“Véio da Havan” é condenado a prisão por xingar de “esquerdopata”

“Véio da Havan” é condenado a prisão por xingar de “esquerdopata”

Luciano Hang, conhecido como “Véio da Havan”, é condenado à prisão pela Justiça do RS por injúria e difamação, ao chamar arquiteto de “esquerdopata”.

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o caso

A 1ª Câmara Especial Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) emitiu decisão condenando o empresário Luciano Hang, conhecido como “Véio da Havan”, por difamação e injúria contra o arquiteto Humberto Tadeu Hickel.

véio

O dono da Havan foi considerado culpado por ter chamado Hickel de “esquerdopata” e sugerido que ele “vá para Cuba” em um vídeo publicado nas redes sociais, após o arquiteto liderar uma campanha contra a instalação de uma estátua da liberdade próxima a uma nova filial da Havan em Canela, na serra gaúcha.

Tudo começou quando o arquiteto liderou um abaixo-assinado contra a instalação da Estátua da Liberdade em Canela, argumentando que o símbolo era inadequado à cultura local. Dessa forma, descobrindo a orientação ideológica de Hickel, Luciano Hang, o “Véio da Havan”, reagiu publicamente. O caso ocorreu em 2020.

Hickel foi vice-presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil – Departamento Rio Grande do Sul (IAB-RS) entre 2012 e 2013. Ele também é o atual presidente do núcleo do IAB na Região das Hortênsias. O que o levou a criticar a estátua da liberdade da Havan foi uma suposta violação dos artigos do Plano Diretor municipal, que busca preservar a harmonia arquitetônica e o patrimônio histórico da cidade.

O arquiteto desabafou:

“Depois do vídeo recebi centenas de xingamentos de pessoas que inundaram minhas redes sociais para me ofender, e inclusive ameaças, o que me deixou muito nervoso, tive que ficar de cama porque faço acompanhamento com cardiologista e afetou minha saúde. Além disso tive que mudar meus hábitos e deixar de andar com meus netos pelas ruas de Canela, como costumava fazer, o que me entristeceu muito”.

Julgamento

Em primeiro grau, a juíza Simone Ribeiro Chalela julgou improcedente a ação penal, de Canela, no sentido de que as declarações de Hang fazem parte do debate político e não constitui crime.

Após recurso de apelação para o Tribunal de Justiça Gaúcho, julgou-se a ação procedente, por maioria. Assim, condenou-se Luciano Hang a uma pena de 1 ano e 4 meses em regime aberto, além de 4 meses de detenção, que serão convertidos em duas penas restritivas de direitos.

Essas penas incluem a prestação de serviços à comunidade, com um compromisso diário de uma hora, e o pagamento de uma multa pecuniária no valor de 35 salários-mínimos, que se destinará à vítima. Além disso, ele recebeu uma penalidade financeira de 20 dias-multa, cada um correspondendo a 10 salários-mínimos, totalizando cerca de 300 mil reais.

Durante a sessão de julgamento, a desembargadora Viviane de Faria Miranda arrematou: “Não é possível que nós convivamos nesse ambiente de ódio e com o estímulo a esse tipo de discurso de ódio, que têm sido cada vez mais frequentes.”

Nesse sentido, após a condenação ambas as partes se manifestaram:

Análise jurídica

Agora que sabemos o que aconteceu, vamos analisar os aspectos jurídicos do episódio ocorrido com o “Véio da Havan”.

Tanto a injúria (artigo 140) quanto a difamação (artigo 139) constituem crimes contra a honra, e estão descritos no Capítulo V do Código Penal.

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Injúria

Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

A grande discussão é saber se os xingamentos proferidos (“esquerdopata” e “vá para Cuba”) fazem parte do debate político ou se constituem em expressões voltadas a ferir a honra da vítima, no caso o arquiteto.

Ademais, muitas vezes a linha que separa o crime do exercício da liberdade de expressão é bem tênue, exigindo do julgador uma sensibilidade aguçada.

Já o artigo 142 do Código Penal traz a hipótese de exclusão dos crimes. Vejamos:

Exclusão do crime

Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível:

I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;

II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;

III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

A Constituição Federal protege tanto o direito à honra quanto o direito à liberdade de expressão.

CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes...

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

...

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

...

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

...

§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Mas não existem direitos absolutos. Todos os direitos devem observar certas balizas instituídas pelo próprio ordenamento jurídico. A liberdade de expressão, integrante das liberdades públicas, é cláusula pétrea. Porém, não se pode exercer essa liberdade de maneira a difamar ou injuriar o destinatário da mensagem, causando danos à honra da vítima.

Caberá ao Judiciário fazer esse controle e essa ponderação no caso concreto. Devendo-se, assim, de forma contundente, afastar a censura prévia, característica própria das ditaduras e dos regimes totalitários.

O tema é polêmico, e as provas de direito constitucional e direito penal cobram constantemente. Portanto, muita atenção!


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