Câmara aprova PL que amplia para 30% as cotas no Executivo federal
Foto: Pedro França/Agência Senado

Câmara aprova PL que amplia para 30% as cotas no Executivo federal

A Câmara dos Deputados aprovou o PL 1953/2021, que renova e amplia de 20% para 30% de reserva de vagas para pessoas negras, indígenas e quilombolas nos concursos federais. Além disso, há um prazo de revisão da lei a cada 5 anos.

Nessa linha, vamos entender as modificações introduzidas, bem como, trazer um paralelo do inteiro teor do parecer do Relator.

Vale ressaltar que o Senado Federal ainda vai analisar o tema.

O que aconteceu?

O Projeto de Lei 1.958/21, recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados, propõe alterações significativas no sistema de cotas para ingresso no serviço público federal.

A nova legislação surge em um momento em que os jornais dizem que houve pressão do Governo Federal pela aprovação, considerando que a Lei 12.990/14, que estabeleceu originalmente a reserva de vagas em concursos públicos federais, atingiria seu termo final em junho de 2024, não fosse a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que prorrogou sua vigência até a conclusão do processo legislativo em curso.

“O STF prorroga validade das cotas raciais em concursos públicos”

Não entendi… o que decidiu o STF?

Foi o seguinte, de início, houve uma decisão cautelar proferida pelo Ministro Flávio Dino na ADI 7.654, e que depois foi ratificada pelo plenário.

Em síntese, essa decisão determinou a preservação da política de cotas no serviço público federal.

Na origem, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Rede Sustentabilidade propuseram a ação em litisconsórcio ativo, questionando os artigos 1º, caput e § 1º, e 6º da Lei nº 12.990/2014. Os requerentes buscavam três objetivos principais: a extensão das cotas para concursos estaduais, distritais e municipais; a aplicação da reserva mesmo para concursos com menos de três vagas; e a prorrogação indefinida da vigência da lei.

Perceba, a lei das cotas previa um prazo de 10 anos de validade.

Ou seja, o sistema de cotas para negros previsto na Lei nº 12.990/2014 estava previsto para durar até 10/06/2024. Foi o que estabeleceu o art. 6º da Lei nº 12.990/2014:

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação e terá vigência pelo prazo de 10 (dez) anos.

Após esse período, as cotas para negros em concursos públicos da administração pública federal acabariam, salvo se fosse verificado que a medida ainda seria necessária quando, então, deveria ser editada uma nova lei prorrogando o prazo.

Ocorre que estava chegando o dia final e o Congresso Nacional não havia, ainda, aprovado nenhuma lei prorrogando o prazo.

Diante disso, em 17/05/2024, o Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e a Rede Sustentabilidade ingressaram com ADI no STF formulando três pedidos:

1) a expansão da reserva de cotas para os concursos públicos estaduais, municipais e distritais;

2) a reserva das vagas mesmo quando o número ofertado de vagas for inferior a três; e

3) a prorrogação do prazo por tempo indeterminado.

Constitucionalidade

Vale ressaltar, que o STF já declarou a constitucionalidade das ações afirmativas:

O sistema de cotas em universidades públicas, com base em critério étnico-racial, é CONSTITUCIONAL. No entanto, as políticas de ação afirmativa baseadas no critério racial possuem natureza transitória.

STF. Plenário. ADPF 186/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 25 e 26/4/2012 (Info 663).

Isto porque, o STF interpretou que o princípio constitucional da igualdade possui duplo aspecto: formal e material.

  • A igualdade formal (também chamada de igualdade perante a lei, civil ou jurídica) consagra que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
  • A igualdade material (também denominada de igualdade perante os bens da vida, substancial, real ou fática) preconiza que as desigualdades fáticas existentes entre as pessoas devem ser reduzidas por meio da promoção de políticas públicas e privadas.

De acordo com o art. 5º, caput, da Constituição, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Entretanto, o legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos diante da lei (igualdade formal). Ele teria buscado emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país, consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais ou até mesmo acidentais.

Para efetivar a igualdade material, o Estado pode lançar mão de dois instrumentos:

Políticas de cunho universalistaPolíticas de ações afirmativas
Destinadas a número indeterminado de indivíduos.
Ex: melhoria do ensino universal gratuito.
Destinadas a atingir grupos sociais determinados, por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares.
Ex: cotas raciais em universidades.

Nessa linha, a adoção de tais políticas, que levam à superação de uma perspectiva meramente formal do princípio da isonomia, integra o próprio conceito de democracia.

A transformação do direito à isonomia em igualdade de possibilidades, sobretudo no tocante a uma participação equitativa nos bens sociais, apenas é alcançado, segundo John Rawls, por meio da aplicação da denominada “justiça distributiva”.

A “justiça distributiva” permite a superação das desigualdades no mundo dos fatos por meio de intervenção estatal que realoque bens e oportunidades existentes na sociedade em benefício de todos.

Conceitos e a história

Reconheceu-se a inexistência, cientificamente comprovada, do conceito biológico ou genético de raça, mas afirmou-se que seria justificado o uso do termo “raça” nas políticas afirmativas em razão deste “fator” ter sido utilizado, historicamente, para a construção de “hierarquias” entre as pessoas.

Cotas, justiça

Assim, se a raça foi utilizada para construir hierarquias, deverá também ser utilizada para desconstruí-las.

Após serem “desconstruídas” estas hierarquias, as ações afirmativas baseadas na raça podem ser abandonadas, adotando-se então apenas políticas universalistas materiais.

Entretanto, o STF já entendia a possibilidade de adotar o critério, desde que fosse temporário.

Logo, a lei previa o prazo de 10 anos. Esse era o critério temporário.

Mas qual a razão das ações afirmativas?

Ações afirmativas são medidas especiais e concretas para assegurar o desenvolvimento ou a proteção de certos grupos, com o fito de garantir-lhes, em condições de igualdade, o pleno exercício dos direitos do homem e das liberdades fundamentais.

Segundo o Min. Lewandowski, ao contrário do que se costuma pensar, as políticas de ações afirmativas não são uma criação norte-americana. Elas, em verdade, têm origem na Índia, país marcado, há séculos, por uma profunda diversidade cultural e étnico-racial, como também por uma conspícua (séria, grave) desigualdade entre as pessoas, decorrente de uma rígida estratificação social.

Com o intuito de reverter esse quadro, que se notabilizou pela existência de uma casta de “párias” ou “intocáveis”, importantes lideranças políticas indianas do século passado, entre as quais o patrono da independência do país, Mahatma Gandhi, conseguiram aprovar, em 1935, o conhecido Government of India Act, que seria uma espécie de primórdio das ações afirmativas.

Modalidades de ações afirmativas

Modalidades ou exemplos de ações afirmativas empregadas em vários países:

a) Levar em consideração critérios como a raça, o gênero ou outros aspectos que caracterizem grupos minoritários para promover sua integração social;

b) Afastar requisitos de antiguidade para a permanência ou promoção de membros de categorias socialmente dominantes em determinados ambientes profissionais;

c) Definir distritos eleitorais para o fortalecimento das minorias representadas por estes distritos eleitorais; e

d) Estabelecer cotas ou reserva de vagas para integrantes de setores marginalizados.

Em outras palavras, o STF julga ser constitucional haver vagas em concursos destinados a determinados grupos minoritários, desde que seja temporária essa medida.

Ok, mas e o que decidiu o STF?

Em 26/05/2024, o Ministro Relator Flávio Dino deferiu a medida cautelar para conceder o terceiro pedido acima. Em outras palavras, o Ministro determinou que o sistema de cotas deverá continuar, mesmo após o prazo do art. 6º da Lei (10/06/2024), até que o Congresso Nacional termine de analisar o projeto de lei que prevê a prorrogação das cotas. Confira o dispositivo da decisão:

“Ante o exposto, com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.868/1999 e no art. 21, V, do Regimento Interno, concedo a medida cautelar, ad referendum do Plenário, para dar interpretação conforme à Constituição ao art. 6° da Lei n° 12.990 de 9 de junho de 2014, a fim de que o prazo constante no referido dispositivo legal seja entendido como marco temporal para avaliação da eficácia da ação afirmativa, determinação de prorrogação e/ou realinhamento e, caso atingido seu objetivo, previsão de medidas para seu encerramento, ficando afastada a interpretação que extinga abruptamente as cotas raciais previstas na Lei nº 12.990/2014. Ou seja, tais cotas permanecerão sendo observadas até que se conclua o processo legislativo de competência do Congresso Nacional e, subsequentemente, do Poder Executivo.”

STF. Plenário. ADI 7.654 MC-Ref/DF, Rel. Min. Flávio Dino, julgado em 17/06/2024 (Informativo 1141).

Em resumo, o STF decidiu que a política de cotas em concursos deveria continuar até que houvesse a análise do presente projeto de lei.

Agora, temos o nosso projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados.

Como está hoje e o que irá mudar

A norma vigente, instituída pela Lei 12.990/14, estabelece a reserva de 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal direta e indireta.

O novo marco normativo propõe modificações estruturais neste sistema, elevando o percentual para 30% e expandindo significativamente seu escopo de aplicação.

A fundamentação segundo o parecer da Relatora é que dados do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos demonstram que, sob a vigência da atual legislação, a representatividade de servidores autodeclarados pretos e pardos no serviço público federal evoluiu de 37,5% em 2013 para 40,2% em 2023, evidenciando a efetividade da política, ainda que em ritmo aquém do necessário para refletir a composição demográfica nacional.

O novo texto legislativo promove alterações substanciais no ordenamento jurídico administrativo ao expandir o alcance da política de cotas para além da população negra, incluindo expressamente indígenas e quilombolas como beneficiários da reserva de vagas.

Uma outra inovação significativa trazida pelo PL 1.958/21 consiste na extensão da política de cotas para os processos seletivos simplificados destinados à contratação temporária por excepcional interesse público.

Por fim, a revisão será a cada 5 anos prevista no projeto, ao invés de 10 anos que era a pretensão original.

E, você, o que acha do projeto?


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