Breves comentários ao novo Art. 146 – A – CP (Lei 14.811/2024) – Crime de Intimidação sistemática (bullying) 

Breves comentários ao novo Art. 146 – A – CP (Lei 14.811/2024) – Crime de Intimidação sistemática (bullying) 

Olá, pessoal!

Sou o professor Cristiano Rodrigues, Advogado, Professor de Direito Penal com mais de 22 anos de experiência na preparação para concursos públicos na área jurídica e OAB, autor de diversas obras jurídicas na área de Direito Penal.

Trouxe abaixo um tema para debate e reflexão: Breves comentários ao novo Art. 146 – A – CP (Lei 14.811/2024) – Crime de Intimidação sistemática (bullying).

A Lei 14.811/2024, criou um novo tipo penal, que passou a ser previsto no artigo 146-A do Código Penal, denominado de intimidação sistemática (bullying) com o seguinte texto:

Art. 146 – A – CPIntimidação sistemática (bullying)

“Intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais:

Pena – multa, se a conduta não constituir crime mais grave.

Intimidação sistemática virtual (cyberbullying)

Parágrafo único. Se a conduta é realizada por meio da rede de computadores, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou por qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real:

Pena – reclusão, de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos, e multa, se a conduta não constituir crime mais grave.”

Percebe-se que, para este crime, foi prevista somente a pena de multa, tendo sido inserido, no seu preceito secundário, “salvo se o fato praticado não constituir crime mais grave”, criando assim um típico crime subsidiário (subsidiariedade explícita), o famoso soldado de reserva do Direito Penal, conforme as clássicas lições de Nelson Hungria.

O parágrafo único deste novo dispositivo legal (Art. 146 A CP) prevê a forma qualificada do crime, chamada de cyberbullying, quando a conduta for realizada por meio da internet, de rede social, de aplicativos, de jogos on-line ou qualquer outro meio ou ambiente digital, ou transmitida em tempo real.

Para a referida modalidade qualificada (cyberbullying) foi estabelecida pena de reclusão de 2 (dois) anos a 4 (quatro) anos e multa salvo se o fato praticado não constituir crime mais grave o que, sem sombra de dúvidas, configura clara desproporcionalidade em face da exclusiva pena pecuniária prevista para a forma simples do crime.

No que tange ao sujeito ativo e passivo do crime, não há qualquer exigência específica no novo tipo penal, tratando-se de um crime comum (duplamente comum), ou seja, que pode ser praticado por qualquer pessoa, e também contra qualquer pessoa, não somente contra menores de idade, outros inimputáveis e vulneráveis.

Além disso, cabe destacar que a conduta de intimidação sistemática, prevista neste novo tipo penal, pode ocorrer em qualquer local, e não somente em determinados ambientes como escolas, creches, universidades, clubes, condomínios etc., onde estes atos de bullying são mais comuns de serem praticados.

Trata-se de crime habitual, já que o tipo penal objetivo exige expressamente que a conduta seja praticada “sistematicamente”, ou seja, de forma repetitiva, assim a realização de uma única conduta isolada não poderá caracterizar este crime.

Desta forma, sua consumação dependerá da prática reiterada (duas vezes ou mais) dos fatos pelo agente e, devido a sua natureza habitual, o que nos parece ter sido um grave equívoco do legislador, não será possível caracterizar a tentativa neste crime.

A redação do novel artigo 146-A do Código Penal é bastante problemática, trazendo algumas redundantes previsões desnecessárias que podem atrapalhar, e mesmo impedir, sua aplicação concreta, sem falar na questionável previsão de exclusiva pena de multa para um crime (caput), já que esta característica tradicionalmente se associa às contravenções penais (DL. 3688-41).

Dentre os inúmeros problemas técnicos, presentes no tipo objetivo, podemos destacar a previsão da conduta de “intimidar por meio de atos de intimidação” e o uso da expressão “sistematicamente de forma repetitiva”, que denotam evidente redundância e pleonasmo. (grifo nosso)

Por fim, no plano objetivo, temos ainda a inacreditável previsão, na parte final do caput do artigo, da forma “virtual” de realização da conduta de “bullying”, sendo que, esta modalidade “virtual” é a própria forma qualificada do crime, especificamente prevista, logo abaixo, no parágrafo único deste tipo penal. (cyberbulling)

Lamentavelmente, no plano dos elementos subjetivos há também graves falhas técnicas, pois, o tipo penal prevê expressamente que a conduta de intimidação sistemática deve ser realizada de “modo intencional”, algo absolutamente supérfluo por se tratar de um crime doloso, regra geral para as previsões legais conforme determina o artigo 18 do Código Penal. Além disso, com esta desnecessária previsão, afastou-se qualquer possibilidade de incriminação de atos realizados com dolo eventual.

Como se não bastasse, o novo tipo penal do artigo 146 A do Código Penal ainda exige, expressamente, que a conduta de intimidação sistemática seja praticada “sem motivação evidente”, criando assim uma espécie de “elemento de justificação” do tipo, como ocorre em alguns tipos penais, por exemplo, no crime de abandono intelectual (Art. 246 CP – “sem justa causa”).

Com isso, por total ausência de técnica legislativa, chega-se à absurda consequência de que, no caso concreto, se o sujeito ativo demonstrar possuir “evidente motivação”, qualquer que seja, para a prática da conduta de intimidação sistemática contra a vítima, sua conduta deverá ser considerada atípica, afastando-se a aplicação do crime do artigo 146-A do CP que acabará por se tornar letra morta em nosso ordenamento jurídico.

Apenas a título de informação, é importante destacar que Lei 14.811/2024 também acrescentou novos tipos penais ao rol dos crimes hediondos (Lei 8072/90), alteração esta de caráter incriminador e, por isso, irretroativa, quais sejam: o induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação realizada por meio da rede de computadores, de rede social ou transmitidos em tempo real (Art. 122, caput e parágrafo 4º do CP), o crime sequestro e cárcere privado cometido quando praticado contra menor de 18 anos (Art. 148, parágrafo 1º, inciso IV do CP), bem como o crime de tráfico de pessoas quando cometido contra criança ou adolescente (Art. 149-A, caput, incisos I a IV, e parágrafo 1º, inciso II do CP), além dos artigos 240, parágrafo 1º e artigo 241-B, do ECA.

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