Você já refletiu sobre como pequenos atos podem comprometer a integridade de uma competição esportiva? O que você acha do “mar” das Bets patrocinando todos os eventos nos esportes?
Sabia que apostas esportivas movimentam cerca de R$ 45 bilhões por ano no Brasil?1
Tem gente que vai mencionar que isso é um caminho sem volta. Fato que, a integridade no esporte é uma preocupação crescente, especialmente com a popularização das apostas esportivas.
Tanto é assim que, a Lei Federal nº 14.790, publicada em 30 de dezembro de 2023, regulamenta a exploração da loteria de apostas de quota fixa no Brasil, definindo regras claras para a atividade das empresas de “betting” e dos apostadores.
A lei estabelece diretrizes para prevenir a manipulação de resultados esportivos, um problema que pode ser incentivado pelas apostas.
Análise jurídica
No cenário atual, a promessa de vantagem indevida para que um jogador receba um cartão amarelo levanta questões críticas sobre a manipulação de resultados no futebol.
Este artigo analisa as implicações jurídicas desse comportamento à luz do art. 198 da Lei Geral do Esporte (Lei n. 14.597/2023).
De início, perceba que o art. 198 da Lei Geral do Esporte tipifica como crime a solicitação ou aceitação de vantagem patrimonial ou não patrimonial com a finalidade de alterar ou falsear o resultado de uma competição esportiva.
A redação do artigo é a seguinte:
Dessa maneira, o tema chegou até o STJ e teve sua divulgação na Edição Extraordinária nº 21 de 30 de julho de 2024.
A controvérsia recente envolve a interpretação desse dispositivo no caso de um jogador que recebeu uma promessa de vantagem para tomar um cartão amarelo.
A questão central é se tal ato tem o condão de alterar ou manipular o resultado de uma competição esportiva.
Isto porque o dispositivo fala em “destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”.
Assim, a defesa do jogador argumentou que não se deveria tipificar a conduta como crime, alegando ausência de dolo e que a promessa de vantagem não tinha a intenção de alterar o resultado do jogo.
E o que decidiu o STJ?
Decisão do STJ
Veja, no Habeas Corpus nº 861121 – GO, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou se a conduta imputada ao jogador, de aceitar uma vantagem para receber um cartão amarelo, configurava o crime descrito no art. 198 da Lei Geral do Esporte.
A decisão do tribunal foi clara ao afirmar que a elementar “competição esportiva” deve ter interpretação de forma ampla, indo além do placar de uma partida.
O Ministro Sebastião Reis Júnior, relator do caso, destacou que, embora um cartão amarelo não altere diretamente o placar de um jogo, ele pode influenciar significativamente a competição.
Segundo o regulamento do Campeonato Brasileiro (Brasileirão – 2024), por exemplo, o número de cartões amarelos serve como critério de desempate, podendo definir rebaixamentos, classificações para competições internacionais e até o título.
Dessa forma, a promessa de vantagem para receber um cartão amarelo possui, sim, potencial para alterar o resultado da competição esportiva.
Observe o trecho da ementa do julgado:
Assim, o STJ rejeitou esses argumentos. Afirmou-se que a análise da tipicidade da conduta deve considerar o impacto potencial na competição esportiva como um todo, e não apenas no resultado imediato de uma partida.
Nessa linha, a decisão reforça que se deve proteger a integridade das competições esportivas em todos os aspectos, não apenas no que se refere ao placar final.
A manipulação de resultados pode ocorrer de maneiras sutis, como influenciar a disciplina dos jogadores (cartões amarelos). Isso, em um contexto mais amplo, pode afetar diretamente a classificação e o desfecho da competição.
Exemplos do passado
Caso “Máfia do Apito” (2005)2 – Um dos casos mais notórios de manipulação de resultados no futebol brasileiro é o da “Máfia do Apito”. Em 2005, o árbitro Edilson Pereira de Carvalho foi acusado de manipular resultados de partidas do Campeonato Brasileiro em favor de apostadores. O esquema foi revelado em uma reportagem da revista “Veja”, que indicou que Edilson recebeu pagamentos para influenciar os resultados dos jogos.
Caso “Operação Game Over” (2016)3 – Em 2016, a Polícia Federal desmantelou um esquema de manipulação de resultados em partidas de futebol nas séries C e D do Campeonato Brasileiro, conhecido como “Operação Game Over”. Jogadores e dirigentes foram acusados de receber dinheiro para influenciar os resultados dos jogos.
Conclusões
A decisão do STJ no caso do Habeas Corpus nº 861121 – GO estabelece um importante precedente na interpretação do art. 198 da Lei Geral do Esporte.
Ela deixa claro que qualquer ato que tenha o potencial de influenciar o resultado de uma competição esportiva, mesmo que de forma indireta, pode-se considerar como uma tentativa de manipulação, sujeitando os envolvidos às penalidades previstas na lei.
Entretanto, vale ressaltar que a publicação da lei foi em 14/06/2023, e não deve retroagir. Então, os casos de aplicação do crime do art. 198, por exemplo, só podem ser utilizados de sua vigência em diante.
Logo, a promessa de vantagem indevida para que um jogador receba um cartão amarelo, mesmo não alterando diretamente o placar, é uma conduta que compromete a integridade do esporte e configura crime conforme a Lei Geral do Esporte.
- Disponível em: <https://www.linkedin.com/news/story/apostas-esportivas-movimentam-r-45-bilh%C3%B5es-por-ano-no-brasil-5845788/#:~:text=O%20Brasil%20se%20tornou%20o,o%20setor%20ainda%20vive%20incertezas.>. ↩︎
- Disponível em: <https://ge.globo.com/sp/futebol/noticia/2015/09/ha-10-anos-futebol-era-abalado-pelo-escandalo-da-mafia-do-apito-relembre.html>. ↩︎
- Disponível em: <https://ge.globo.com/blogs/bastidores-fc/post/2017/12/11/justica-de-sp-inicia-nesta-terca-julgamento-de-11-acusados-de-manipular-jogos-de-futebol.ghtml>. ↩︎
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