CNJ assegura acessibilidade para pessoas com deficiência e autistas em concursos do Judiciário, garantindo inclusão e igualdade de oportunidades.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do CNJ
O Conselho Nacional de Justiça acaba de aprovar um ato normativo que assegura às pessoas com deficiência e com transtorno do espectro autista o direito a condições adaptadas para fazer provas em concursos públicos e processos seletivos promovidos pelo Poder Judiciário.
A medida abarca principalmente etapas orais dos concursos, garantindo plena acessibilidade, adaptações e o uso de tecnologias assistivas.
A resolução, de relatoria do conselheiro Guilherme Feliciano, tem como fundamento o dever de proteção dos direitos fundamentais das pessoas com deficiência, conforme estabelecido pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto n. 6.949/2009).
Uma das justificativas para a medida é que, para assegurar o exercício, em igualdade de condições, dos direitos humanos e liberdades fundamentais, é necessário observar a “Adaptação Razoável”.
Mas o que vem a ser essa adaptação razoável? Simples:

“Adaptação razoável” significa as modificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos humanos e liberdades fundamentais.
O CNJ reconheceu que há barreiras à inserção de pessoas com deficiência no Judiciário, evidenciadas por levantamento que demonstrou baixos índices de representatividade dessa população nos quadros da magistratura, servidores, terceirizados e estagiários.
A norma aprovada estabelece que os editais deverão prever como conteúdo mínimo:
- Adaptações razoáveis solicitadas no momento da inscrição;
- Fornecimento de tecnologias assistivas;
- Apoio qualificado na execução das tarefas das provas; e
- Acessibilidade atitudinal para melhor acolhimento em todas as fases do certame.
Garante, também, a adequação dos critérios de realização e avaliação das provas às especificidades do candidato, inclusive com tempo adicional e recursos humanos e tecnológicos, conforme avaliação por equipe multiprofissional.
O tratamento especial é facultativo ao candidato, podendo ser recusado, e depende de solicitação com justificativa fundamentada.
O conselheiro Guilherme Feliciano destacou:
“Não apenas cotas são importantes, como também essas adaptações para que tais pessoas consigam concorrer em igualdade de condições com outros candidatos e possam ascender a esses cargos e funções.”
A norma também enfatiza que os tribunais devem garantir certa flexibilidade na implementação dessas medidas, respeitando as particularidades de cada caso concreto. O prazo inicial de vigência da resolução será de 60 dias.
Como bem apontado comentou pelo conselheiro da Frente Parlamentar pela Neurodiversidade, Silvano Furtado da Costa e Silva:
“A resolução é fundamental por promover o reconhecimento das individualidades das pessoas neurodivergentes por meio de uma diferenciação positiva, sem perder o rigor necessário à carreira da magistratura. O Judiciário poderá contar com quadros que trarão novas perspectivas através da diversidade neurológica. O ‘nada sobre nós sem nós’ ganha uma nova perspectiva com a inclusão em um dos poderes da República virando política.”
Conheça um pouco mais sobre PCD
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência define PcD da seguinte forma:
“Pessoas com Deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Evolução da Nomenclatura
- PPD (Pessoa Portadora de Deficiência) 🡪 O termo Pessoa Portadora de Deficiência ou PPD foi utilizado no passado, inclusive no texto da Constituição de 1988, mas acabou caindo em desuso devido ao grande enfoque na deficiência das pessoas.
A utilização desse termo induz a enxergarmos a deficiência como a única característica que define a pessoa, sem levar em consideração outros aspectos, como habilidades, virtudes e competências pessoais e profissionais daquele indivíduo. - PNE (Pessoa com Necessidades Especiais) 🡪 Esse termo substituiu a sigla PPD, nos anos 90, mas continuou problemática, já que também enfatizava a deficiência, colocando a pessoa em posição de dependência, como se ela não conseguisse fazer as tarefas básicas do dia a dia.
- PcD (Pessoa com Deficiência) 🡪 É o termo utilizado atualmente na legislação nacional e internacional. É o termo mais adequado para usar, já que foca na pessoa e não na sua deficiência.
Como bem ressaltado pelo ministro Gilmar Mendes, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência foi o primeiro tratado internacional aprovado pelo rito legislativo previsto no art. 5º, § 3º, da Constituição Federal, o qual foi internalizado por meio do Decreto Presidencial 6.949/2009.
Assim, a Convenção ingressou em nosso ordenamento jurídico com força de emenda constitucional.
Por meio de referida convenção, os Estados se comprometeram a adotar medidas legislativas, administrativas e de quaisquer outras naturezas para implementação dos direitos nela reconhecidos e rechaçar, combater e erradicar, em plenitude, todas as formas, diretas e indiretas, de discriminação das pessoas com deficiência.
Jurisprudência do STF
O Supremo Tribunal Federal tem atuado de forma afirmativa na garantia dos direitos de acessibilidade de pessoas deficientes e autistas.
A Corte, julgando o TEMA 1.286 (RE 1.198.269), validou a exigência de carrinhos adaptados para crianças PcD em mercados.
A lei estadual paulista nº 16.674/2018 impôs a supermercados e estabelecimentos congêneres o dever de disponibilizar 5% dos carrinhos de compras adaptados ao transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.
Ao final, foi aprovada a seguinte tese no TEMA 1.286, do STF:
TEMA 1.286, do STF: “É constitucional lei estadual que impõe a obrigatoriedade de adaptação de percentual de carrinhos de compras para transporte de crianças com deficiência ou mobilidade reduzida.”
O relator, ministro Gilmar Mendes, ressaltou que a decisão está alinhada com a jurisprudência da Corte, que tem validado outras leis estaduais com objetivos similares de inclusão e acessibilidade, a saber:
- ADIn 2.572 (cadeiras para pessoas obesas): considerada constitucional Lei do Estado do Paraná que reservou 3% de lugares disponíveis em salas de projeções, teatros, espaços culturais e transporte público para pessoas obesas.
- ADIn 6.989 (etiquetas acessíveis em roupas): considerou constitucional a Lei do Estado do Piauí que cria obrigatoriedade de adoção de etiquetas em peças de vestuário em braile ou outro meio acessível que atenda às pessoas com deficiência.
- ADIn 903 (adaptação de transporte coletivo): considerou constitucional a Lei do Estado de Minas Gerais que dispõe sobre adaptação dos veículos de transporte coletivo com a finalidade de assegurar seu acesso por pessoas com deficiência ou dificuldade de locomoção.
Portanto, andou bem o CNJ ao aprovar norma para garantir a acessibilidade aos PCDs e autistas nos concursos para o Poder Judiciário, já que corrobora o esforço estatal voltado a garantir mobilidade pessoal e acessibilidade das pessoas com deficiência.
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