* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a simples localização de crime ambiental em mar territorial, bem pertencente à União, não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal.
A decisão se deu no julgamento do REsp 2.313.729, envolvendo o crime ambiental previsto no art. 34 da Lei Federal 9.605/1998, relacionado à pesca ilegal do peixe da espécie “Cioba” (Lutjanuscyanopteru).
Lei de Crimes Ambientais
Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:
Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I - pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;
II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;
III - transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.
A atração da competência de julgamento para a Justiça Federal depende da demonstração de que o dano ambiental gerou reflexos em âmbito regional ou nacional.
O Superior Tribunal de Justiça já aplicou esse mesmo entendimento a crime praticado em rio interestadual, portanto, águas da União, mas que resultaram em danos de impacto local. A competência definida foi da Justiça Estadual (AgRg no CC n. 155.055/MG).
1. A proteção ao meio ambiente constitui matéria de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, motivo pelo qual, para se afirmar ser o delito contra a fauna de competência da Justiça Federal, é necessário que se revele evidente interesse da União, a teor do disposto no art. 109, inciso IV, da Constituição Federal.
2. No caso, não obstante a pesca tenha ocorrido em rio que banhe mais deum estado, fato é que o lugar em que teria ocorrido a infração penal está muito bem delimitado na exordial acusatória, não havendo nos autos qualquer indício de que o crime tenha repercutido para além do local em que supostamente praticado, de modo a autorizar a conclusão de que teria havido lesão a bem da União.
O caso
Voltando para o caso, o delito foi cometido no Parque Estadual Marinho da Laje de Santos, unidade de conservação localizada em mar territorial e criada pelo Decreto Estadual 37.537/1993 de São Paulo.
O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que, como o peixe “Cioba” não consta na lista de espécies ameaçadas de extinção da Portaria MMA nº 445/2014, não há interesse da União no julgamento desse crime.
Além do mais, o fato aconteceu em Unidade de Conservação Estadual, mesmo que localizado em bem da União (mar territorial). Isso corrobora a ausência de interesse do ente federal.
Para o STJ, o interesse da União que enseja o deslocamento da competência para a Justiça Federal para o julgamento de crime ambiental se caracteriza quando a área de preservação for criada por decreto federal, ou seja, quando se tratar de Unidade de Conservação Federal, o que não ocorreu na hipótese ora analisada.
O interesse da União que enseja o deslocamento da competência para a Justiça Federal para o julgamento de crime ambiental se caracteriza quando a área de preservação for criada por decreto federal.
Portanto, caso o crime tivesse ocorrido em unidade de conservação instituída pela União, o interesse federal estaria evidente, atraindo a competência da Justiça Federal, nos termos do artigo 109, I, da CF.
CF/88
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
...
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
Nesse sentido, podemos citar o conflito de competência nº 187.958/DF, julgado pelo STJ em 14/09/2022.
1. Compete à Justiça Federal o julgamento de crime ambiental praticado em unidade de conservação da natureza instituída pela União e administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade - ICMBio, pois há interesse jurídico direto do ente federal e de sua autarquia especial na proteção dos bens jurídicos vulnerados pela infração penal.
2. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 10.ª Vara Criminal de Brasília - SJ/DF."
(CC n. 187.958/DF, relatora Ministra Laurita Vaz, Terceira Seção, julgado em14/9/2022, DJe de 28/9/2022.)
Unidades de conservação
Em relação aos crimes praticados em unidades de conservação, portanto, podemos afirmar, com segurança, que o entendimento do STJ é o seguinte:
- Crime ambiental praticado em UC Federal -> Competência da Justiça Federal.
- Crime ambiental praticado em UC Estadual ou Municipal -> Em regra, competência da Justiça Estadual.
Segundo a lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (9.985/2000), unidade de conservação é o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção.

Responsabilidade
Importante ressaltar que a responsabilidade ambiental possui fundamento no artigo 225, §3º da Constituição Federal:
CF/88
Art. 225...
§3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O artigo 225, §3º da Constituição Federal, portanto, impõe aos infratores três espécies distintas de responsabilidades pelo dano ambiental, quais sejam:

E essas instâncias de responsabilização são independentes uma das outras, ou seja, um mesmo fato pode atrair a tríplice responsabilização.
Em resumo, segundo o STJ:
A simples localização do crime em mar territorial, bem pertencente à União, não atrai, por si só, a competência da Justiça Federal, sendo necessária a demonstração de que o dano ambiental gerou reflexos em âmbito regional ou nacional, o que não ocorreu no caso concreto.
O tema, que envolve competência e responsabilidade ambiental, tem sido bastante cobrado em provas de carreiras jurídicas. Portanto, muita atenção!
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