Cantor Nattan é acusado de capacitismo

Cantor Nattan é acusado de capacitismo

* Marcos Vinícius Manso Lopes Gomes. Defensor Público do estado de São Paulo. Professor de Direito Constitucional do Estratégia Carreiras Jurídicas.

Entenda o caso

O cantor Nattan foi acusado de capacitismo em show realizado na Festa de Agosto, em São Lourenço da Mata – Grande Recife[1].

Conforme noticiado[2], o cantor, durante seu show, teria pago mil reais a um homem beijar uma mulher com nanismo. A polêmica ganhou ainda mais visibilidade quando o vídeo começou a circular nas redes sociais.

Segundo a Associação Nanismo Brasil (Annabra), em nota oficial, trata-se de um ato de capacitismo, merecendo repúdio a atitude do cantor, aduzindo que o caso seria remetido ao Ministério Público. Vejamos a nota oficial realizada pela Annabra[3]:

“A Associação Nanismo Brasil (ANNABRA) vem a público manifestar seu profundo repúdio ao episódio ocorrido no último final de semana, durante show do cantor Natanael Cesário dos Santos, conhecido como Nattan ou Nattanzinho, em São Lourenço da Mata (PE).

Durante a apresentação, o artista ofereceu uma transferência via PIX de a um cinegrafista para que ele beijasse uma mulher com nanismo, expondo-a ao ridículo.

O episódio, que foi classificado por parte da imprensa como um “momento patético”, demonstra o quanto o capacitismo e a objetificação da pessoa com nanismo ainda são tolerados socialmente, mesmo em espaços de grande visibilidade.

A ANNABRA, entidade que há anos luta pelos direitos, dignidade e políticas públicas para pessoas com nanismo, repudia veementemente atitudes como esta, que reforçam o preconceito e transformam corpos em entretenimento.

A exposição de uma mulher com deficiência, em um ato de escárnio público, fere não apenas a vítima direta, mas toda a nossa comunidade, que diariamente luta por respeito, acesso à saúde, educação e inclusão social.

É importante deixar claro: o fato de uma pessoa com nanismo, em determinado momento, consentir ou participar de uma cena como essa não significa que toda a comunidade aceite ou ache engraçado.

Normalizar este tipo de “entretenimento” é abrir espaço para a perpetuação do preconceito e da violência simbólica, minando os avanços que temos conquistado com tanto esforço.

Além do repúdio social e moral, é fundamental ressaltar que o capacitismo é crime no Brasil.

O Artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015) estabelece que praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência é crime, com pena de 1 a 3 anos de reclusão e multa.

Caso a vítima esteja sob cuidado ou responsabilidade de quem comete o crime, a pena pode aumentar em um terço.

E se a discriminação ocorrer por meio de meios de comunicação ou publicações — incluindo postagens na internet e transmissões ao vivo —, a punição é ainda mais severa: de 2 a 5 anos de reclusão e multa.

A ANNABRA informa que vai se mobilizar e fará a denúncia, junto ao Ministério Público, para que os desdobramentos legais cabíveis sejam apurados. Não ficaremos calados.

Fazemos um apelo à sociedade, à mídia e aos artistas: que usem seus espaços e talentos para promover respeito, inclusão e consciência, não para retroalimentar preconceitos históricos.

A ANNABRA seguirá vigilante, ativa e firme na defesa da dignidade e dos direitos das pessoas com nanismo.”

Capacitismo

O capacitismo está relacionado ao preconceito e discriminação contra pessoas com deficiência. O referido preconceito pode se manifestar de diversas maneiras, até mesmo de forma sutil e naturalizada, reforçando a necessidade de atenção para tal espécie de preconceito.

Apenas de maneira exemplificativa, seria possível a manifestação do capacitismo por meio do paternalismo ou infantilização (quando uma pessoa com deficiência é tratada como criança), por meio de linguagem pejorativa (notadamente com a utilização termos extremamente reprováveis, a exemplo de “mongoloide”, “retardado”, “aleijado”) e em virtude de barreiras físicas e sociais (tal como ocorre com a acessibilidade em espaços públicos e ausência de políticas para uma efetiva educação inclusiva.

Precedente paradigmático

Vejamos o clássico exemplo envolvendo o arremesso de anões. Exemplo interessante é lembrado por FARIAS, Cristiano Chaves e ROSENVALD, Nelson, Curso de Direito Civil I – Parte Geral, 2013, p. 182:

“Bem ilustra a hipótese, o interessante acórdão prolatado pelo Conselho Constitucional da França, no célebre caso do ‘arremesso de anões’. Trata-se de um importante precedente da justiça francesa, cuidando de um estranho jogo, no qual anões eram lançados à distância, com o auxílio de um canhão de pressão. Insurgindo-se contra decretos das prefeituras dos locais onde o jogo era praticado, proibindo a diversão pública, os promotores do jogo ingressaram com medidas judiciais tendendo à liberação do certame. E Manuel Wackenheim[4], um anão com pouco mais de um metro e quatorze centímetros de altura, se habilitou como litisconsorte da demanda. Confirmando a vedação administrativa, a Casa Judicial francesa reconheceu que o “respeito à dignidade humana, conceito absoluto que é, não poderia cercar-se de quaisquer concessões em função de apreciações subjetivas que cada um possa ter a seu próprio respeito. Por sua natureza mesma, a dignidade da pessoa humana está fora do comércio”.

Posteriormente, o caso Manuel Wackenheim chegou à Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a qual julgou “que a decisão não era discriminatória aos anões, estabelecendo que o banimento do arremesso não era abusivo, e sim necessário para manter a ordem pública, fazendo ainda considerações a respeito da dignidade humana”[5].

Análise Jurídica

É a forte conexão com a ideia de dignidade que irá justificar a fundamentalidade de um direito, ou seja, teremos um direito fundamental quando o direito representar uma forte e relevante concretização da dignidade. Assim, forma-se uma categoria especial de direitos subjetivos.

Capacitismo

Entretanto, de acordo com a doutrina majoritária, os direitos do homem, que possuem um cunho jusnaturalista, estariam relacionados aos direitos que podem ser exigidos independentemente de positivação, pois possuem um caráter atemporal, ou seja, existindo em qualquer época ou local.

Por seu turno, a partir do momento em que determinados direitos passam a ser positivados no ordenamento jurídico interno de determinado país, utiliza-se a expressão direitos fundamentais.

Por fim, quando a positivação de tais direitos transborda o ordenamento jurídico interno e passam a ser positivados em tratados internacionais, utiliza-se a expressão direitos humanos.

A doutrina diverge acerca do fundamento filosófico dos direitos humanos, notadamente em torno de duas correntes. A corrente positivista ressalta que os direitos fundamentais retiram seu fundamento do próprio direito positivo. Não aceitam o direito natural como fonte de direitos, pois não saem do plano da metafísica, sendo apenas declarações de caráter moral, sem condições de serem cobrados do Estado.

Por seu turno, a corrente jusnaturalista possui fundamentação na dignidade da pessoa humana, sendo certo que os direitos humanos seriam inerentes à natureza humana, independente de positivação do Estado. Aqui, destaco a conhecida expressão de Hannah Arendt, com a ideia de “direito a ter direitos”.

Avançando, entraremos nas características dos Direitos Fundamentais, dentre as quais destacamos a historicidade, universalidade, relatividade ou limitabilidade, inalienabilidade, imprescritibilidade e a irrenunciabilidade. No ponto, iremos focar nossa atenção na última característica apresentada.

Isso porque, conforme a doutrina, os direitos fundamentais não podem ser renunciados. Porém, isso não se confunde com o seu não exercício. Assim, eventualmente, um indivíduo poderá não exercer o seu direito fundamental, o que não se confunde com a irrenunciabilidade, conforme ocorre, por exemplo, com o direito à intimidade nos denominados “reality shows”. Entrementes, a doutrina aponta que o seu não exercício somente poderá ocorrer desde que não exista violação da dignidade da pessoa humana, o que justificaria a proibição do arremesso de anões, uma vez que existiria a violação da dignidade das pessoas com nanismo como um todo, independentemente de visões subjetivas sobre o tema.

Conclusão

Por fim, destaca-se que o tema é controvertido, notadamente diante da relatividade dos direitos fundamentais (possibilidade de os direitos fundamentais sofrerem limitações). Ademais, destaca-se que Manuel Wackenheim desejava seu emprego na casa noturna francesa, destacando que “ele alegava que finalmente tinha um emprego, amigos, salário e gorjetas e que se sentia parte da sociedade e que se mantivesse a proibição ele teria que voltar para a vida de antes dele, a qual ele se sentia abandonado e invisível, sem emprego fixo, ele não se sentia parte da sociedade”[6]. No mesmo sentido, a influenciadora que subiu no palco de Nattan declarou:

“Acho toda essa repercussão ridícula. Não me senti ofendida. Foi um momento de alegria no palco. Não teve nada de capacitismo ali. Primeiro, porque fui eu quem me ofereceu para subir no palco. Segundo, porque sou influenciadora e adoro entretenimento. Aquilo, para mim, foi tudo o que eu queria. Ele nem estava me vendo. Eu é que fiquei pedindo para subir no palco". Ele me tratou super bem, me deu toda a atenção do mundo. É uma pessoa maravilhosa"[7].

Vamos aguardar os desdobramentos do caso. Se inscrevam no canal do Estratégia Carreiras Jurídicas para se manter sempre bem-informado!


[1] Disponível em https://g1.globo.com/pop-arte/diversidade/noticia/2025/08/07/o-que-e-capacitismo-entenda-debate-nas-redes-apos-nattan-pagar-r-1-mil-para-homem-beijar-mulher-com-nanismo.ghtml. Acesso em 13 de agosto de 2025.

[2] Disponível em https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/nordeste/pe/nattan-oferece-r-1-mil-por-beijo-em-mulher-com-nanismo-associacao-repudia/.  Acesso em 13 de agosto de 2025.

[3]Disponível em https://www.folhape.com.br/cultura/associacao-de-pessoas-com-nanismo-denuncia-nattan-por-desafio/429730/. Acesso em 13 de agosto de 2025.

[4] O anão desejava manter seu emprego, sob o argumento de que necessitava daquele trabalho para a sua sobrevivência, argumentando que era ele quem deveria decidir como ganhar a vida.

[5]  Disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Arremesso_de_an%C3%A3o. Acesso em 14 de julho de 2025.

[6] Disponível em https://www.jusbrasil.com.br/artigos/arremesso-de-anoes-e-a-dignidade-da-pessoa-humana/1633603531. Acesso em 14 de julho de 2025.

[7] Disponível em https://www.terra.com.br/diversao/gente/apos-polemica-fa-com-nanismo-defende-nattan-nao-me-senti-ofendida,dd8b3e32f716f8190880a0d12f284b1dm0mc0sj3.html. Acesso em 13 de agosto de 2015.


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