Olá, pessoal. Aqui é o professor Allan Joos e no artigo de hoje eu vim fazer uma análise jurídica deste fato que repercutiu bastante nos últimos dias: a exigência, por parte de Alexandre de Moraes, da comprovação da veracidade do convite supostamente recebido por Bolsonaro para comparecer na posse de Donald Trump.
Consoante amplamente divulgado, no último dia 12 de janeiro, o ministro Alexandre de Moraes (STF), determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro comprove a autenticidade de um convite supostamente recebido para a posse do ex-presidente norte-americano Donald Trump.
A determinação foi enviada no bojo do Inquérito 4874, que apura atos antidemocráticos e outras condutas potencialmente ilícitas atribuídas ao ex-presidente e seus aliados.
A determinação tem por objetivo sanar a dúvida sobre a autenticidade do documento. Isso porque o recebimento ocorreu por meio de um e-mail não oficial e sem identificação. Diante disso, suspeita-se que tenha havido falsificação do convite para justificar ausências em eventos de natureza política no Brasil. Passemos à análise dos fatos.
Contextualização dos fatos
No âmbito do referido inquérito policial que apura os atos antidemocráticos que desembocaram os ataques de 08/01/23, o ex-presidente Jair Bolsonaro teve o seu passaporte apreendido. Assim, ele está proibido de se ausentar do país.
Ocorre que em pedido recentemente encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a defesa do ex-presidente solicitou ao relator autorização para viagem compreendida entre os dias 17 e 22 de janeiro para comparecimento na posse de Trump que ocorrerá no dia 20 de janeiro do corrente ano.
A principal suspeita é de que o documento tenha sido falsificado para criar um álibi que justificasse a ausência do ex-presidente do país, em especial porque não houve comprovação da origem do convite.
Segundo consta na decisão “há necessidade de complementação probatória, pois o pedido não veio devidamente instruído com os documentos necessários, uma vez que, a mensagem foi enviada para o e-mail do deputado Eduardo Bolsonaro por um endereço não identificado: ‘[email protected] e [email protected]”’e sem qualquer horário ou programação do evento a ser realizado”.
No plano jurídico, a eventual falsificação do convite poderá complicar ainda mais a situação do ex-presidente. Ele não só poderá ter negado o seu pedido de viagem, mas também poderá sofrer consequências criminais da suposta conduta.
Possíveis delitos
O Código Penal prevê sanções específicas para condutas que envolvam falsificação de documentos públicos ou particulares, bem como o uso de documentos falsos, conforme descrito a seguir.
Falsificação de documento público (art. 297 do Código Penal)
Uma primeira hipótese, caso não comprovada a autenticidade do e-mail, mas cujo convite provenha de uma autoridade pública, é a possível tipificação pela prática do crime de falsificação de documento público. Não há informações precisas sobre a origem do e-mail ou da autoridade competente para o envio do convite (em regra, convites para cerimônias de posse são originárias dos departamentos de cerimoniais dos órgãos/entidades públicas).
A falsificação de documento público, prevista no art. 297 do Código Penal, caracteriza-se pela criação, alteração ou modificação de um documento de forma que ele passe a apresentar informações inverídicas. O tipo penal exige dolo, ou seja, a intenção de produzir o documento falsificado com o objetivo de enganar terceiros ou de obter algum tipo de vantagem ilícita. A pena para esse crime é de reclusão de dois a seis anos, além de multa.
Se o convite para a posse de Donald Trump for considerado um documento público, em razão de sua emissão supostamente atribuída a uma autoridade oficial dos Estados Unidos, a conduta investigada poderá ser enquadrada nesse dispositivo. Nesse caso, caberia uma análise mais profunda sobre a natureza do documento e sua eventual certificação oficial por órgão público estrangeiro.
Vale destacar que eventual uso do referido documento falsificado acabará absorvido pelo falso, já que o uso se trata de mera consequência/exaurimento da falsificação.
Uso de documento falso (art. 304 do Código Penal)
Por outro lado, caso o investigado não tenha falsificado o documento diretamente, o simples uso de um documento falsificado poderá caracterizar o crime previsto no art. 304 do Código Penal. A pena aplicada é a mesma prevista para o crime de falsificação ou falsidade ideológica. No caso concreto, a apresentação do convite falsificado para justificar uma ausência relevante pode configurar o uso de documento falso.
Elementos essenciais para configuração do crime
Para imputar os crimes mencionados ao investigado, é necessário comprovar a materialidade. Ou seja, deve-se atestar que houve efetivamente a falsificação do documento em questão, e o dolo, que é a intenção de alterar a verdade dos fatos. Além disso, deve-se estabelecer claramente o nexo causal entre a conduta do investigado e a falsificação.
Vale ressaltar que, ainda que se trate de e-mail, pode-se caracterizar falsificação caso, consoante já mencionado nos itens anteriores, tenha havido a criação de um convite não verdadeiro. Isso porque também é possível caracterizar o documento virtual como documento para fins penais.
O exame pericial dos e-mails de origem, falsificação ou inserção de dados é essencial para a comprovação de eventual materialidade delitiva, caso não se comprove a origem lícita. Caso haja comprovação de que o convite para a posse é legítimo, é bem provável que se autorize a viagem e não haja repercussões nas investigações em andamento. Por outro lado, se o documento não for verdadeiro, o próximo passo será identificar a autoria da falsificação e as intenções subjacentes.
Consequências
Por se tratar de um ex-presidente da República, as apurações relacionadas a Jair Bolsonaro são conduzidas no STF. Isso ocorre em virtude do foro por prerrogativa de função relacionado aos atos cometidos durante o exercício do mandato. No entanto, considerando que a apresentação do convite ocorreu após o término de seu mandato, pode-se discutir a questão do foro.
Assim, é possível que haja o declínio de competência para instâncias inferiores.
Além das sanções criminais, uma eventual condenação por crime de falsidade documental pode acarretar consequências políticas para Bolsonaro. A depender do resultado da ação penal, ele poderá ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010). Isso o tornaria inelegível por oito anos.
Tal desdobramento teria impactos significativos no cenário político brasileiro, especialmente considerando a influência de Bolsonaro sobre uma parcela expressiva do eleitorado.
Cooperação jurídica internacional e a relevância diplomática
Se o convite em questão for de fato atribuído a uma autoridade estrangeira, a apuração de sua autenticidade pode demandar cooperação internacional. O Brasil mantém acordos de cooperação jurídica com os Estados Unidos, que permitem a troca de informações e documentos no curso de investigações criminais.
A falsificação de um documento estrangeiro, além de a legislação brasileira punir, também pode acarretar sanções previstas na legislação do país emissor, ampliando a complexidade do caso.
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