STJ afasta contaminação de provas por revista íntima ilícita: ausência de nexo causal preserva busca domiciliar

STJ afasta contaminação de provas por revista íntima ilícita: ausência de nexo causal preserva busca domiciliar

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou importante precedente sobre os limites da teoria dos frutos da árvore envenenada no direito processual penal brasileiro.

No julgamento do Recurso Especial nº 2.159.111-RS, por unanimidade, os ministros determinaram que a ilegalidade de revista íntima não contamina provas encontradas durante busca domiciliar quando ausente nexo de causalidade entre os procedimentos.

A decisão, relatada pelo Ministro Rogerio Schietti Cruz em 6 de maio de 2025, proveu recurso do Ministério Público gaúcho e reconheceu violação ao artigo 157, § 1º, do Código de Processo Penal por parte do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que havia declarado inadmissíveis todas as provas colhidas durante mandado de busca domiciliar.

Fundamentação jurídica: entendendo a árvore envenenada

Para compreender a decisão, torna-se essencial dominar o conceito da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree).

Como explicou o relator, “a essência da teoria proclama a mácula de provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas, porém, a partir de provas declaradas nulas pela forma ilícita de sua colheita”.

Imagine uma árvore contaminada: se a raiz está envenenada, todos os frutos que dela brotam também estarão contaminados.

Contudo, o direito processual reconhece exceções importantes, originadas no direito norte-americano e consagradas no artigo 157, §§ 1º e 2º, do CPP. O Tribunal aplicou a teoria da fonte independente (independent source), verificando “se tal prova, embora guarde alguma conexão com a original, ilícita, não tem relação de total causalidade em relação àquela, pois outra fonte a sustenta”.

O relator utilizou método didático para demonstrar a ausência de nexo causal: “a inexistência de nexo causal entre as revistas íntimas ilícitas e as provas apreendidas pode ser mais bem evidenciada a partir de um juízo hipotético de eliminação”.

Esse teste mental funciona como experimento científico: se eliminarmos a conduta ilícita (revista íntima), ainda seria possível descobrir as provas incriminatórias (drogas, dinheiro e pesticidas)?

A resposta foi positiva, pois “foram encontradas no interior na residência (em decorrência da busca domiciliar), e não no corpo da acusada”.

Contexto fático e violação de direitos humanos

O caso envolveu situação particularmente grave de violação de direitos humanos. Durante cumprimento de mandado de busca domiciliar para investigação de tráfico de drogas, policiais encontraram Rochele Quevedo Palhano dormindo em sua residência.

Na casa, apreenderam drogas, dinheiro e pesticidas. Paralelamente, submeteram a investigada a três revistas íntimas: na residência, na delegacia e no estabelecimento penal.

Como reconheceram as instâncias ordinárias e confirmou o STJ, “são ilícitas as três revistas íntimas a que foi submetida, desnecessária e injustificadamente, a acusada, de modo a configurar grave violação à dignidade da pessoa humana por agentes de Estado”. O Tribunal caracterizou a conduta como “manifesto excesso na execução da diligência, de natureza degradante e humilhante”.

Distinção processual fundamental

Revista íntima ilícita

A decisão estabelece distinção crucial entre busca domiciliar e revista pessoal. Conforme o artigo 244 do CPP, “é admissível a execução de busca pessoal incidental à busca domiciliar, independentemente de mandado prévio”.

Porém, como esclareceu o relator, “eventual ilegalidade na execução da busca pessoal incidental não acarreta, por derivação, a ilegalidade de toda a busca domiciliar”.

Essa separação evita que irregularidades pontuais contaminem integralmente diligências legítimas, preservando o interesse público na persecução penal sem descurar da proteção aos direitos fundamentais.

Determinações correcionais

Embora tenha preservado as provas, o STJ não ignorou a gravidade das violações. Determinou “comunicação à Corregedoria da Polícia Civil do Estado do Rio Grande do Sul para a apuração de ilícito funcional”, complementando comunicação ao Ministério Público já ordenada pelas instâncias ordinárias.

A medida visa responsabilizar os agentes que conduziram as revistas íntimas ilegais.

Logo, o precedente estabelece que "embora sem ignorar ou mesmo mitigar a gravidade da ilicitude verificada no caso, é imperativo reconhecer que são admissíveis as provas derivadas da busca domiciliar, pois não derivadas das revistas íntimas ilícitas".

Dessa maneira, a decisão demonstra sofisticação jurídica ao equilibrar repressão penal eficaz com proteção aos direitos fundamentais, estabelecendo que violações a direitos humanos devem passar por apurações independentemente da admissibilidade probatória.


Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!
0 Shares:
Você pode gostar também