Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução: por que este tema é essencial para concursos?
Imagine o seguinte cenário: um vice-prefeito assume a chefia do Executivo municipal por apenas oito dias, em decorrência de uma decisão judicial provisória que afastou o titular. Depois, ele se elege prefeito e, quatro anos depois, busca a reeleição. Pergunta-se: esse breve período de substituição conta como mandato para fins de vedação ao terceiro mandato consecutivo?
Essa foi exatamente a questão enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal no RE 1.355.228 (Tema 1229), julgado em 26 de novembro de 2025. A decisão, com repercussão geral reconhecida, pacificou uma controvérsia que há anos gerava insegurança jurídica em todo o país.
Para quem se prepara para carreiras jurídicas de alto nível, dominar esse tema é absolutamente estratégico. A matéria envolve interpretação constitucional do art. 14, §§ 5º e 6º, da CF/88, princípios fundamentais do Direito Eleitoral (continuidade administrativa e republicanismo), distinção entre substituição e sucessão, e os efeitos de decisões judiciais provisórias sobre a elegibilidade.
O caso concreto: Allan Seixas e os 8 dias que pararam o STF
O protagonista do Tema 1229 é Allan Seixas de Sousa, prefeito de Cachoeira dos Índios, município da Paraíba. Em 2016, quando era vice-prefeito, Allan assumiu interinamente a prefeitura por oito dias (de 31 de agosto a 8 de setembro de 2016), após o afastamento do prefeito titular por decisão judicial.

Esse período de substituição ocorreu dentro dos seis meses anteriores às eleições municipais de 2016. Posteriormente, Allan foi eleito prefeito naquele mesmo ano e reeleito em 2020.
O Tribunal Superior Eleitoral, contudo, entendeu que aqueles oito dias de exercício configurariam um mandato autônomo, de modo que a eleição de 2020 representaria um terceiro mandato consecutivo, vedado pelo art. 14, § 5º, da Constituição Federal. Com isso, o TSE indeferiu o registro de candidatura de Allan Seixas.
Inconformado, o candidato interpôs Recurso Extraordinário ao STF, que reconheceu a repercussão geral da matéria.
O quadro normativo: art. 14, §§ 5º e 6º, da CF/88
Para compreender a controvérsia, é essencial dominar a redação do art. 14, § 5º, da Constituição Federal, com a redação dada pela EC 16/1997:
"O Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal, os Prefeitos e quem os houver sucedido, ou substituído no curso dos mandatos poderão ser reeleitos para um único período subsequente."
Já o § 6º do mesmo artigo estabelece a regra de desincompatibilização:
"Para concorrerem a outros cargos, o Presidente da República, os Governadores de Estado e do Distrito Federal e os Prefeitos devem renunciar aos respectivos mandatos até seis meses antes do pleito."
A leitura literal desses dispositivos gerava a seguinte interpretação: o vice que substituísse o titular nos seis meses anteriores ao pleito e depois fosse eleito para o cargo só poderia exercer um único mandato subsequente, sob pena de configuração de terceiro mandato consecutivo.
Ponto-chave: a distinção entre substituição e sucessão
Um dos aspectos mais relevantes do tema é a distinção conceitual entre substituição e sucessão, que possuem naturezas jurídicas distintas:
| SUBSTITUIÇÃO | SUCESSÃO |
| Caráter temporário | Caráter definitivo |
| Pressupõe o retorno do titular | Vacância permanente do cargo |
| Impedimento temporário (viagem, licença, afastamento judicial provisório) | Falecimento, renúncia, cassação definitiva |
| Vice atua como mero substituto, sem titularidade | Vice torna-se titular do mandato |
Essa distinção é fundamental porque a jurisprudência do TSE sempre oscilou quanto aos efeitos da substituição para fins de reeleição, especialmente quando ocorrida nos seis meses anteriores ao pleito.
A decisão do STF: Tema 1229
Por maioria de 6 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal deu provimento ao recurso extraordinário de Allan Seixas, fixando a seguinte tese de repercussão geral:
"O exercício da chefia do Poder Executivo nos seis meses anteriores ao pleito, em decorrência de decisão judicial não transitada em julgado, não conta como exercício de um mandato para efeito de reeleição."
Fundamentos do voto vencedor (Min. Nunes Marques)
O relator, Ministro Nunes Marques, apresentou os seguintes fundamentos para afastar a inelegibilidade:
- Punição por fato alheio à vontade do vice: considerar oito dias de substituição como mandato significaria punir o vice por um evento que ele não controlava e não poderia recusar.
- Transformação de medida precária em situação definitiva: a decisão judicial que afastou o titular era provisória (liminar), de modo que não seria adequado atribuir efeitos permanentes a uma situação jurídica precária.
- Impossibilidade de fracionamento de mandato: conforme precedentes do TSE e do próprio STF, mandatos não podem ser “fracionados” em períodos mínimos para fins de contagem.
- Ausência de continuidade administrativa: substituições breves não representam exercício efetivo de continuidade administrativa nem violam a finalidade da regra constitucional.
O voto de Alexandre de Moraes: fundamento que orientou a tese
O Ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator, mas apresentou fundamento próprio que acabou influenciando a redação final da tese:
- A regra que tornaria inelegível o vice que substitui o titular nos seis meses anteriores ao pleito restringe indevidamente uma função constitucional do cargo de vice: a de substituir ou suceder o chefe do Executivo.
- Quando o afastamento do titular decorre de decisão judicial, o vice cumpre um dever legal e constitucional, não podendo ser penalizado por isso.
- Impedir que o vice assuma criaria um vácuo institucional, prejudicando a continuidade da administração pública.
- Eventuais abusos em substituições próximas à eleição devem ser apurados pela Justiça Eleitoral, e não convertidos automaticamente em inelegibilidade.
Tese vencida: a interpretação literal
Ficaram vencidos os Ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin, Dias Toffoli e Flávio Dino, que defenderam a interpretação literal do art. 14, § 5º, da Constituição.
Para a corrente vencida, qualquer substituição no período pré-eleitoral configuraria exercício de mandato, independentemente da duração ou da causa do afastamento do titular. A Constituição não faria distinção quanto ao tempo de exercício ou quanto à natureza (judicial ou voluntária) do afastamento.
Questão simulada (estilo CESPE/CEBRASPE)
(Promotor de Justiça – MPSP – 2026)
João, vice-prefeito do Município Alfa, assumiu interinamente a prefeitura por 15 dias, em setembro de 2024, após o afastamento do prefeito titular por decisão liminar em ação de improbidade administrativa. O prefeito retornou ao cargo após a cassação da liminar pelo Tribunal de Justiça. Em outubro de 2024, João foi eleito prefeito do Município Alfa. Em 2028, João pretende concorrer à reeleição para o cargo de prefeito.
Com base na jurisprudência do STF, assinale a alternativa correta:
a) João está inelegível para a reeleição em 2028, pois a substituição nos seis meses anteriores ao pleito de 2024 configura exercício de mandato, caracterizando terceiro mandato consecutivo.
b) João pode concorrer à reeleição em 2028, pois a substituição breve decorrente de decisão judicial provisória não conta como mandato para fins de reeleição, conforme o Tema 1229 do STF.
c) João está inelegível, pois qualquer substituição, independentemente da duração ou causa, configura exercício de mandato para fins do art. 14, § 5º, da CF.
d) João somente poderia concorrer à reeleição se a substituição tivesse ocorrido fora dos seis meses anteriores ao pleito de 2024.
e) A questão depende de análise pelo TSE, não havendo tese vinculante do STF sobre a matéria.
GABARITO: Alternativa B
Comentários à Questão
Alternativa B – CORRETA: Conforme a tese fixada pelo STF no Tema 1229 (RE 1.355.228), o exercício da chefia do Poder Executivo nos seis meses anteriores ao pleito, quando decorrente de decisão judicial não transitada em julgado, não conta como exercício de mandato para fins de reeleição. João assumiu por apenas 15 dias em razão de uma liminar (decisão provisória), situação idêntica à do caso paradigma.
Alternativa A – INCORRETA: Representa a tese vencida no STF, que defendia a interpretação literal do art. 14, § 5º. Não prevaleceu.
Alternativa C – INCORRETA: Também reflete a tese vencida. O STF expressamente afastou essa interpretação ao fixar o Tema 1229.
Alternativa D – INCORRETA: O Tema 1229 não exige que a substituição ocorra fora do período de seis meses; o que importa é que a substituição tenha decorrido de decisão judicial provisória.
Alternativa E – INCORRETA: O STF fixou tese de repercussão geral, vinculante para todos os tribunais do país.
Conclusão: o que levar para a prova
O Tema 1229 do STF representa uma virada jurisprudencial sobre os efeitos da substituição do chefe do Executivo para fins de reeleição. A Corte adotou uma interpretação teleológica e sistemática do art. 14, § 5º, da Constituição, reconhecendo que não faz sentido punir o vice que assume por breve período em cumprimento a uma decisão judicial provisória.
Para o candidato de concursos, o domínio desse tema é estratégico por diversos motivos: trata-se de decisão recente com repercussão geral, envolve interpretação constitucional de dispositivo frequentemente cobrado, e exige compreensão da distinção entre substituição e sucessão.
Fique atento: bancas como CESPE/CEBRASPE, FCC, FGV e VUNESP adoram explorar temas decididos pelo STF em repercussão geral, especialmente quando há divergência entre a tese vencedora e a vencida.
Bons estudos e até a aprovação!
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