Audiência de conciliação quando parte manifesta desinteresse

Audiência de conciliação quando parte manifesta desinteresse

audiência de conciliação

De início, vale frisar que o recente julgamento iniciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) traz à tona uma importante discussão sobre a obrigatoriedade das audiências de conciliação no processo civil brasileiro. 

Vamos compreender essa questão de forma aprofundada, bem como te preparar lato sensu, sobre esse assunto que já cai MUITO em provas.

Contextualizando a controvérsia – Justiça Multiporta

A conciliação, mediação e arbitragem eram tradicionalmente chamadas de métodos alternativos de solução dos conflitos. Com o advento do CPC/2015, contudo, a doutrina afirma que elas não devem mais ser consideradas uma “alternativa”, como se fosse acessório a algo principal (ou oficial). 

Segundo a concepção atual, a conciliação, a mediação e a arbitragem integram, em conjunto com a jurisdição, um novo modelo que é chamado de “Justiça Multiportas”.

A ideia geral da Justiça Multiportas é, portanto, a de que a atividade jurisdicional estatal não é a única nem a principal opção das partes para colocarem fim ao litígio, existindo outras possibilidades de pacificação social. Assim, para cada tipo de litígio existe uma forma mais adequada de solução. A jurisdição estatal é apenas mais uma dessas opções.

Como o CPC/2015 prevê expressamente a possibilidade da arbitragem (art. 3, §1º) e a obrigatoriedade, como regra geral, de ser designada audiência de mediação ou conciliação (art. 334, caput), vários doutrinadores afirmam que o novo Código teria adotado o modelo ou sistema multiportas de solução de litígios (multi-door system).

Vejamos como Leonardo Cunha, com seu costumeiro brilhantismo, explica o tema:

“Costumam-se chamar de ‘meios alternativos de resolução de conflitos’ a mediação, a conciliação e a arbitragem (Alternative Dispute Resolution – ADR).

Estudos mais recentes demonstram que tais meios não seriam ‘alternativos’: mas sim integrados, formando um modelo de sistema de justiça multiportas. Para cada tipo de controvérsia, seria adequada uma forma de solução, de modo que há casos em que a melhor solução há de ser obtida pela mediação, enquanto outros, pela conciliação, outros, pela arbitragem e, finalmente, os que se resolveriam pela decisão do juiz estatal.

Há casos, então, em que o meio alternativo é que seria o da justiça estatal. A expressão multiportas decorre de uma metáfora: seria como se houvesse, no átrio do fórum, várias portas; a depender do problema apresentado, as partes seriam encaminhadas para a porta da mediação, ou da conciliação, ou da arbitragem, ou da própria justiça estatal.

O direito brasileiro, a partir da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e com o Código de Processo Civil de 2015, caminha para a construção de um processo civil e sistema de justiça multiportas, com cada caso sendo indicado para o método ou técnica mais adequada para a solução do conflito. O Judiciário deixa de ser um lugar de julgamento apenas para ser um local de resolução de disputas. Trata-se de uma importante mudança paradigmática. Não basta que o caso seja julgado; é preciso que seja conferida uma solução adequada que faça com que as partes saiam satisfeitas com o resultado.”

(CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 637).

Marco Aurélio Peixoto e Renata Peixoto, citando a lição de Rafael Alves de Almeida, Tânia Almeida e Mariana Hernandez Crespo apontam as vantagens do sistema multiportas:

  • o cidadão assumiria o protagonismo da solução de seu problema, com maior comprometimento e responsabilização acerca dos resultados;
  • estímulo à autocomposição;
  • maior eficiência do Poder Judiciário, porquanto caberia à solução jurisdicional apenas os casos mais complexos, quando inviável a solução por outros meios ou quando as partes assim o desejassem;
  • transparência, ante o conhecimento prévio pelas partes acerca dos procedimentos disponíveis para a solução do conflito.

(PEIXOTO, Marco Aurélio Ventura; PEIXOTO, Renata Cortez Vieira. Fazenda Pública e Execução. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 118).

A origem dessa expressão “Justiça Multiportas” remonta aos estudos do Professor Frank Sander, da Faculdade de Direito de Harvard, que mencionava, já em 1976, a necessidade de existir um Tribunal Multiportas, ou “centro abrangente de justiça”. 

Nessa linha, o Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015) trouxe uma importante inovação ao estabelecer a audiência de conciliação como uma etapa praticamente obrigatória do processo. 

Entretanto, a pergunta central que se coloca e chegou no STJ é a seguinte: essa audiência deve ocorrer mesmo quando apenas uma das partes manifesta desinteresse?

Perceba, esta é uma questão crucial que afeta diretamente o dia a dia dos tribunais brasileiros e a eficiência da prestação jurisdicional.

O que diz o CPC?

De início, para entendermos a controvérsia, precisamos analisar o texto legal. O artigo 334 do CPC estabelece:

"Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência."

Ademais, o parágrafo 4º do mesmo artigo traz as exceções:

§ 4º A audiência não será realizada:

I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;

II - quando não se admitir a autocomposição."

Ora, interpretando literalmente o inciso I, a audiência só poderia ser dispensada quando AMBAS as partes manifestam desinteresse. 

Ou seja, se apenas uma manifesta desinteresse e a outra quer tentar o acordo, a audiência seria obrigatória.

Duas correntes interpretativas

Assim, existem duas formas principais de interpretar esse dispositivo:

Interpretação literal: A audiência só pode ser dispensada quando ambas as partes não têm interesse. Esta interpretação prioriza o estímulo à resolução consensual de conflitos, um dos pilares do CPC/2015.

Interpretação sistemática e teleológica: O juiz pode dispensar a audiência mesmo quando apenas uma parte manifesta desinteresse, se as circunstâncias indicarem baixa probabilidade de acordo ou risco à duração razoável do processo.

    Caso concreto

    No caso analisado pelo STJ, o juiz de primeira instância dispensou a audiência de conciliação em uma ação entre compradores e uma construtora, considerando que, i) já haviam ocorrido tentativas frustradas de acordo extrajudicial; ii) a agenda para audiências estava lotada, o que atrasaria significativamente o processo

    Entretanto, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, porém, anulou essa decisão, entendendo que a audiência seria obrigatória quando pelo menos uma das partes manifestasse interesse.

    A posição da relatora no STJ

    A ministra Maria Isabel Gallotti, relatora do caso no STJ, propôs uma interpretação mais flexível da regra:

    "1) Se as circunstâncias do caso indicarem ser improvável o consenso ou que o ato colocaria em risco a dar duração razoável do processo, a audiência de conciliação ou mediação do art. 334 da CPC pode ser dispensada com a devida fundamentação.
    
    2) Diante da inexistência de prejuízo, a ausência de designação de audiência não gera nulidade, podendo o tribunal de segundo grau, se for o caso, determinar a sua realização no juízo de origem ou no próprio tribunal nos termos do art. 938 parágrafo 1º do CPC."
    

    Em outras palavras, podemos assim traduzir:

    1. O juiz, conhecedor das particularidades do caso, deve ter a prerrogativa de avaliar se a audiência é o meio mais eficiente para resolver o conflito.
    2. A audiência pode ser dispensada quando:
      – As circunstâncias indicarem ser improvável o consenso
      – A realização do ato colocaria em risco a duração razoável do processo
    3. A dispensa deve ser devidamente fundamentada pelo magistrado.
    4. A ausência de audiência não gera automaticamente nulidade processual, especialmente se não houver prejuízo demonstrado

    No caso concreto, a ministra Relatora entendeu que o juízo de origem justificou adequadamente a dispensa da audiência, diante das tentativas frustradas de composição e da demora que o agendamento acarretaria.

    Assim, votou por negar provimento ao recurso especial.

    O julgamento do STJ, ainda não finalizado devido ao pedido de vista da ministra Nancy Andrighi, mas sinaliza uma tendência de interpretação mais equilibrada do art. 334 do CPC. 

    Isso com certeza cairá em provas!

    Outros entendimentos relevantes sobre a audiência de conciliação:

    Caso hipotético: João acumulou dívidas com diversas instituições financeiras, enquadrando-se no conceito de superendividado do art. 54-A, § 1º, do CDC. Ele buscou a repactuação judicial dessas dívidas com base na Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), propondo um plano de pagamento que preservava o mínimo existencial. O Banco do Brasil, um de seus credores, não compareceu à audiência de conciliação da fase pré-processual. Diante disso, o juiz aplicou contra a instituição financeira as sanções previstas no § 2º do art. 104-A do CDC.

    O Banco recorreu argumentando que tais sanções só poderiam ser aplicadas na fase judicial e que não haveria dever legal de conciliação devido ao princípio da autonomia privada.

    No entanto, o STJ manteve as sanções, decidindo que elas podem ser aplicadas já na fase pré-processual, pois o comparecimento à audiência de conciliação constitui um dever anexo do contrato, fundamentado no princípio da boa-fé objetiva.

    STJ. 3ª Turma.REsp 2.168.199-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 3/12/2024 (Info 836).

    Não cabe a aplicação de multa pelo não comparecimento pessoal à audiência de conciliação, por ato atentatório à dignidade da Justiça, quando a parte estiver representada por advogado com poderes específicos para transigir.

    Isso está expressamente previsto no § 10 do art. 334 do CPC/2015:

    Art. 334 (...) § 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir.

    STJ. 4ª Turma. AgInt no RMS 56422-MS, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 08/06/2021 (Info 700).

    A nova legislação processual civil instrumentaliza a denominada Justiça Multiportas, incentivando a solução consensual dos conflitos, especialmente por meio das modalidades de conciliação e mediação.

    O art. 334 do CPC estabelece a obrigatoriedade da realização de audiência de conciliação ou de mediação após a citação do réu.

    Não comparecendo o INSS à audiência de conciliação, inevitável a aplicação da multa prevista no art. 334, § 8º do CPC/2015, que estabelece que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será sancionado com multa de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. Qualquer interpretação que relativize esse dispositivo será um retrocesso na evolução do Direito pela via jurisdicional é um desserviço à Justiça.

    STJ. 1ª Turma. REsp 1769949-SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 08/09/2020 (Info 680).

    Como o tema já caiu em provas:

    FGV – 2023 – PGM – Niteroi – Procurador do Município

    Ajuizada em face da Fazenda Pública demanda envolvendo direito que admite autocomposição, e não sendo o caso de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido, o juiz da causa determinou a citação da pessoa jurídica de direito público e designou audiência de conciliação, por entender que era possível a resolução do conflito por autocomposição. Nesse quadro, é correto afirmar que o juiz da causa atuou:

    a) equivocadamente, uma vez que deveria ter determinado a citação do réu para apresentar resposta;

    b) equivocadamente, uma vez que a Fazenda Pública deveria ter sido citada para informar se desejava ou não participar da audiência;

    c) corretamente, uma vez que a audiência de conciliação deve ser designada independentemente de se admitir ou não autocomposição;

    d) corretamente, uma vez que, em relação à Fazenda Pública, é obrigatória a designação da audiência de conciliação;

    e) corretamente, uma vez que a Fazenda Pública pode resolver o conflito por autocomposição.

    Gabarito: Letra E

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