CNJ proíbe pagamento retroativo a juízes

CNJ proíbe pagamento retroativo a juízes

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do CNJ

O Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução 621/2025, que proíbe a todos os órgãos do Poder Judiciário o reconhecimento e o pagamento de novos benefícios ou vantagens retroativos por decisão administrativa.

Agora, esse tipo de reconhecimento somente poderá ser realizado a partir do trânsito em julgado de decisão judicial em ação coletiva ou precedente qualificado dos tribunais superiores.

Pagamento retroativo

O presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, e o corregedor nacional de justiça, ministro Mauro Campbell Marques, editaram a norma. Em seguida, o Plenário a referendou por unanimidade.

A norma também estabelece que, em qualquer caso, se aplica o disposto no artigo 57 do Provimento n. 165/2024 da Corregedoria Nacional de Justiça. O dispositivo determina que o pagamento retroativo de qualquer verba remuneratória ou indenizatória, prevista ou não na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), somente poderá ser realizado após autorização prévia da Corregedoria.

Resolução

FUNDAMENTOS DA RESOLUÇÃO CNJ 621/2025
O princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput);
A necessidade de incrementar o controle sobre o reconhecimento e pagamento de direitos e vantagens com efeito retroativo ainda não reconhecidos administrativamente antes da data da entrada em vigor da Resolução;
A exigência de decisão judicial transitada em julgado em ação de natureza coletiva garante isonomia a todos os beneficiários, bem como o exercício do contraditório por parte do ente que suportará os efeitos financeiros de eventuais novos direitos e vantagens com efeito retroativo;
A atribuição da Presidência do CNJ para praticar, em caso de urgência, ato administrativo de competência do Plenário, submetendo-o ao referendo deste na primeira sessão que se seguir (art. 6º, XXVI, do Regimento Interno do CNJ).

A Resolução tem apenas 3 artigos. Vejamos:

Resolução CNJ 621/2025

Art. 1º Os órgãos do Poder Judiciário somente poderão reconhecer e pagar novos direitos e vantagens com efeito retroativo por força de decisão judicial transitada em julgado, proferida em ação de natureza coletiva ou em precedente qualificado dos Tribunais Superiores.

Art. 2º Em qualquer caso, aplica-se o disposto no art. 57 do Provimento nº 165/2024, da Corregedoria Nacional de Justiça.

Art. 3º Esta Resolução entra em vigor na data da sua publicação.

O objetivo da resolução é uniformizar e dar mais transparência à concessão de vantagens remuneratórias, além de evitar que decisões administrativas isolem tribunais ou juízes de um controle mais rigoroso sobre gastos públicos.

Salários turbinados

A medida vem como uma reação às notícias dos últimos meses que demonstram o turbinamento dos salários dos magistrados brasileiros.

Em janeiro, foi noticiado que os salários dos ministros do Superior Tribunal Militar (STM) foram inflados no mês de dezembro. De R$ 41.808,09 de remuneração básica, houve integrante da corte que recebeu R$ 318.580,38 líquidos.

Em outro episódio, o Tribunal de Justiça da Paraíba levou aproximadamente 24 segundos para aprovar, de forma unânime, o pagamento de R$ 234 milhões em indenizações a 281 magistrados, referente à chamada “compensação por assunção de acervo processual“, com valores que podem chegar, individualmente, a R$ 956,9 mil.

Após o Conselho Nacional de Justiça proibir a concessão de novos benefícios administrativos a magistrados, o Ministério Público Federal adotou caminho oposto e reconheceu o pagamento retroativo de verbas indenizatórias a procuradores.

O vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand Filho foi quem assinou a decisão do MPF. Ele reconheceu o direito à licença compensatória para procuradores com acúmulo de acervo, referentes a um período a partir de janeiro de 2015.

Análise jurídica

Teto do funcionalismo público

O salário dos ministros da Suprema Corte corresponde ao teto do funcionalismo público, conforme art. 37, XI, da CF, e se aplica à toda a magistratura.

Além de servir como teto do funcionalismo público, o salário dos ministros do Supremo também serve de referência para outros cargos. Exemplo disso são os tetos estaduais e subtetos.

A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos…não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O mesmo artigo 37, XI, da CF, continua prevendo um subteto para a magistratura estadual, correspondente a 90,25% do subsídio dos ministros do STF.

CF/88

Art. 37...

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

Ocorre que o STF, na ADI 3.854, deu interpretação conforme ao artigo 37, XI, da CF, para afastar o subteto inferior da magistratura estadual em relação à magistratura federal, sob o argumento de que a estrutura judiciária brasileira é nacional. Portanto, o teto da magistratura estadual é o mesmo dos ministros do STF.

Importante observar que as parcelas de caráter indenizatório não se submetem ao teto remuneratório constitucional, como excepciona o artigo 37, §11, da CF/88.

Princípio da moralidade administrativa

Questão relevante é saber se esse pagamento, mesmo que previsto em regulamento próprio, afronta ou não o princípio da moralidade administrativa.

O art. 37, da Constituição Federal, traz uma série de princípios que devem ser observados pela Administração Pública, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O princípio da moralidade administrativa exige que os agentes públicos atuem de maneira ética, proba, com boa-fé, sob pena de afronta à Constituição e cometimento de improbidade administrativa.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, de forma brilhante, leciona:

“Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do Administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”.

O princípio da moralidade administrativa pode ser entendido sob três aspectos distintos1:

a) Dever de atuação ética (princípio da probidade): o agente público deve ter um comportamento ético, transparente e honesto perante o administrado. Assim, o agente público não pode sonegar, violar nem prestar informações incompletas com o objetivo de enganar os administrados. Não pode um agente se utilizar do conhecimento limitado que as pessoas têm sobre a administração para obter benefícios pessoais ou prejudicar indevidamente o administrado;

b) Concretização dos valores consagrados na lei: o agente público não deve limitar-se à aplicação da lei, mas buscar alcançar os valores por ela consagrados. Assim, quando a Constituição institui o concurso público para possibilitar a isonomia na busca por um cargo público, o agente público que preparar um concurso dentro desses ditames (proporcionar a isonomia) estará também cumprindo o princípio da moralidade;

c) Observância dos costumes administrativos: a validade da conduta administrativa se vincula à observância dos costumes administrativos, ou seja, às regras que surgem informalmente no quotidiano administrativo a partir de determinado condutas da Administração. Assim, desde que não infrinja alguma lei, as práticas administrativas realizadas reiteradamente devem vincular a Administração, uma vez que causam no administrado um aspecto de legalidade.

Inclusive, importante presenciar o princípio da moralidade administrativa sendo utilizado como fundamento para a sustação de pagamentos, no mínimo, questionáveis.

Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito administrativo.


  1. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-da-moralidade-administrativa/433140195>. ↩︎

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