STF e os benefícios fiscais: quando o governador não pode conceder perdão de dívida tributária por decreto – Info 1180

STF e os benefícios fiscais: quando o governador não pode conceder perdão de dívida tributária por decreto – Info 1180

STF decide que governador não pode conceder perdão de dívida tributária por decreto.

benefícios fiscais

O Supremo Tribunal Federal consolidou mais um precedente fundamental sobre os limites do poder tributário estadual. 

Na ADI 5.699/AP, julgada por unanimidade em 30 de maio de 2025, o Plenário declarou inconstitucional lei amapaense que permitia ao governador conceder benefícios fiscais mediante simples decreto.

A decisão, relatada pelo Ministro Nunes Marques, reafirma princípios basilares do direito tributário brasileiro: a reserva legal, a separação de poderes e a responsabilidade fiscal. 

Mais do que isso, esclarece definitivamente que a autonomia federativa não autoriza estados a flexibilizar garantias fundamentais dos contribuintes.

O caso concreto que chegou ao STF – Perdão de dívida tributária

A controvérsia teve origem no artigo 151 da Lei amapaense nº 400/1997, que “dispõe sobre a consolidação e alterações, dando nova redação ao Código Tributário do Estado do Amapá”. 

Esse dispositivo, modificado posteriormente pela Lei estadual nº 493/1999, conferia ao Poder Executivo local prerrogativa extraordinária.

Veja, o texto legal era bastante amplo em sua redação atual: 

“O Poder Executivo através de Decreto que indicará a autoridade competente poderá autorizar a realização de compensação ou transação, conceder anistia, remissão, parcelamento de débitos fiscais, moratória e ampliação de prazo de recolhimento de tributos”.

Ora, essa sistemática significava que o governador poderia, mediante simples decreto – ato administrativo de sua exclusiva competência -, perdoar dívidas tributárias, parcelar débitos, conceder anistias e até mesmo autorizar transações com contribuintes. 

Tudo isso sem passar pelo crivo do Poder Legislativo.

O Procurador-Geral da República identificou nessa prática uma violação frontal aos artigos 150, I e § 6º, da Constituição Federal, que estabelecem o princípio da legalidade tributária e a reserva de lei específica para benefícios fiscais.

Fundamentos constitucionais da decisão

Para compreender a decisão do STF, é essencial entender que o direito tributário brasileiro se estrutura sobre pilares rígidos de proteção ao contribuinte. 

O artigo 150, I, da Constituição Federal estabelece que é vedado exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.

Esse é o famoso princípio da legalidade tributária.

Isto porque, como explicou o Ministro Nunes Marques,

“essas reservas legais existem não apenas em proteção ao contribuinte, a exemplo das limitações ao poder estatal de tributar, mas também como mecanismos garantidores do equilíbrio das contas públicas, imprescindível para o controle inflacionário e o desenvolvimento econômico sustentável”.

Ademais, o parágrafo sexto do mesmo artigo 150 complementa essa proteção ao dispor que

“qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica”.

Perceba a precisão constitucional: não basta lei genérica, é necessária lei específica para cada benefício fiscal. Essa exigência visa evitar que benefícios tributários sejam “escondidos” em leis de outros assuntos, garantindo transparência e debate parlamentar adequado.

Precedentes consolidados do supremo

A questão não era inédita no STF. 

Como registrou o relator, “a questão jurídica que se apresenta já foi enfrentada por esta Suprema Corte, não revelando maiores dificuldades”. 

O leading case foi a ADI 1.247 MC, relatada pelo Ministro Celso de Mello, cujo precedente se tornou paradigmático.

Naquele julgamento de 1995, o Plenário consignou por unanimidade que

“a outorga de qualquer subsídio, isenção ou crédito presumido, a redução da base de cálculo e a concessão de anistia ou remissão em matéria tributária só podem ser deferidas mediante lei específica, sendo vedado ao Poder Legislativo conferir ao Chefe do Executivo a prerrogativa extraordinária de dispor, normativamente, sobre tais categorias temáticas”.

Posteriormente, no RE 586.560 AgR, relatado pelo Ministro Luiz Fux em 2012, a Primeira Turma reiterou essa impossibilidade. O caso envolvia decreto do Rio Grande do Norte que concedia remissão de débitos de ICMS sem previsão legal específica – situação muito similar à do Amapá.

Destarte, a jurisprudência do Supremo vinha se consolidando no sentido de que nem mesmo lei estadual pode delegar ao governador poderes para conceder benefícios fiscais por ato administrativo próprio.

O reforço da lei de responsabilidade fiscal

O Ministro Nunes Marques trouxe elemento adicional à fundamentação: a superveniência da Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). 

Como observou, “ainda que a lei impugnada não houvesse desrespeitado os princípios da reserva e da exclusividade legal, viria ela a perder a eficácia com a superveniência da LRF”.

O artigo 14 da LRF estabelece requisitos rigorosos para concessão de benefícios fiscais. Exige-se estimativa do impacto orçamentário-financeiro, atendimento às diretrizes orçamentárias e uma das seguintes condições: demonstração de que a renúncia foi considerada na lei orçamentária ou medidas compensatórias através de aumento de receita.

Perceba como a LRF reforça a exigência de “legislação específica” para benefícios fiscais, alinhando-se perfeitamente com o comando constitucional. Esse diploma legal transformou a concessão de benefícios fiscais em processo complexo, que demanda planejamento orçamentário e transparência.

Como destacou o relator, a LRF impôs “normas nacionais vocacionadas ao atingimento do equilíbrio fiscal”, limitando ainda mais a possibilidade de que entes federados concedam benefícios fiscais de forma discricionária.

A modulação dos efeitosPerdão de dívida tributária

Veja, uma peculiaridade interessante da decisão foi a modulação de efeitos determinada por unanimidade. O STF reconheceu que “a norma impugnada, vigente há mais de 27 anos, tenha ensejado a concessão de benefícios fiscais mediante decreto autônomo do chefe do Poder Executivo”.

Essa realidade temporal exigiu cuidado especial. Como ponderou o Ministro Nunes Marques,

“em homenagem à segurança jurídica, devem ser preservadas as aludidas concessões até a publicação da ata deste julgamento, mas desde que inexistam outras causas de nulidade ainda não convalidadas pelo transcurso do prazo prescricional”.

Ora, essa modulação revela a sofisticação do raciocínio jurídico do Supremo. Reconhece-se a inconstitucionalidade da norma, mas preservam-se os atos já praticados com base nela, equilibrando supremacia constitucional com segurança jurídica.

Especificamente, ficaram preservadas “as compensações, transações, anistias, remissões, parcelamentos, moratórias e ampliação de prazos de recolhimento de tributos” concedidos até a publicação da ata de julgamento.

Impactos – Perdão de dívida tributária

Na prática, todos os entes federados ficam alertados de que não podem criar mecanismos que permitam ao chefe do Executivo conceder benefícios fiscais por ato administrativo próprio.

Assim:

“É inconstitucional — por violar os princípios da reserva legal e da exclusividade das leis tributárias (CF/1988, art. 150, I e § 6º) — norma estadual que permite ao governador autorizar, mediante decreto, a realização de compensação ou transação, conceder anistia, remissão, parcelamento de débitos fiscais, moratória e ampliação de prazo de recolhimento de tributos”.

Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!

Concursos 2025   

0 Shares:
Você pode gostar também