Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e no artigo de hoje eu vim fazer uma análise jurídica deste fato que repercutiu bastante nos últimos dias: a exigência, por parte de Alexandre de Moraes, da comprovação da veracidade do convite supostamente recebido por Bolsonaro para comparecer na posse de Donald Trump e a consequente negativa de entrega do passaporte ao ex-presidente.
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Tudo se iniciou no dia 12 de janeiro, quando o ministro Alexandre de Moraes (STF), determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro comprovasse a autenticidade de um convite supostamente recebido para a posse do ex-presidente norte-americano Donald Trump.
Por não ter havido o atendimento da referida exigência, no dia 16 de janeiro, o referido Ministro negou a entrega do passaporte ao ex-presidente e, por consequência, impediu a sua saída do país para comparecer no referido evento.
A determinação foi enviada no bojo do Inquérito 4874, que apura atos antidemocráticos e outras condutas potencialmente ilícitas atribuídas ao ex-presidente e seus aliados.
A ordem tem por objetivo sanar a dúvida sobre a autenticidade do documento. Isso porque o recebimento ocorreu por meio de um e-mail não oficial e sem identificação. Diante disso, suspeita-se que tenha havido falsificação do convite para justificar ausências em eventos de natureza política no Brasil. Passemos à análise dos fatos.
Como, na ótica de Alexandre de Moraes, Bolsonaro não comprovou o convite, o pedido foi negado.
Contextualização dos fatos
No âmbito do referido inquérito policial que apura os atos antidemocráticos que desembocaram os ataques de 08/01/23, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve o seu passaporte apreendido. Assim, ele está proibido de se ausentar do país.
Ocorre que em pedido recentemente encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa do ex-presidente solicitou ao relator autorização para viagem compreendida entre os dias 17 e 22 de janeiro para comparecimento na posse de Trump que ocorrerá no dia 20 de janeiro do corrente ano. Porém, por não comprovar o alegado convite, o Ministro negou a devolução do passaporte.
Na decisão, Alexandre de Moraes ressaltou que:
“Em 13/1/2025, sem juntar qualquer novo documento comprovatório, a defesa reiterou sua manifestação anterior, reafirmando que o convite é ‘o próprio e-mail datado de 08/01/2025 e enviado por [email protected] ao Deputado Eduardo Bolsonaro – nos EUA’. […] Não houve, portanto, o cumprimento da decisão de 11/01/2025, pois não foi juntado aos autos nenhum documento probatório que demonstrasse a existência do convite realizado pelo presidente eleito dos EUA ao requerente JAIR MESSIAS BOLSONARO, conforme alegado pela defesa“.
Segundo constou na decisão – aquela que determinou a comprovação do convite – “há necessidade de complementação probatória, pois o pedido não veio devidamente instruído com os documentos necessários, uma vez que, a mensagem foi enviada para o e-mail do deputado Eduardo Bolsonaro por um endereço não identificado: ‘[email protected] e [email protected]’ e sem qualquer horário ou programação do evento a ser realizado”.
No plano jurídico, a eventual falsificação do convite poderá complicar ainda mais a situação do ex-presidente. Ele não só poderá ter negado o seu pedido de viagem, mas também poderá sofrer consequências criminais da suposta conduta.
Possíveis delitos
O Código Penal prevê sanções específicas para condutas que envolvam falsificação de documentos públicos ou particulares, bem como o uso de documentos falsos, conforme descrito a seguir.
Falsificação de documento público (art. 297 do Código Penal)
Uma primeira hipótese, caso não comprovada a autenticidade do e-mail, mas cujo convite provenha de uma autoridade pública, é a possível tipificação pela prática do crime de falsificação de documento público. Não há informações precisas sobre a origem do e-mail ou da autoridade competente para o envio do convite (em regra, convites para cerimônias de posse são originárias dos departamentos de cerimoniais dos órgãos/entidades públicas).
A falsificação de documento público, prevista no art. 297 do Código Penal, caracteriza-se pela criação, alteração ou modificação de um documento de forma que ele passe a apresentar informações inverídicas. O tipo penal exige dolo, ou seja, a intenção de produzir o documento falsificado com o objetivo de enganar terceiros ou de obter algum tipo de vantagem ilícita. A pena para esse crime é de reclusão de dois a seis anos, além de multa.
Se o convite para a posse de Donald Trump for considerado um documento público, em razão de sua emissão supostamente atribuída a uma autoridade oficial dos Estados Unidos, a conduta investigada poderá ser enquadrada nesse dispositivo. Nesse caso, caberia uma análise mais profunda sobre a natureza do documento e sua eventual certificação oficial por órgão público estrangeiro.
Vale destacar que eventual uso do referido documento falsificado acabará absorvido pelo falso, já que o uso se trata de mera consequência/exaurimento da falsificação.
Uso de documento falso (art. 304 do Código Penal)
Por outro lado, caso o investigado não tenha falsificado o documento diretamente, o simples uso de um documento falsificado poderá caracterizar o crime previsto no art. 304 do Código Penal. A pena aplicada é a mesma prevista para o crime de falsificação ou falsidade ideológica. No caso concreto, a apresentação do convite falsificado para justificar uma ausência relevante pode configurar o uso de documento falso.
Elementos essenciais para configuração do crime
Para imputar os crimes mencionados ao investigado, é necessário comprovar a materialidade. Ou seja, deve-se atestar que houve efetivamente a falsificação do documento em questão, e o dolo, que é a intenção de alterar a verdade dos fatos. Além disso, deve-se estabelecer claramente o nexo causal entre a conduta do investigado e a falsificação.
Vale ressaltar que, ainda que se trate de e-mail, pode-se caracterizar falsificação caso, consoante já mencionado nos itens anteriores, tenha havido a criação de um convite não verdadeiro. Isso porque também é possível caracterizar o documento virtual como documento para fins penais.
O exame pericial dos e-mails de origem, falsificação ou inserção de dados é essencial para a comprovação de eventual materialidade delitiva, caso não se comprove a origem lícita. Havendo comprovação da legitimidade do convite para a posse, é bem provável que se autorize a viagem e não haja repercussões nas investigações em andamento. Por outro lado, se o documento não for verdadeiro, o próximo passo será identificar a autoria da falsificação e as intenções subjacentes.
Consequências
Por se tratar de um ex-presidente da República, é no STF em que se conduzem as apurações relacionadas a Jair Bolsonaro. Isso ocorre em virtude do foro por prerrogativa de função relacionado aos atos cometidos durante o exercício do mandato. No entanto, considerando que a apresentação do convite ocorreu após o término de seu mandato, pode-se discutir a questão do foro.
Assim, é possível que haja o declínio de competência para instâncias inferiores.
Além das sanções criminais, uma eventual condenação por crime de falsidade documental pode acarretar consequências políticas para Bolsonaro. A depender do resultado da ação penal, ele poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010). Isso o tornaria inelegível por oito anos.
Tal desdobramento teria impactos significativos no cenário político brasileiro, especialmente considerando a influência de Bolsonaro sobre uma parcela expressiva do eleitorado.
Cooperação jurídica internacional e a relevância diplomática
Se o convite em questão for de fato atribuído a uma autoridade estrangeira, a apuração de sua autenticidade pode demandar cooperação internacional. O Brasil mantém acordos de cooperação jurídica com os Estados Unidos, que permitem a troca de informações e documentos no curso de investigações criminais.
A falsificação de um documento estrangeiro, além de a legislação brasileira punir, também pode acarretar sanções previstas na legislação do país emissor, ampliando a complexidade do caso.
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