Uma página.
Em síntese, foi só isso que a defensora dativa conseguiu escrever para tentar livrar seu cliente de uma condenação a 25 anos de prisão por estupro de vulnerável.
O resultado?
Ora, o Superior Tribunal de Justiça anulou todo o processo criminal na semana passada, considerando que houve “verdadeira ausência de defesa” no caso que tramitou em São Paulo.
E assim eis a notícia:

Vamos entender um pouco melhor isso, e como isso cai em provas.
De início, a história começou no final de 2021, quando D.G.B. foi acusado de praticar atos libidinosos contra uma menina de 12 anos em duas ocasiões – 24 de dezembro de 2021 e 21 de fevereiro de 2022.
Nessa linha, condenado pelo Tribunal de Justiça paulista, ele teve seu recurso de apelação rejeitado por intempestividade.
Ou seja, a mesma defensora dativa que fez alegações “mínimas” também perdeu o prazo para recorrer.
Entretanto, foi analisando o conteúdo dessas alegações finais que o ministro Reynaldo Soares da Fonseca descobriu algo ainda mais grave.
Isto porque, a peça de três páginas, protocolizada em setembro de 2024 e arquivada nas folhas 170-172 dos autos digitais, praticamente não defendia o réu.
Perceba, a única coisa que a advogada conseguiu argumentar foi que “as testemunhas de acusação não se recordam do caso” e que “o depoimento da vítima não convence porque se mostra muito confuso”.
Ministério Público também reconheceu o problema
Logo, quando o caso chegou ao STJ através do recurso em habeas corpus número 223.023, até o Ministério Público Federal admitiu que algo estava errado.
Isto porque, nas páginas 376 a 379 dos autos, o órgão ministerial se manifestou pelo provimento do recurso – ou seja, concordou que o processo deveria mesmo ser anulado.
Veja, essa posição do MP não é comum.
Nessa linha, geralmente, o órgão acusador defende a manutenção das condenações, especialmente em crimes graves como estupro de vulnerável.
Porém, diante do que estava documentado nos autos, não tinha como negar: a defesa técnica havia sido inexistente.
A situação ficou ainda mais constrangedora quando se descobriu que os novos advogados conseguiram demonstrar todas as falhas da defesa anterior em poucos parágrafos do recurso.
Assim, eles mostraram que a defensora não enfrentou nenhuma tese jurídica, não tentou desconstituir os fatos da denúncia e ainda por cima deixou prescrever o prazo recursal.
A diferença entre defesa ruim e ausência de defesa
No STJ, o ministro Fonseca foi didático ao explicar a diferença crucial no direito processual penal.
Isto porque, existe a defesa técnica insuficiente – quando o advogado até tenta defender, mas faz um trabalho ruim – e existe a ausência completa de defesa.
No primeiro caso, você precisa provar que houve prejuízo específico.
No segundo, a nulidade é automática.
“Com a devida vênia, constata-se que não houve a apresentação de alegações finais em benefício do recorrente”, escreveu o ministro na decisão.
Ele foi além: “o prejuízo é manifesto, uma vez que, sem manifestação defensiva substancialmente válida, as últimas alegações antes da sentença foram proferidas pelo Ministério Público, no sentido da condenação do réu”.
Em resumo, isso quebrou o que os processualistas chamam de “paridade de armas” – o equilíbrio que deve existir entre acusação e defesa durante todo o processo.
Ademais, dita o CPP:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
Precedentes do STJ
Na verdade, o STJ não estava inventando algo novo.
Isto porque, a Corte citou o HC 107.317/ES, julgado em 2008, que já havia estabelecido: “as alegações finais consubstanciam-se em termo essencial do processo penal, razão pela qual, a sua ausência implica em vício insanável”.
Além disso, tem também o REsp 1512879/MA, de 2016, que definiu claramente: “a ausência de alegações finais defensivas leva à nulidade do processo desde a fase em que deveriam ter sido oferecidas”.
Por outro lado, um caso parecido que chamou atenção foi o RHC 143.571/GO, onde a defesa apresentou alegações finais sobre um caso completamente diferente.
Ora, a defensora escreveu sobre “abuso sexual contra criança do sexo feminino no interior de residência”, quando o processo tratava de “atos libidinosos contra adolescente em via pública”.
Resultado: nulidade também.
O que acontece agora?
Em resumo, a decisão do STJ anula o processo desde as alegações finais, dando uma nova chance para que a defesa se manifeste adequadamente.
O réu continua preso – afinal, não foi concedida liberdade provisória – mas pelo menos agora terá direito a uma defesa de verdade.
O tribunal determinou comunicação urgente ao TJ-SP e ao juiz de primeiro grau.
Assim, cuidado, mesmo nos crimes mais graves, mesmo quando a sociedade clama por punição, o Estado brasileiro não pode abrir mão das garantias processuais básicas.
A legitimidade de qualquer condenação depende disso. Como disse o próprio ministro, aplicando uma velha máxima do direito francês: “pas de nullité sans grief” – não há nulidade sem prejuízo.
Mas quando o prejuízo é óbvio como neste caso, a nulidade vira consequência inevitável.
Como o tema já caiu em provas
FGV - 2024 - Câmara dos Deputados - Analista Legislativo/Consultoria - Consultor Legislativo - Área XXII (Reaplicação) III. O princípio pas de nullité sans grief consiste no mandamento de que não há nulidade que favoreça a quem lhe deu causa, pois ninguém pode ser beneficiado por sua própria torpeza ou ineficiência. (Certo)
TJ-SC - 2009 - TJ-SC – Juiz As alegações finais são peças obrigatórias e sua falta causa nulidade por ausência de defesa. (Certo)
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