* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STJ
O Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua 3ª Seção, decidiu validar a busca domiciliar realizada às 5h da manhã, independentemente de haver ou não luz solar.
A Corte negou provimento aos Recursos Ordinários em Habeas Corpus (RHCs 196.481 e 196.496) que questionavam a legalidade de diligências iniciadas às 5h05 em João Pessoa/PB.
Prevaleceu o entendimento do relator, ministro Sebastião Reis Júnior, que validou a busca domiciliar. O colegiado adotou o intervalo objetivo definido pela Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19) para o cumprimento de mandados domiciliares, fixando-o entre 5h e 21h.
Lei 13.869/19
CAPÍTULO VI
DOS CRIMES E DAS PENAS
Violência Institucional
Art. 22. Invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei:
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Incorre na mesma pena, na forma prevista no caput deste artigo, quem:
I - coage alguém, mediante violência ou grave ameaça, a franquear-lhe o acesso a imóvel ou suas dependências;
II - (VETADO);
III - cumpre mandado de busca e apreensão domiciliar após as 21h (vinte e uma horas) ou antes das 5h (cinco horas).
§ 2º Não haverá crime se o ingresso for para prestar socorro, ou quando houver fundados indícios que indiquem a necessidade do ingresso em razão de situação de flagrante delito ou de desastre.
Para o relator, embora a definição de dia sempre tenha gerado divergências (critérios físico, cronológico e misto), essa disputa foi superada pela Lei 13.869/19.
A lei criminalizou o cumprimento de mandado antes das 5h e após as 21h, estabelecendo um “horário certo e definido” que dispensa considerações sobre a luminosidade natural para delimitar o início do período lícito para o cumprimento.
Argumento da defesa
O caso envolvia duas advogadas investigadas na Operação Escoliose. As defesas sustentaram que a busca, iniciada às 5h05, violou a inviolabilidade domiciliar (art. 5º, XI, da Constituição e art. 245 do CPP) por ter ocorrido em período noturno, visto que o sol só nasceu às 5h33 naquele dia.
CF
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
...
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
...
CPP
Art. 245. As buscas domiciliares serão executadas de dia, salvo se o morador consentir que se realizem à noite, e, antes de penetrarem na casa, os executores mostrarão e lerão o mandado ao morador, ou a quem o represente, intimando-o, em seguida, a abrir a porta.
O princípio da inviolabilidade domiciliar objetiva proteger a intimidade e a vida privada do indivíduo. Além disso, visa garantir-lhe, especialmente no período noturno, o sossego e a tranquilidade esperados do lar.
Como bem apontado pela professora Marcela Neves Suonski, o conceito de “casa”, segundo entendimento do STF, revela-se abrangente, estendendo-se a:
- Qualquer compartimento habitado;
- Qualquer aposento ocupado de habitação coletiva; e
- Qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade pessoal.
Portanto, o conceito de “casa” também abrange escritórios profissionais, consultórios médicos e odontológicos, trailers, barcos e aposentos de habitação coletiva.
Hipóteses que permitem a entrada na casa de um indivíduo:
- Com o consentimento do morador;
- Sem o consentimento do morador, sob ordem judicial, apenas durante o dia.
- A qualquer hora, sem o consentimento do indivíduo, em caso de flagrante delito ou desastre, ou, ainda, para prestar socorro.
Os advogados argumentaram que a Constituição e o Código de Processo Penal exigem a luz solar efetiva para caracterizar o período diurno, e que um mero marco cronológico de 5h não é suficiente para atender à cláusula pétrea da inviolabilidade do lar.
Eles citaram dados astronômicos, fotografias e testemunhos para provar que a ação ocorreu ainda na escuridão, e relataram os impactos traumáticos da medida em lares que abrigavam idosos, crianças e famílias em repouso noturno.
Posição do MPF

O Ministério Público Federal, por outro lado, defendeu a legalidade da operação, afirmando que a Lei de Abuso de Autoridade resolveu a controvérsia ao definir os limites temporais, considerando lícito todo o período a partir das 5h, mesmo sem luz natural.
Voto vencido
O ministro Rogerio Schietti ficou vencido ao divergir da maioria. Ele sustentou que a Lei de Abuso de Autoridade apenas criminalizou o cumprimento do mandado em certos horários, mas não definiu o que é “dia”.
Para Schietti, uma diligência feita às 5h – ainda em plena noite – afronta a proteção reforçada do lar, uma garantia sensível do Estado de Direito.
Ele lembrou que incursões noturnas são reconhecidamente mais traumáticas, especialmente para mulheres, crianças e adolescentes, e que em grande parte do país o amanhecer acontece bem depois das 5h, sobretudo no inverno.
O ministro propôs que o critério adequado fosse adotado por analogia com o Código de Processo Civil, fixando o intervalo de cumprimento de mandados entre 6h e 20h. Ele advertiu que autorizar incursões às 5h representa um perigoso alargamento para operações ainda noturnas.
Schietti defendeu a nulidade da diligência em questão e propôs a modulação dos efeitos para que o novo marco (6h às 20h) valesse apenas para casos futuros.
Maioria formada
Por maioria, a 3ª seção negou provimento aos recursos, validando o cumprimento do mandado às 5h05 e adotando, como referência, o intervalo de 5h às 21h definido pela lei de abuso de autoridade.
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