A competência da Justiça Eleitoral: crimes eleitorais e conexos
Campanha Eleitoral

A competência da Justiça Eleitoral: crimes eleitorais e conexos

Competência da Justiça Eleitoral.

Olá turma, como estão os estudos? Aproveitando o clima de concurso do TSE, vamos examinar uma hipóteses em que se discutiu, na jurisprudência brasileira, a competência da Justiça Eleitoral, abordando a discussão referente à competência criminal da Justiça Eleitoral, nos casos em que estão presentes crimes eleitorais e crimes conexos de competência, como regra, da Justiça Comum, Estadual ou Federal.

Justiça Eleitoral

Panorama constitucional da discussão

O Poder Judiciário brasileiro foi desenhado pela Constitucional Federal de 1988 entre os artigos 92 até o seu artigo 126, com algumas disposições esparsas em outros trechos do texto constitucional (por exemplo, nos arts. 2º, 5º, XXXV, 21, XIII, 33, § 3º, 34, 35 e 36, 37, XI e XII, 66 e 68, entre outros).

Quanto aos órgãos do Poder Judiciário, foram estabelecidos no art. 92 da Constitucional Federal e regulamentados nos arts. 101 e 102 (Supremo Tribunal Federal), 103-B (Conselho Nacional de Justiça), arts. 104 e 105 (Superior Tribunal de Justiça), arts. 106 e 107 (Tribunais Regionais Federais), art. 109 (Juízes(as) Federais), arts. 111 e 111-A (Tribunal Superior do Trabalho), art. 115 (Tribunais Regionais do Trabalho), art. 116 (Juízes(as) do Trabalho), art. 119 (Tribunal Superior Eleitoral), art. 120 (Tribunal Regional Eleitoral), art. 123 (Superior Tribunal Militar) e 124 (Juízes(as) Militares Federais), art. 125 (Tribunais de Justiça estaduais e Juízes(as) estaduais).

No que interesses ao presente texto, cabe distinguir o papel ou, em outras palavras a função da Justiça Eleitoral, composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, pelo Tribunal Regional Eleitoral e pelos Juízes(ízas) estaduais e da Justiça Comum, entendida esta como um gênero que engloba os Tribunais e Juízes(ízas) estaduais (Justiça Comum estadual), bem como os Juízes(ízas) Federais e os Tribunais Regionais Federais (Justiça Comum Federal).

Em linguagem técnico-jurídica, essa função de cada órgão do Poder Judiciário recebe a nomenclatura de competência, sendo fixada também constitucionalmente, em termos gerais, da seguinte forma:

  • Justiça Eleitoral: Art. 121 da CF/88. “Lei complementar disporá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais”.
  • Justiça Comum Federal: Art. 109 da CF/88. “Aos juízes federais compete processar e julgar” […].
  • Justiça Comum Estadual: competência residual.

Sobre a Justiça Eleitoral, o Supremo Tribunal Federal definiu que a lei complementar que esmiúça a competência (função) da Justiça Eleitoral, atualmente, é o Código Eleitoral, “recepcionado como lei material complementar na parte que disciplina a organização e a competência da Justiça Eleitoral (art. 121 da Constituição de 1988)” (MS 26.604, rel. min. Cármen Lúcia, j. 4-10-2007, P, DJE de 3-10-2008).

Entretanto, o STF já definiu também que a exigência de lei complementar para dispor sobre a organização da Justiça Eleitoral restringe-se à competência em função da matéria e não diz respeito às regras de distribuição por prevenção ou conexão, que possuem natureza processual, de maneira que pode ser regulamentada por lei ordinária (ADI 5.507, rel. min. Dias Toffoli, j. 5-9-2022, Informativo STF 1.066).

Em relação à Justiça Comum Federal, suas competências estão delimitadas no próprio texto constitucional, no mencionado art. 109 da Constitucional Federal, segundo o qual, competência aos Juízes Federais:

  • I – as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
  • II – as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou pessoa domiciliada ou residente no País;
  • III – as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo internacional;
  • IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
  • V – os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
  • V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;             
  • VI – os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
  • VII – os habeas corpus , em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição;
  • VIII – os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
  • IX – os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar;
  • X – os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o “exequatur”, e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização;
  • XI – a disputa sobre direitos indígenas.

Acerca da Justiça Comum Estadual, é de sua competência toda a matéria jurídica que não for atribuição de um órgão especializado ou superior do Poder Judiciário (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral, Justiça Militar Federal, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), nem da Justiça Comum Federal.

Ocorre que há assuntos jurídicos ou situações envolvendo alguma lide que tangenciam as funções ou a competência de mais de um órgão do Poder Judiciário, o que gera um conflito de competências entre os mencionados componentes do Judiciário.

Tais conflitos, por disposições expressas da Constituição Federal, devem ser resolvidos também por um órgão do Poder Judiciário. No presente texto, analisaremos especificamente o conflito havido entre a competência da Justiça Eleitoral e a da Justiça Comum, seja Justiça Comum Estadual ou Justiça Comum Federal, o qual, como regra, deve ser resolvido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos termos do art. 105, I, “d”, da Constitucional Federal, exceto se envolver o próprio Tribunal Superior Eleitoral, caso em que caberá ao Supremo Tribunal Federal solucionar:

  •  Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar, originariamente: d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;
  • Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente: o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;

Para os fins do presente texto, vamos analisar especificamente entendimentos do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal sobre o conflito de competência entre a Justiça Comum e a Justiça Eleitoral.

Crimes eleitorais e crimes conexos

Um caso analisado pelo STF, em que se discutiu a competência da Justiça Eleitoral, envolveu uma situação peculiar, porém muito comum no cotidiano do processo eleitoral, referente ao crime comumente conhecido como “doações eleitorais por meio de ‘caixa dois’”.

Com efeito, em linguagem técnico-jurídica, essa conduta caracteriza o crime de falsidade ideológica eleitoral, tipificado no art. 350 do Código Eleitoral, e rotineiramente é praticada em conjunto com outros fatos também delituosos, previstos muitas vezes no Código Penal comum, como crime de competência para julgamento, em regra, da Justiça Federal ou Estadual.

Nesse contexto, ante falta de estrutura da Justiça Eleitoral, composta, como é de conhecimento público, de magistrados provisórios, com rotatividade, por regra, bienal, defendia-se a separação de investigações e processos que tratassem sobre o crime eleitoral (art. 350) e os crimes comuns conexos, de modo que a Justiça especializada julgasse apenas o crime específico e a Justiça comum, sobretudo a Justiça Federal, quando fosse hipótese de sua competência, ficasse encarregada do processamento e julgamento dos crimes comuns conexos, ante a redação dos incisos I e IV do art. 109 acima citado, na parte em que excluem das Juízas e Juízes Federais apenas as causas sujeitas à Justiça Eleitoral e não as questões conexas.

Entretanto, fazendo uma interpretação da Constituição de 1988 a partir dos arts. 35, II, do Código Eleitoral e 78, IV, do Código Processo Penal, o STF entendeu que “Compete à Justiça Eleitoral julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhes forem conexos” (Plenário. Inq 4435 AgR-quarto/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 13 e 14/3/2019).

Nesses casos, compete também à Justiça Eleitoral, segundo o Supremo Tribunal Federal, no referido julgado, “analisar, caso a caso, a existência de conexão de delitos comuns aos delitos eleitorais e, em não havendo, remeter os casos à Justiça competente”.

Os mencionados dispositivos legais estabelecem o seguinte:

  • Código Eleitoral, art. 35. Compete aos juízes: (leia-se: juízes eleitorais) II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;
  • Código de Processo Penal, art. 78. Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras: […] IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.

Nesse ponto, cabe destacar ainda que o posicionamento do STF concorda em parte com o do Superior Tribunal de Justiça[1], o qual já havia decidido, por sua Corte Especial, com base no art. 80 do CPP, no seguinte sentido:

  • “Não cabe afastar a incidência dos dois dispositivos atrás colacionados [arts. 35, II, do Código Eleitoral e 78, IV, do CPP], sob argumento de não recepção pela Constituição Federal, quando reiteradamente o STF vem reconhecendo a sua validade e conferindo-lhes aplicação. […]
  • Entretanto, cumprirá ao Juízo Eleitoral, que fará o exame das provas de forma certamente mais aprofundada, aferir se existe, efetivamente, conexão que implique julgamento conjunto, podendo aquele magistrado concluir que, mesmo que presente o nexo, seja apropriado aplicar a regra do artigo 80 do Código de Processo Penal, a dispor que ‘Será facultativa a separação dos processos quando as infrações tiverem sido praticadas em circunstâncias de tempo ou de lugar diferentes, ou, quando pelo excessivo número de acusados e para não Ihes prolongar a prisão provisória, ou por outro motivo relevante, o juiz reputar conveniente a separação’.
  • Isso porque, no caso de haver certa independência entre o crime de corrupção passiva e o crime eleitoral, é sempre viável ao magistrado competente deliberar sobre o desmembramento, com a remessa à Justiça Federal daquela parte que entender não ser de obrigatório julgamento conjunto. De qualquer sorte, essa decisão só pode incumbir ao Juízo inicialmente competente, que é o Eleitoral”.

Cabe ressalvar que a peculiaridade do entendimento do STJ, fundada no art. 80 do CPP, aparentemente, ainda não foi chancelada pelo STF, uma vez que a Suprema Corte tem admitido a separação de processos somente em casos de ausência de conexão e não por conveniência do Juízo Eleitoral, como autorizado pelo mencionado artigo 80 do Código de Processo Penal.

Assim encerramos mais um texto da série de artigos sobre a competência da Justiça Eleitoral na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, visando os estudos para o concurso do Tribunal Superior Eleitoral. Esperamos que essa breve análise de caso tão importante julgado pelo STF seja útil para estudos e revisões. Para maiores detalhes, os acórdãos dos julgados citados estão disponíveis por meio dos links constantes do texto e, caso saibam de mais algum julgado interessante na jurisprudência brasileira sobre o tema, podem citar nos comentários.


[1] AgRg na APn n. 865/DF, relator Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, julgado em 7/11/2018, DJe de 13/11/2018.


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