Dono do Banco Master é preso por fraudes: instituição financeira pode falir?
Foto: Maria Isabel Oliveira / Agência O Globo

Dono do Banco Master é preso por fraudes: instituição financeira pode falir?

Prof. Gustavo Cordeiro

Introdução

A prisão de Daniel Vorcaro, dono do Banco Master, e a decretação da liquidação extrajudicial da instituição pelo Banco Central nesta terça-feira (18 de novembro de 2025) colocam em evidência um tema recorrente em concursos das carreiras jurídicas: como funciona o encerramento de um banco em crise?

A resposta exige compreender que instituições financeiras não seguem o mesmo caminho das empresas comuns quando enfrentam dificuldades. Enquanto uma indústria ou comércio em situação de insolvência pode requerer recuperação judicial ou ter sua falência decretada nos termos da Lei nº 11.101/2005, os bancos estão expressamente excluídos desse regime. Para eles, existe um procedimento próprio, conduzido pelo Banco Central: a liquidação extrajudicial.

Este artigo explica, de forma didática e com foco na preparação para concursos, como funciona esse procedimento especial, quais são suas etapas, quem são os responsáveis pela condução do processo, como ficam os credores e depositantes, e por que a Lei de Falências não se aplica às instituições financeiras.

Por que bancos não podem falir pelo procedimento comum?

A primeira pergunta que o candidato deve saber responder é: por que a Lei nº 11.101/2005 não se aplica às instituições financeiras?

O artigo 2º, inciso II, da Lei de Recuperação Judicial e Falências é categórico ao excluir de sua incidência as instituições financeiras públicas ou privadas, cooperativas de crédito, consórcios, entidades de previdência complementar, sociedades seguradoras, operadoras de planos de saúde e sociedades de capitalização.

Essa exclusão tem fundamento na natureza especial dessas entidades. Bancos captam recursos diretamente do público, seja por meio de depósitos em conta corrente, poupança ou aplicações financeiras. Quando uma empresa comum entra em crise, os prejudicados são seus fornecedores, empregados e eventuais credores. Quando um banco entra em crise, milhares de depositantes podem perder suas economias, e o efeito pode se espalhar para outras instituições, gerando o chamado risco sistêmico.

Por isso, o legislador optou por criar um regime especial, no qual o Banco Central assume o controle do processo. A ideia é garantir uma saída ordenada da instituição do Sistema Financeiro Nacional, evitando corrida bancária (quando todos os depositantes tentam sacar ao mesmo tempo), protegendo a poupança popular e preservando a estabilidade do sistema.

Isso não significa que um banco jamais possa ter sua falência decretada. A Lei nº 6.024/74 prevê que a liquidação extrajudicial pode converter-se em falência em situações específicas, como veremos adiante. Mas o caminho inicial é sempre o regime especial conduzido pelo Banco Central.

O que é a liquidação extrajudicial e quando ela é decretada?

A liquidação extrajudicial é o procedimento pelo qual o Banco Central encerra as atividades de uma instituição financeira e promove sua retirada organizada do Sistema Financeiro Nacional. Em termos simples, é o equivalente funcional da falência, mas conduzido administrativamente pelo Banco Central, e não judicialmente.

O artigo 15 da Lei nº 6.024/74 estabelece as hipóteses em que a liquidação pode ser decretada. Ela ocorre de ofício pelo Banco Central quando há ocorrências que comprometam a situação econômica ou financeira da instituição, especialmente quando ela deixa de honrar seus compromissos com pontualidade. Também é possível decretá-la quando a administração viola gravemente as normas legais e estatutárias, quando há prejuízos que coloquem em risco anormal os credores, ou quando a instituição tem sua autorização cassada e não inicia a liquidação ordinária no prazo legal.

No caso do Banco Master, decretou-se a liquidação em razão de indícios graves de insolvência e descumprimento da regulamentação. Segundo informações divulgadas, a insolvência financeira foi o fator determinante, mas as possíveis fraudes na compra de ativos também pesaram na decisão.

Como funciona o procedimento: passo a passo

Uma vez decretada a liquidação extrajudicial, o procedimento segue etapas bem definidas. Então, compreender essa sequência é fundamental para provas de concurso.

Primeiro passo: nomeação do liquidante e interrupção das atividades

O Banco Central nomeia um liquidante, que assume amplos poderes de administração e liquidação da instituição. Conforme o artigo 16 da Lei nº 6.024/74, o liquidante pode verificar e classificar créditos, nomear e demitir funcionários, outorgar e cassar mandatos, propor ações e representar a massa em juízo ou fora dele.

No momento em que se decreta a liquidação, o banco deixa imediatamente de operar. Todas as atividades são suspensas. Os depósitos ficam temporariamente bloqueados para saques.

Segundo passo: levantamento de ativos e passivos

Em seguida, o liquidante deve identificar todos os bens da instituição, como imóveis, recursos em caixa, carteiras de crédito e participações societárias. Paralelamente, deve mapear todas as dívidas, incluindo obrigações trabalhistas, tributos devidos, débitos com outras instituições e valores devidos aos depositantes.

O artigo 9º da lei determina que o liquidante arrecade todos os livros e documentos da entidade e levante o balanço geral e o inventário de todos os bens, ainda que em poder de terceiros.

Terceiro passo: apresentação de relatório ao Banco Central

Em até sessenta dias, prorrogáveis se necessário, o liquidante deve apresentar ao Banco Central um relatório contendo o exame da escrituração, a análise da situação econômico-financeira, a indicação de eventuais atos danosos praticados pelos administradores e a proposta de providências. Com base nesse relatório, o Banco Central decide se a liquidação prossegue, se é convertida em falência ou se pode ser encerrada.

Quarto passo: habilitação e classificação dos créditos

Determinado o prosseguimento da liquidação, o liquidante publica aviso convocando os credores a declararem seus créditos. Os credores por depósitos e por letras de câmbio de aceite da instituição são dispensados dessa formalidade. O liquidante analisa cada declaração, verifica sua legitimidade e valor, e decide sobre a classificação do crédito.

Os credores são notificados da decisão e podem recorrer ao Banco Central. Após o julgamento de todos os recursos e impugnações, o liquidante organiza o quadro geral de credores, que passa a ser considerado definitivo.

Quinto passo: realização do ativo e pagamento dos credores

O liquidante procede à venda dos bens da instituição para obter recursos destinados ao pagamento dos credores. A ordem de pagamento segue a classificação legal, com prioridade para créditos trabalhistas e tributários.

Se houver capital suficiente para pagar todos os credores, isso será feito durante a liquidação. Na prática, porém, é comum que o ativo seja insuficiente para cobrir todo o passivo.

Os efeitos imediatos da liquidação extrajudicial

O artigo 18 da Lei nº 6.024/74 enumera os efeitos que a decretação da liquidação produz de imediato. Conhecer esses efeitos é essencial para provas objetivas.

O primeiro efeito é a suspensão das ações e execuções em curso contra a instituição e a impossibilidade de propositura de novas demandas enquanto durar a liquidação. Isso garante o tratamento igualitário dos credores e evita que alguns obtenham vantagens em detrimento dos demais.

O segundo efeito é o vencimento antecipado de todas as obrigações da liquidanda. Contratos que ainda tinham prazo para vencer passam a ser considerados vencidos, integrando-se ao passivo.

Outros efeitos relevantes incluem a não fluência de juros contra a massa enquanto não for integralmente pago o passivo, a interrupção da prescrição relativa às obrigações da instituição e a inexigibilidade de correção monetária ou de penas pecuniárias.

A proteção do FGC aos depositantes

Uma preocupação natural dos depositantes é saber o que acontece com o dinheiro que está no banco. Aqui entra a atuação do FGC (Fundo Garantidor de Créditos).

Banco

O FGC é uma entidade privada, sem fins lucrativos, mantida pelas próprias instituições financeiras, que tem como finalidade proteger depositantes e investidores em caso de intervenção ou liquidação extrajudicial. A garantia cobre até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição financeira.

Estão cobertos pela garantia os depósitos em conta corrente e poupança, os CDBs e RDBs, as Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), entre outros. A indenização considera o valor aplicado somado aos rendimentos acumulados até a data da liquidação, respeitado o teto de R$ 250 mil.

Se o valor devido ao depositante ou investidor ultrapassar esse limite, o excedente deve ser habilitado no processo de liquidação e será pago conforme a disponibilidade de recursos e a ordem de preferência legal.

A indisponibilidade dos bens dos administradores

Um aspecto de grande relevância para concursos é a responsabilização dos administradores da instituição liquidada. A Lei nº 6.024/74 prevê mecanismos rigorosos de constrição patrimonial.

O artigo 36 estabelece que os administradores ficarão com todos os seus bens indisponíveis, não podendo aliená-los ou onerá-los até a apuração e liquidação final de suas responsabilidades. Essa indisponibilidade é automática, decorrente do próprio ato que decreta a liquidação, e atinge todos aqueles que estiveram no exercício das funções nos doze meses anteriores.

Os administradores respondem solidariamente pelas obrigações assumidas pela instituição durante sua gestão, até o limite dos prejuízos causados. O Banco Central instaura inquérito para apurar as causas da crise e a responsabilidade dos gestores. Se concluído pela existência de prejuízos, o inquérito é remetido ao Ministério Público para que requeira o sequestro dos bens dos ex-administradores.

Além da responsabilidade civil, os administradores podem responder criminalmente por delitos como gestão fraudulenta e gestão temerária, previstos na Lei nº 7.492/86 (crimes contra o Sistema Financeiro Nacional).

A conversão em falência

Embora as instituições financeiras estejam excluídas da Lei nº 11.101/2005, isso não significa que jamais possam ter sua falência decretada. Inclusive, a própria Lei nº 6.024/74 prevê hipóteses de conversão da liquidação extrajudicial em falência.

O artigo 21, alínea “b”, autoriza o Banco Central a determinar que o liquidante requeira a falência quando o ativo da instituição não for suficiente para cobrir pelo menos a metade do valor dos créditos quirografários, ou quando houver fundados indícios de crimes falimentares.

Nesse caso, o processo passa a tramitar perante o Poder Judiciário, aplicando-se subsidiariamente as disposições da legislação falimentar. A diferença fundamental é que o caminho inicial obrigatoriamente passa pelo regime especial do Banco Central.

Conexão com concursos públicos

O tema da liquidação extrajudicial de instituições financeiras é cobrado com frequência em provas de Direito Empresarial e Direito Bancário. O candidato deve dominar a distinção entre o regime comum da Lei nº 11.101/2005 e o regime especial da Lei nº 6.024/74, os efeitos da liquidação, o papel do liquidante, a proteção do FGC e a responsabilização dos administradores.

Questão simulada (estilo FCC)

A respeito da liquidação extrajudicial de instituições financeiras, é correto afirmar:

A) As instituições financeiras submetem-se ao regime comum de recuperação judicial e falência previsto na Lei nº 11.101/2005, cabendo ao juiz decretar a liquidação.

B) A liquidação extrajudicial é decretada pelo Banco Central e produz como efeito imediato o vencimento antecipado de todas as obrigações da liquidanda.

C) A indisponibilidade dos bens dos administradores depende de decisão judicial específica, não decorrendo automaticamente do ato de liquidação.

D) O FGC garante a devolução integral de todos os valores depositados, sem limite de valor por depositante.

E) Uma vez decretada a liquidação extrajudicial, fica vedada a conversão do procedimento em falência.

Gabarito: B

Explicação

A alternativa B está correta porque reproduz o efeito previsto no artigo 18, alínea "b", da Lei nº 6.024/74: a decretação da liquidação extrajudicial produz o vencimento antecipado das obrigações da liquidanda.
A alternativa A está incorreta porque o artigo 2º, inciso II, da Lei nº 11.101/2005 exclui expressamente as instituições financeiras de sua incidência, submetendo-as ao regime especial da Lei nº 6.024/74.
A alternativa C está incorreta porque o artigo 36 da Lei nº 6.024/74 estabelece que a indisponibilidade decorre automaticamente do ato que decreta a liquidação, atingindo os administradores dos últimos doze meses.
A alternativa D está incorreta porque o FGC garante até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição, e não valores integrais sem limite.
A alternativa E está incorreta porque o artigo 21 da Lei nº 6.024/74 autoriza a conversão em falência quando o ativo for insuficiente para cobrir metade dos créditos quirografários ou quando houver indícios de crimes falimentares.

Fechamento estratégico

O caso do Banco Master ilustra a aplicação prática do regime especial de liquidação extrajudicial previsto na Lei nº 6.024/74. Para concursos públicos, o candidato deve fixar os seguintes pontos:

Instituições financeiras não se submetem à Lei nº 11.101/2005. Estão expressamente excluídas do regime comum de recuperação judicial e falência porque captam recursos do público e sua crise pode gerar risco sistêmico.

A liquidação extrajudicial é o procedimento pelo qual o Banco Central encerra as atividades de uma instituição financeira e promove sua retirada organizada do Sistema Financeiro Nacional. Decreta-se em casos de insolvência irrecuperável ou graves infrações às normas regulatórias.

O liquidante nomeado pelo Banco Central assume a administração da instituição, levanta ativos e passivos, habilita e classifica os créditos, realiza o ativo e paga os credores na ordem legal.

Os efeitos são imediatos: suspensão de ações, vencimento antecipado das obrigações e indisponibilidade automática dos bens dos administradores dos últimos doze meses.

O FGC protege depositantes e investidores até R$ 250 mil por CPF ou CNPJ, por instituição.

Por fim, é possível converter a liquidação em falência quando o ativo for insuficiente para cobrir metade dos créditos quirografários ou houver indícios de crimes falimentares.


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