CNJ pune desembargadora por venda de decisões judiciais

CNJ pune desembargadora por venda de decisões judiciais

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

O plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aplicou, por unanimidade, a pena de aposentadoria compulsória à desembargadora Lígia Maria Ramos Cunha Lima, do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA).

A magistrada é alvo da Operação Faroeste, que investiga a participação da desembargadora em um esquema de venda de sentenças que envolvem grilagem de terras no oeste da Bahia e de integrar organização criminosa voltada para a prática de lavagem de dinheiro e corrupção.  

O Processo Administrativo Disciplinar – PAD (005357-19.2022.2.00.0000) – foi relatado pelo conselheiro João Paulo Schoucair, que apontou as seguintes faltas funcionais graves:

  • Interferência na atividade jurisdicional para atender a questões particulares (inclusive interesses econômicos dos filhos);
  • Conluio para interferir no curso de investigação que apura esquema de venda de decisões do tribunal.

Além disso, o relator foi incisivo:

“Essa atuação também é percebida na tentativa de obstrução das investigações realizadas em seu favor. O conjunto probatório demonstra que ela atuou diretamente em sua assessoria para tentar alterar a realidade dos fatos” ... a magistrada teria agido de forma “desapegada aos deveres e obrigações inerentes à atividade jurídica”.

A sanção de aposentadoria compulsória é pena disciplinar que pode ser aplicada a magistrados. O resultado é o afastamento do cargo, mas com o recebimento proporcional de seus proventos.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), dias antes, decidiu por rescindir o acordo de delação premiada da desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, também do TJ-BA, e de seu filho, o advogado Vasco Rusciolelli, investigados na Operação Faroeste.

O Ministério Público Federal argumentou que a desembargadora e o filho descumpriram cláusulas do acordo, como ausência em audiências sem justificativa.

Operação Faroeste

Vamos entender, então, o que é essa Operação Faroeste.

A Operação Faroeste é uma investigação da Polícia Federal, iniciada em 2019, que envolve juízes, desembargadores e outras autoridades acusados de participarem de um suposto esquema de venda de decisões judiciais com a finalidade de legalizar terras griladas no oeste da Bahia, além de crimes de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e tráfico de influência.

Estima-se que as terras griladas superem os 360 mil hectares, movimentando cifras bilionárias.

Ainda em 2022, o Superior Tribunal de Justiça já havia determinado a suspensão temporária das seguintes autoridades:

  • José Olegário Monção Caldas (desembargador);
  • Maria da Graça Osório Pimentel Leal (desembargadora);
  • Marivalda Almeida Moutinho (juíza);
  • Maria do Socorro Barreto Santiago (desembargadora);
  • Ilona Márcia Reis (desembargadora);
  • Lígia Maria Ramos da Cunha Lima (desembargadora).

Assim, tendo em vista a complexidade do esquema, o Ministério Público Federal decidiu dividir a apuração em várias frentes, gerando denúncias distintas, algumas delas já recebidas pela Corte Especial do STJ e convertidas em ações penais.

O relator de uma das ações penais derivadas da Operação Faroeste, no STJ, o ministro Og Fernandes, ressaltou que

As provas até agora colhidas são suficientes para o prosseguimento da ação penal quanto aos crimes de pertencimento a organização criminosa e corrupção ativa e passiva, pois indicam que os denunciados promoveram e integraram organização criminosa, pactuando elevadas quantias de dinheiro para a prolação de decisões judiciais favoráveis”.

Punição disciplinar

A Constituição Federal, em seu artigo 95, parágrafo único, e a LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional, fixaram diretrizes para a atuação do magistrado.         

CF/88

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

[...]

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;
II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;
III - dedicar-se à atividade político-partidária.
IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;         
V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Em seguida, a LOMAN (LC nº 35/79), em seu artigo 35, VIII, impõe como dever do magistrado manter conduta irrepreensível na vida pública e particular.

Receber dinheiro ou favores em troca de decisões judiciais, além de crime, representa uma causa grave de quebra da imparcialidade do julgador.

A imparcialidade do magistrado é um pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas para que possa exercer a função jurisdicional de forma justa, sem beneficiar ou prejudicar qualquer das partes.

Assim, como bem apontado por Benigno Núñez Novo1:

“A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção”.

O princípio da imparcialidade do juiz decorre da Constituição Federal, que veda o juízo ou tribunal de exceção, bem como garante que o processo e a sentença sejam conduzidos pela autoridade competente que sempre será determinada por regras estabelecidas anteriormente ao fato sob julgamento (artigo 5º, XXXVII c/c artigo 5º, LIII).

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

...

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

O Código de Ética da Magistratura dedica um capítulo, o terceiro, à questão da imparcialidade (artigos 8º e 9º):

Código de Ética da Magistratura

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

Art. 9º Ao magistrado, no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.

Parágrafo único. Não se considera tratamento discriminatório injustificado:

I – a audiência concedida a apenas uma das partes ou seu advogado, contanto que se assegure igual direito à parte contrária, caso seja solicitado;
II – o tratamento diferenciado resultante de lei.

Na Convenção Americana de Direitos Humanos – da qual o Brasil é signatário –, o artigo 8º preceitua que todo indivíduo tem o direito de ser ouvido por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei.

desembargadora, justiça, CNJ

Portanto, o conluio do julgador com a parte, através da venda de decisão judicial, acaba por afetar a imparcialidade do julgador e, portanto, colocar sob olhares de desconfiança a condução do processo.

O Código de Ética da Magistratura ainda assevera, em seus artigos 15 a 19, que o magistrado deve zelar pela sua integridade pessoal e profissional, e essa integridade de conduta contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura.

Decisão certa

Com base em todas as normas aplicáveis ao caso e aos fatos apurados, o CNJ não teve outra opção a não ser reconhecer a quebra do dever funcional, e punir a desembargadora.

Tema muito interessante para provas da Magistratura e do Ministério Público.


  1. NOVO, Núñez Benigno. Imparcialidade do juiz. JusBrasil. 2019. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/imparcialidade-do-juiz/721887658>. ↩︎

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