Caso Bruno Henrique: quais consequências podem ter?
Foto: Gilvan de Souza/CRF

Caso Bruno Henrique: quais consequências podem ter?

O que aconteceu?

Notícia

Uma suspeita da Polícia Federal contra o atacante Bruno Henrique, indiciado na última segunda-feira (14) por fraude em competição esportiva, começou após relatório de alertas de múltiplas casas de apostas.

Em resumo, as empresas enviaram relatórios independentes à PF apontando atividades suspeitas que convergiam em diversos pontos, indicando uma “anormal confiança dos apostadores” no recebimento de um cartão amarelo por Bruno Henrique na partida contra o Santos, em novembro de 2023.

No fundo, a investigação focou em um cartão amarelo recebido pelo jogador durante partida contra o Santos, pelo Campeonato Brasileiro de 2023, após alertas de casas de apostas sobre padrões suspeitos que levantaram a possibilidade de combinação de resultado para ganhos ilícitos.

A PF percebeu um padrão consistente nas diferentes plataformas, que reforçou as suspeitas de manipulação. Detectou-se uma concentração incomum de apostas no mercado de cartões direcionada quase exclusivamente ao jogador, chegando a 98% do volume em algumas casas.

Além disso, houve um número expressivo de contas recém-criadas especificamente para essa aposta e clientes já existentes apostando valores muito acima do usual nesse mercado. 

A concentração em locais específicos, como em Belo Horizonte (MG), cidade natal do atleta, também foi considerada um forte indício pela PF.

Os padrões foram considerados ilógicos pelas casas de apostas e chancelado pela International Betting Integrity Association (Ibia). A PF também teve acesso a trocas de mensagens entre Bruno Henrique e seu irmão, Wander Junior:

Caso Bruno Henrique
Wander: "O tio você está com 2 cartão no brasileiro?"

Bruno Henrique: "Sim"

Wander: "Quando (o) pessoal mandar tomar o 3 liga nós hein kkkk"

Bruno Henrique: "Contra o Santos"

Wander: "Daqui quantas semanas?"

Bruno Henrique: "Olha aí no Google"

Wander: "29 de outubro"; "Será que você vai aguentar ficar até lá sem cartão kkkkkk"

Bruno Henrique: "Não vou reclamar"; "Só se eu entrar forte em alguém"

Wander: "Boua já vou guardar o dinheiro investimento com sucesso"

O conteúdo dessas conversas, segundo a investigação, discutiria a possibilidade do cartão amarelo, que seria o terceiro do jogador e resultaria em suspensão automática. Wander está entre os outros nove indiciados, grupo que inclui também a cunhada do jogador, uma prima, amigos e quatro ex-jogadores de futebol: Claudinei Bassan, Douglas Barcelos, Max Evangelista e Andryl Sales.

Análise jurídica

De início, perceba que o caso envolvendo o atacante Bruno Henrique, do Flamengo, traz à tona importantes reflexões sobre a intersecção entre o direito penal e o direito desportivo no contexto da crescente indústria de apostas esportivas no Brasil.

Bruno Henrique foi condenado?

Não, calma. É importante esclarecer, preliminarmente, que o indiciamento representa apenas a conclusão das investigações policiais, não configurando condenação ou mesmo acusação formal.

Trata-se de etapa investigativa. Nela, a autoridade policial indica a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, cabendo ao Ministério Público a análise quanto ao oferecimento ou não de denúncia.

Ou seja, caberá ao Ministério Público acatar ou não o indiciamento, vamos para as demais aspectos trazidos no indiciamento.

Que crimes ele (pode) ter cometido, segundo a polícia?

Manipulação de competições esportivas

Conforme, a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), há uma conduta que tipifica especificamente condutas relacionadas à manipulação de competições esportivas.

No caso em análise, o artigo relevante é o 200, que estabelece:

Art. 200. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado: 

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Nesse sentido, o tipo penal é abrangente e inclui não apenas a manipulação do resultado final da partida, mas também de “eventos a ela associados”. Este último compreende ocorrências específicas durante o jogo, como faltas, cartões, escanteios e outros lances que frequentemente são objeto de apostas.

No caso, narra-se que ele combinou a ocorrência de “cartão amarelo”.

Solicitação de vantagem

Além disso, a depender das investigações pode incorrer em outro artigo, o artigo 198 da mesma lei tipifica a conduta de:

Art.198. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

Isto é, apenas caso comprovado que ele participou de “outros esquemas” incorrendo no resultado de eventos, não no caso de levar cartões. O que não se tem notícia até então.

Estelionato

Ademais, houve também o indiciamento do jogador por estelionato, crime previsto no artigo 171 do Código Penal:

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

Nesse sentido, o enquadramento no crime de estelionato decorreria do entendimento de que, ao manipular um evento esportivo para beneficiar apostadores, estaria sendo obtida vantagem ilícita em prejuízo das casas de apostas, que são induzidas a erro quanto à aleatoriedade e lisura do evento esportivo sobre o qual se realizam as apostas.

Ou seja, poderia dizer que seria o caso de “enganar” as casas de apostas, entretanto, deve-se demonstrar o “dolo” para que esteja caracterizado conforme entendimento do STJ:

“Na hipótese, descabe analisar, nesta sede, a alegação de ausência de dolo ou dos elementos constitutivos do tipo penal (fraude e erro) ou, ainda, de insuficiência dos elementos de prova colhidos nos quais foi ajuizada a ação penal a que responde o agravante, motivo pelo qual a alegação de atipicidade da conduta ou não configuração do crime de estelionato por não ter agido mediante fraude para a obtenção de vantagem ilícita em prejuízo da vítima implicaria, necessariamente, aprofundado exame do conjunto fático-probatório da causa, o que deverá ser feito oportunamente nos autos da ação penal correspondente, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, no curso do devido processo legal. 4. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STJ; AgRg-HC 826.982; Proc. 2023/0183260-9; GO; Quinta Turma; Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca; DJE 18/02/2025)

Organização criminosa

Possível organização criminosa (Lei nº 12.850/2013). Isto porque, dependendo da extensão e da organização do esquema investigado, há a possibilidade de enquadramento na Lei de Organização Criminosa (Lei nº 12.850/2013), especialmente em seu artigo 2º:

Art. 2º. Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa:

Pena - reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.

Este enquadramento, contudo, dependeria da comprovação de que um grupo estruturado de quatro ou mais pessoas praticou a conduta, com divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter vantagem mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos.

Ademais, vale ressaltar que o entendimento do STJ informa que deve haver uma estrutura sólida, diga-se de estabilidade e permanência no grupo, e também dolo para haver a configuração da organização criminosa:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO NÃO PROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto contra decisão que denegou habeas corpus impetrado em favor de acusado com prisão cautelar decretada, denunciado por suposta prática de crimes previstos na Lei nº 12.850/2013, Lei nº 11.343/2006 e Lei nº 9.613/98. 2. A decisão agravada fundamentou a prisão preventiva na necessidade de garantia da ordem pública, devido à gravidade concreta da conduta e ao risco de reiteração criminosa, considerando o papel do acusado na estrutura financeira de organização criminosa. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se a prisão preventiva do agravante está devidamente fundamentada em elementos concretos que justifiquem a medida cautelar, ou se há constrangimento ilegal pela ausência de fundamentação. III. Razões de decidir 4. A prisão preventiva foi considerada necessária para garantir a ordem pública, devido à gravidade concreta dos delitos e ao risco de reiteração criminosa, evidenciado pelo papel do agravante na organização criminosa. 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça reconhece a legalidade da prisão preventiva quando fundamentada na periculosidade do agente e na gravidade concreta da conduta. 6. A contemporaneidade da medida foi verificada no momento da decretação da prisão, não havendo extemporaneidade. lV. Dispositivo e tese 7. Agravo não provido. "1. A prisão preventiva é justificada pela necessidade de garantir a ordem Tese de julgamento: pública quando há elementos concretos que evidenciam a periculosidade do agente e o risco de reiteração criminosa. 2. A contemporaneidade da prisão preventiva é avaliada no momento de sua decretação, mesmo que o fato criminoso tenha ocorrido anteriormente. "Lei nº 12.850/2013, art. 2º, §2º e §4º, IV; Lei nº 11.343/2006, art. 37 Dispositivos relevantes citados: e art. 40, IV e V; Lei nº 9.613/98, art. 1º, §4º.STF, HC 146.874 AGR, Rel. Min. Dias Toffoli, Segunda Jurisprudência relevante citada: Turma, julgado em 06/10/2017; STJ, RHC 106.326/MG, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 24/04/2019; STJ, AGRG no HC n. 710.123/MG, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 15/8/2022;STJ, RHC 107.238/GO, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe 12/03/2019; STJ, RHC123.145/PE, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 28/02/2020.  (STJ; AgRg-HC 974.609; Proc. 2025/0008475-2; PE; Quinta Turma; Rel. Min. Messod Azulay Neto; DJE 18/03/2025)

O que será feito agora?

Vamos lá, a partir do indiciamento, segue os seguintes passos:

  1. Análise pelo Ministério Público: o Ministério Público analisará o relatório da Polícia Federal e decidirá se apresenta denúncia formal.
  2. Recebimento da denúncia: se oferecida a denúncia, caberá ao juiz competente decidir sobre seu recebimento, momento em que o indiciado se tornará efetivamente réu, bem como se houver algum pedido de prisão preventiva caso entenda pertinente.
  3. Instrução processual: fase de produção de provas, oitiva de testemunhas e interrogatório do réu.
  4. Sentença: após a instrução, o juiz proferirá sentença, absolvendo ou condenando o réu.
  5. Recursos: da sentença, caberão recursos à segunda instância (Tribunais de Justiça ou Tribunais Regionais Federais) e, posteriormente, aos Tribunais Superiores em Brasília.

De quanto poderia ser a pena?

Novamente, trata-se de falar algo muito em tese, sem as peculiaridades do caso concreto.

Entretanto, se condenado pelos crimes de fraude esportiva e estelionato, as penas poderiam, em tese, ser somadas, chegando a até 11 anos de reclusão.

Contudo, dada a natureza dos crimes (sem violência ou grave ameaça) e presumindo-se a primariedade do réu, mesmo em caso de condenação às penas máximas, o regime inicial seria provavelmente o semiaberto.

Isto porque, para penas inferiores a 4 anos, o regime poderia ser o aberto.

Há, ainda, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, caso a condenação não ultrapasse 4 anos e não tenha sido cometida com violência ou grave ameaça.

Há alguma implicação no âmbito do direito desportivo?

Sim, isto porque, o caso também suscita consequências na esfera esportiva, independentemente do processo criminal, regidas pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) é o órgão competente para julgar infrações disciplinares ocorridas em competições nacionais.

No caso específico, o STJD havia anteriormente arquivado uma investigação preliminar sobre o mesmo episódio, por falta de evidências suficientes.

Com as novas informações trazidas pela investigação da Polícia Federal, o STJD pode reabrir o caso e instaurar procedimento disciplinar.

Ademais, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) prevê, em seu art. 242, a infração por “dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva, dirigente, técnico, atleta ou qualquer pessoa natural, para que, de qualquer modo, influencie o resultado de competição”, com pena de multa e suspensão de 2 a 6 anos.

Por fim, em casos de reincidência ou de especial gravidade, o CBJD prevê a possibilidade de eliminação (banimento) do esporte, conforme disposto em seu art. 244.

O atleta pode ser suspenso de imediato?

Sim, na esfera desportiva, o art. 35 do CBJD autoriza a suspensão preventiva do atleta “quando a gravidade do ato ou fato infracional a justifique, ou em hipóteses de excepcional e fundada necessidade”, mediante requerimento da Procuradoria e despacho fundamentado do Presidente do Tribunal.


Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também