitar ou receber vantagemConstranger mediante violência ou grave ameaça
CoaçãoHá constrangimento/intimidaçãoNão há constrangimentoHá violência ou grave ameaça
ConsumaçãoCom a exigênciaCom a solicitação ou recebimentoCom a obtenção da vantagem
Elemento subjetivoDolo genéricoDolo genéricoDolo genérico + fim de obter vantagem econômica (dolo específico)
Bem jurídicoMoralidade administrativaMoralidade administrativaPatrimônio

Memorize para a prova:

✅ Concussão = EXIGE (mais grave, cria constrangimento)

☑️ Corrupção passiva = SOLICITA ou RECEBE (menos grave, não há constrangimento)

✅ Extorsão = CONSTRANGE com violência (crime comum, não é funcionário público)

Questão simulada de concurso público

(Estilo CESPE/VUNESP – Delegado de Polícia)

Durante temporal que deixou milhares de pessoas sem energia elétrica, funcionários de concessionária de serviço público de distribuição de energia foram até um condomínio residencial para realizar o restabelecimento do fornecimento. No local, exigiram do síndico a quantia de R$ 1.200,00 para efetuarem a religação, sob a alegação de que, sem o pagamento, a energia não seria restabelecida naquele dia. O síndico, temendo que os moradores ficassem mais dias sem luz, realizou o pagamento. Posteriormente, denunciou o fato à polícia.

Com base na situação hipotética apresentada, assinale a alternativa correta:

A) Os funcionários praticaram o crime de corrupção passiva, pois solicitaram vantagem indevida em razão da função pública que exercem, sendo equiparados a funcionários públicos por trabalharem em concessionária de serviço público.

B) Os funcionários praticaram o crime de extorsão, pois constrangeram a vítima mediante ameaça implícita (não religar a energia), exigindo vantagem econômica indevida, ainda que sejam empregados de concessionária de serviço público.

C) Os funcionários praticaram o crime de concussão, pois, valendo-se da condição de funcionários públicos por equiparação, exigiram vantagem indevida, criando situação de constrangimento à vítima.

D) Não há crime contra a administração pública, pois os funcionários são empregados de empresa privada (concessionária), não sendo equiparados a funcionários públicos para fins penais, devendo responder apenas por extorsão.

E) O crime de concussão não se consumou, pois exige, além da exigência, o efetivo recebimento da vantagem indevida pelo agente, o que configura elemento essencial do tipo penal.

GABARITO: C

Justificativa:

Alternativa C (CORRETA): Os funcionários da concessionária são equiparados a funcionários públicos (art. 327, § 1º, CP), pois exercem atividade típica da Administração Pública (fornecimento de energia elétrica). A conduta de exigir vantagem indevida, criando constrangimento à vítima (sob ameaça de não religar a energia), configura concussão (art. 316, CP), e não corrupção passiva. A concussão se consuma com a mera exigência, independentemente do recebimento efetivo da vantagem.

Alternativa A (INCORRETA): A corrupção passiva exige solicitar ou receber vantagem, sem criar constrangimento. No caso, houve exigência com constrangimento, o que caracteriza concussão, não corrupção passiva.

Alternativa B (INCORRETA): Embora haja constrangimento, a extorsão é crime comum (praticado por qualquer pessoa). Como os agentes são funcionários públicos por equiparação e praticaram o crime em razão da função, o delito é de concussão, crime próprio de funcionário público.

Alternativa D (INCORRETA): Funcionários de concessionárias de serviços públicos são equiparados a funcionários públicos para fins penais (art. 327, § 1º, CP). Portanto, há crime contra a administração pública (concussão).

Alternativa E (INCORRETA): A concussão se consuma com a mera exigência da vantagem indevida, independentemente do recebimento. O recebimento configura mero exaurimento do crime, mas não é elemento essencial do tipo.

Conclusão estratégica: o que memorizar para a prova

  • Funcionários de concessionárias de serviços públicos = funcionários públicos por equiparação (art. 327, § 1º, CP)
  • Concussão = EXIGIR vantagem indevida (há constrangimento/intimidação)
  • Corrupção passiva = SOLICITAR ou RECEBER vantagem indevida (sem constrangimento)
  • Concussão consuma-se com a exigência (recebimento = exaurimento)
  • Extorsão ≠ Concussão: extorsão é crime comum; concussão é crime próprio de funcionário público
  • Bem jurídico protegido: moralidade administrativa + probidade no exercício da função pública

O caso de Diadema é exemplo perfeito de como situações cotidianas podem virar questões de prova. Dominar a distinção entre concussão, corrupção passiva e extorsão é indispensável para quem almeja carreiras de Delegado, Promotor, Juiz, Defensor Público ou Procurador. Estude com atenção, simule questões e, acima de tudo, entenda a lógica por trás dos institutos.

Seu próximo passo: revise o art. 327, § 1º, do CP e treine questões sobre crimes contra a administração pública praticados por funcionários de empresas terceirizadas, concessionárias e permissionárias.


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