* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Novo marco legal do licenciamento ambiental
O Congresso Nacional aprovou o projeto que cria a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, conhecido por ambientalistas como o “PL da Devastação”.
O texto tramitava há mais de duas décadas no Congresso, e foi enviado para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pois bem. O Presidente Lula deixou para o último dia do prazo o veto de 63 trechos do Novo Marco do Licenciamento Ambiental.

O projeto divide opiniões, sendo alvo de críticas por parte dos ambientalistas e elogios por parte do agronegócio.
Já havia expectativa de que o presidente Lula vetasse trechos do projeto considerados mais sensíveis.
Defensores do texto comemoram a modernização e a simplificação do procedimento, enquanto os ambientalistas tratam a medida como um duro golpe contra o meio ambiente, chamando o projeto de “Mãe de todas as boiadas”.
Vetos presidenciais
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou 63 trechos do texto. As decisões seguem, de acordo com a Presidência da República, quatro diretrizes principais:
- Garantir a integridade do processo de licenciamento, que proteja o meio ambiente e promova o desenvolvimento sustentável;
- Assegurar os direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas;
- Dar segurança jurídica a empreendimentos e investidores; e
- Incorporar inovações que tornem o licenciamento mais ágil, sem comprometer sua qualidade.
A expectativa é de que o novo marco do licenciamento ambiental seja um regramento mais sólido e equilibrado, fortalecendo a proteção dos ecossistemas, conferindo previsibilidade aos investimentos e reduzindo riscos de judicialização.
NOVO PROJETO DE LEI -> O governo enviará ao Congresso um novo projeto de lei, com urgência constitucional, propondo redações ajustadas para pontos essenciais (muitos deles vetados).
A medida permite, de acordo com o governo, realizar os ajustes necessários para evitar lacunas regulatórias e insegurança jurídica, ao mesmo tempo em que valoriza o esforço do parlamento em unificar normas dispersas em um marco regulatório único.
MEDIDA PROVISÓRIA -> O presidente assinou também uma Medida Provisória que confere eficácia imediata à Licença Ambiental Especial (LAE). Essa licença confere um procedimento célere para atividades e empreendimentos considerados estratégicos pelo Conselho de Governo.
Além disso, assegura pessoal dedicado para trabalhar nesses empreendimentos em prioridades sobre os demais.
A LAE só entraria em vigor em seis meses, mas a MP assegurará a aplicação imediata desse instrumento.
Os vetos, segundo Lula, têm como fundamento o interesse público, a proteção constitucional do meio ambiente e o respeito ao sistema federativo de repartição de competências.
Vejamos, em detalhes, os principais pontos vetados pelo presidente Lula.
1. Restrição da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) a empreendimentos de baixo potencial poluidor
O que foi feito: Vetada a ampliação para atividades de médio potencial poluidor.
Por quê? Evita que empreendimentos de risco relevante, como barragens de rejeitos, realizem licenciamento simplificado sem análise técnica adequada.
O PL do Executivo, além de restringir a LAC para baixo potencial de impacto, acrescenta limites ao procedimento autodeclaratório.
A proposta permitia que empreendimentos de médio porte e potencial poluidor utilizem esse mecanismo sem a exigência de estudos prévios de impacto e sem a definição de condicionantes ambientais específicas.
2. Assegura que entes federativos respeitem padrões nacionais de critérios e procedimentos
O que foi feito: Vetados dispositivos que transferiam de forma ampla a cada ente federado, sem padronização, a responsabilidade por estabelecer critérios e procedimentos de licenciamento — como porte, potencial poluidor, tipologias sujeitas a licenciamento, modalidades específicas de licenças e atividades passíveis de LAC.
Por quê? A medida evita uma descentralização que poderia estimular uma competição antiambiental entre os entes federativos, em que a flexibilização de regras ambientais se tornaria moeda de troca para atração de investimentos com potencial de causar danos.
Dessa forma, o alinhamento nacional assegura previsibilidade para empreendedores, reduz disputas judiciais e mantém um padrão mínimo de proteção ambiental, garantindo segurança jurídica aos empreendimentos.
3. Preservação da Mata Atlântica
O que foi feito: Veto para impedir a retirada do regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica em relação à supressão de floresta nativa.
Por quê? A Mata Atlântica é um bioma reconhecido como patrimônio nacional pela Constituição Federal e já se encontra em situação crítica, com apenas 24% de sua vegetação nativa remanescente.
4. Proteção dos direitos de povos indígenas e comunidades quilombolas
O que foi feito: Foram vetados dispositivos que restringiam consulta aos órgãos responsáveis pela proteção de povos indígenas e comunidades quilombolas.
Por quê? A limitação proposta no texto do PL aprovado deixaria de fora uma série de povos e territórios em fase de reconhecimento pela Funai e pela Fundação Palmares, contrariando a Constituição Federal.
O novo PL assegura a participação de ambos, prevenindo conflitos e fortalecendo a participação social nas decisões que impactam diretamente modos de vida e territórios tradicionais. Assim, mantém o que está previsto no regramento federal específico.
5. Veto à dispensa de análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR)
O que foi feito: Vetada a proposta que dispensa o licenciamento ambiental para produtores rurais com CAR ainda pendente de análise pelos órgãos ambientais estaduais.
Por quê? A medida protege o meio ambiente, uma vez que somente terão dispensa do licenciamento os proprietários rurais que tiverem o CAR analisado.
6. Mantém as condicionantes ambientais e medidas compensatórias para impactos diretos e indiretos previsíveis
O que foi feito: Vetado dispositivo que limitava a aplicação de condicionantes ambientais e medidas compensatórias apenas aos impactos diretos, excluindo os impactos indiretos ou os efeitos sobre serviços públicos agravados pela implantação do empreendimento.
Por quê? A medida assegura que, sempre que houver nexo de causalidade entre o empreendimento e os impactos ambientais – diretos ou indiretos -, possa-se exigir medidas adequadas de mitigação, compensação ou controle, preservando a efetividade do licenciamento ambiental.
No PL do Executivo a ser enviado, fica garantida a adoção de medidas para reforçar temporariamente serviços públicos que venham a ser pressionados ou sobrecarregados de forma excepcional em razão da implementação do empreendimento.
7. Proteção às Unidades de Conservação
O que foi feito: Vetado artigo que retirava o caráter vinculante de manifestação de órgãos gestores de Unidades de Conservação no licenciamento de empreendimentos que afetem diretamente a unidade ou sua zona de amortecimento.
Por quê? A medida reforça a importância da avaliação técnica especializada na proteção de áreas ambientalmente sensíveis. Assim, assegura-se que os impactos sobre Unidades de Conservação sejam devidamente analisados e considerados nas decisões de licenciamento pelos órgãos gestores responsáveis por essas áreas.
8. Manutenção da LAE com veto ao processo monofásico
O que foi feito: A criação da LAE (Licenciamento Ambiental Especial) constitui importante instrumento para modernização do processo de licenciamento. Contudo, vetou-se o dispositivo que estabelecia um procedimento monofásico, que autorizaria a expedição de todas as licenças ao mesmo tempo.
Por quê? Porque o processo monofásico exigiria dos empreendedores antecipação de despesas relevantes antes mesmo de comprovada a viabilidade ambiental do empreendimento, que é um dos primeiros passos do processo. Por outro lado, geraria insegurança jurídica passível de judicialização.
A Licença Ambiental Especial é um tipo de licença que o decreto do governo liberaria. Assim, funcionará da seguinte forma:
- Alguns empreendimentos poderão ser elegíveis para o Licenciamento Ambiental Especial;
- O Conselho do Governo — um órgão político — definiria quais obras e projetos poderiam ser elegíveis para esse novo modelo de licenciamento;
- O Conselho levaria em conta se os empreendimentos são estratégicos para o país; e
- A licença tem que sair em 12 meses, mas rápido do que o trâmite para o licenciamento normal.
9. Manutenção da responsabilidade de instituições financeiras na concessão de crédito
O que foi feito: Foi vetado o dispositivo que enfraquecia a responsabilidade de instituições financeiras em casos de danos ambientais de projetos por elas financiados.
Por quê? A medida reforça a importância de que o crédito tenha a condição do cumprimento da legislação ambiental, estimulando a prevenção de danos e alinhando o financiamento ao desenvolvimento sustentável.
O PL do Executivo estabelece que o financiador deve exigir do empreendedor o licenciamento ambiental antes de conceder crédito.
Certamente essa nova lei será objeto de muito questionamento no Supremo Tribunal Federal, e a minha aposta é que esse tema estará na grande maioria das provas de direito ambiental daqui para frente.
Portanto, muita atenção!
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!