Uma campanha solidária organizada pelo Instituto Razões para Acreditar, através de sua plataforma Voaa para arrecadar fundos ao voluntário indonésio Agam Rinjani, foi cancelada na sexta-feira (27). Isso aconteceu após revolta entre doadores que descobriram que a instituição reteria 20% do valor total arrecadado:

Em resumo, a vaquinha havia alcançado R$ 522.305,53, dos quais mais de R$ 100 mil ficariam com os organizadores, conforme “taxa padrão da plataforma”, que segundo alegação dos consumidores, não foi adequadamente informada no início da campanha.
Agam arriscou a própria vida para alcançar o local onde estava o corpo da jovem brasileira, que caiu de um penhasco durante uma trilha no Monte Rinjani.
Ele passou a madrugada ao lado da vítima, em uma encosta íngreme e instável, para evitar que o corpo escorregasse ainda mais. O gesto comoveu o Brasil, que respondeu com doações em massa.
Diante disso, pergunta-se: caso não tivesse cancelado, os consumidores teriam direito a devolução dos valores?
Ora, a controvérsia revela questões fundamentais sobre transparência e boa-fé nas relações de consumo digitais.
Relações de consumo digitais
De início, veja o relato de um consumidor:
“No dia 27 de junho de 2025 ao realizar uma doação através da plataforma VOAA (razões para acreditar), percebi que não havia qualquer informação visível e clara sobre a taxa administrativa cobrada. Essa informação não está presente na página inicial, na tela de preenchimento de dados, nem no momento da escolha da forma de pagamento. Encontra-se nos termos de uso, localizado no rodapé do site o que dificulta que os doadores tenham ciência prévia e explícita de tal cobrança”.
https://www.reclameaqui.com.br/voaa-vaquinha-do-razoes/taxa-administrativa-oculta-e-alteracao-repentina-na-plataforma-voaa_yYwgkHS6LHyyXVHB
Perceba, a primeira questão que precisamos estabelecer é a caracterização da relação consumerista.
Isto porque, embora se trate de doações, a plataforma Voaa fornece serviços de intermediação financeira mediante remuneração, configurando fornecedor nos termos do artigo 3º do CDC.
Dessa maneira, os doadores, como destinatários finais do serviço de intermediação, enquadram-se como consumidores.
Sendo assim, a principal violação ocorreria no artigo 6º, inciso III, que assegura “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços”.
Ora, se há uma ausência de informação ostensiva sobre a retenção de 20% caracteriza violação ao direito básico à informação.
Inclusive, pode ser mais grave ainda, constitui publicidade enganosa por omissão, vedada pelo artigo 37, parágrafo 3º, que considera enganosa “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor”.
Se a publicidade não mencionava de maneira ostensiva a taxa de 20%, pode ser tida como ilegal, como já decidiu em outros casos a jurisprudência:
(...) É tida como enganosa, ainda que por omissão, a publicidade capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre o serviço prestado. Circunstâncias não verificadas. (TJMG; APCV 5008674-84.2021.8.13.0525; Décima Sétima Câmara Cível; Rel. Des. Lailson Braga Baeta Neves; Julg. 23/04/2025; DJEMG 24/04/2025)
Autora que não foi esclarecida acerca das diferenças entre o apartamento adquirido e o modelo ofertado, o que configura propaganda enganosa. Publicidade que vincula o fornecedor, nos termos dos artigos 30 e 31 do Código de Defesa do Consumidor. 2. Dano moral configurado diante das peculiaridades do caso concreto. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. Situação que ultrapassou a esfera do mero aborrecimento. Indenização ora arbitrada em R$ 5.000,00, que não é excessiva e bem compensa a o dano suportado pelo autor, com incidência de: (a) correção monetária pelo IPCA, a contar deste arbitramento, e de (b) juros de mora a partir da citação com base na taxa da SELIC, observada a alteração a partir da vigência da Lei nº 14.905/2024, que deu nova redação ao artigo 406 do Código Civil. 3. Sentença reformada para julgar procedente a demanda e condenar as rés ao pagamento de indenização por danos morais, nos termos do acórdão, invertido o ônus sucumbencial. Recurso provido. (TJSP; Apelação Cível 1003002-34.2021.8.26.0451; Relator (a): Elói Estevão Troly; Órgão Julgador: 15ª Câmara de Direito Privado; Foro de Piracicaba - 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 16/05/2025; Data de Registro: 16/05/2025) (TJSP; AC 1003002-34.2021.8.26.0451; Piracicaba; Décima Quinta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Elói Estevão Troly; Julg. 16/05/2025)
Por fim, ainda é possível se falar no artigo 39, inciso V, do CDC, que proíbe expressamente “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”.
Isto porque, a cobrança de taxa não informada previamente, especialmente em contexto solidário onde se espera integralidade na destinação, pode configurar vantagem excessiva.
Perceba, no caso concreto, o percentual de 20% sobre mais de meio milhão de reais, resultando em mais de R$ 100 mil para a plataforma, assume proporções questionáveis judicialmente quanto à sua razoabilidade.
Conclusão
Nesse sentido, como o Código de Defesa do Consumidor estabelece em seu art. 6º, inciso III, como direito básico “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço”. A ausência de informação clara sobre a retenção de 20% do valor arrecadado caracteriza violação ao dever de informação, princípio basilar das relações consumeristas.
Lado outro, o Superior Tribunal de Justiça tem consolidado entendimento de que a boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil, impõe às empresas o dever de clareza e lealdade nas informações prestadas, especialmente quando envolvem causas solidárias.
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