* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) validou a possibilidade de os inadimplentes terem passaporte e a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) apreendidos. A decisão foi pelo placar de 10 x 1.
A apreensão de documentos como passaporte e CNH é vista como medida para pressionar devedores inadimplentes a quitarem suas dívidas.
Entretanto, a Corte entendeu que a decisão de apreensão dos documentos não será geral, mas valerá para casos específicos de forma individualizada.
O fundamento da decisão é o artigo 139, IV, do código de processo civil.
CPC
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
...
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
A decisão do Supremo possui caráter vinculante e deve ser aplicada com cautela, garantindo que seja justa e utilizada apenas quando não houver outras formas de assegurar o pagamento.
Apesar da decisão ter caráter vinculante, o magistrado deverá analisar cada caso individualmente, considerando se o devedor tem condições de pagar e se está tentando evitar o pagamento de forma fraudulenta.

O foco da medida, portanto, é verificar se há indícios de que o devedor está se esquivando, ilicitamente, de pagar sua dívida. Caso se comprove que o devedor está ocultando bens ou tentando fraudar o sistema, a apreensão de documentos pode ser uma solução eficaz para pressioná-lo a regularizar sua situação financeira.
Enfim, o grande objetivo da medida é garantir que os credores recebam os valores devidos de forma menos onerosa.
Mas atenção: a medida não pode restringir o direito de ir e vir do cidadão, ou seja, em casos em que a CNH é essencial para o trabalho do devedor, a apreensão pode ser afastada. Além disso, devedores podem ser impedidos de participar de concursos públicos e licitações.
ADI 5.941
Em 2023, o Supremo julgou, por maioria, constitucional o artigo 139, IV, do CPC, por meio da ADI 5.941.
A aplicação concreta das medidas atípicas previstas no artigo 139, inciso IV, do CPC, é válida, desde que não avance sobre direitos fundamentais e observe os princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
A autorização genérica contida no artigo 139, IV, do CPC, representa o dever do magistrado de dar efetividade às decisões e não amplia de forma excessiva a discricionariedade judicial. É inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha a prerrogativa de fazer valer os seus julgados.
Fundamentos utilizados pelo STF
1º) O acesso à justiça reclama tutela judicial tempestiva, específica e efetiva sob o ângulo da sua realização prática;
2º) A morosidade e inefetividade das decisões judiciais são lesivas à toda a sociedade, porquanto, para além dos efeitos diretos sobre as partes do processo (credor e devedor), são repartidos pela coletividade os custos decorrentes da manutenção da estrutura do Poder Judiciário, da movimentação da sua máquina e da prestação de assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
3º) A efetividade e celeridade das decisões judiciais constitui uma das linhas mestras do processo civil contemporâneo, como se infere da inclusão, na própria Constituição Federal, da garantia expressa da razoável duração do processo (artigo 5º, LXXVIII) e da positivação, pelo Novo Código de Processo Civil, do direito das partes “de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”;
4º) A execução ou satisfação daquilo que é devido representa verdadeiro gargalo na prestação jurisdicional brasileira, mesmo tendo em vista os esforços adotados pela legislação, que não conseguiu superar esse cenário desafiador, marcado pela desconformidade geral e pela busca por medidas protelatórias e subterfúgios que permitem ao devedor se evadir de suas obrigações;
5º) Os poderes do juiz no processo, por conseguinte, incluem “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária” (artigo 139, IV), obedecidos o devido processo legal, a proporcionalidade, a eficiência, e, notadamente, a sistemática positivada no próprio CPC, cuja leitura deve ser contextualizada e razoável à luz do texto legal;
6º) A amplitude semântica das cláusulas gerais permite ao intérprete/aplicador maior liberdade na concretização da fattispecie – o que, evidentemente, não o isenta do dever de motivação e de observar os direitos fundamentais e as demais normas do ordenamento jurídico e, em especial, o princípio da proporcionalidade;
7º) A significação de um mandamento normativo é alcançada quando se agrega, à filtragem constitucional, a interpretação sistemática da legislação infraconstitucional – do contrário, de nada aproveitaria a edição de códigos, microssistemas, leis interpretativas, meta-normas e cláusulas gerais;
8º) A correção da proporcionalidade das medidas executivas impostas pelo Poder Judiciário reside no sistema recursal consagrado pelo Código de Processo Civil;
9º) A flexibilização da tipicidade dos meios executivos visa a dar concreção à dimensão dialética do processo, porquanto o dever de buscar efetividade e razoável duração do processo é imputável não apenas ao Estado-juiz, mas, igualmente, às partes;
10º) O Poder Judiciário deve gozar de instrumentos de enforcement e accountability do comportamento esperado das partes, evitando que situações antijurídicas sejam perpetuadas a despeito da existência de ordens judiciais e em razão da violação dos deveres de cooperação e boa-fé das partes – o que não se confunde com a punição a devedores que não detêm meios de adimplir suas obrigações;
11º) A variabilidade e dinamicidade dos cenários com os quais as Cortes podem se deparar, torna impossível dizer, a priori, qual o valor jurídico a ter precedência, de modo que se impõe estabelecer o emprego do raciocínio ponderativo para verificar, no caso concreto, o escopo e a proporcionalidade da medida executiva, vis-à-vis a liberdade e autonomia da parte devedora;
12º) O argumento da eventual possibilidade teórica de restrição irrazoável da liberdade do cidadão, por meio da aplicação das medidas de apreensão de carteira nacional de habilitação e/ou suspensão do direito de dirigir, apreensão de passaporte, proibição de participação em concurso público e proibição de participação em licitação pública, é imprestável a sustentar, só por si, a inconstitucionalidade desses meios executivos, haja vista que a sua adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito deverão ser analisados no caso concreto;
13º) A excessiva demora e ineficiência do cumprimento das decisões judiciais, sob a perspectiva da análise econômica do direito, é um dos fatores integrantes do processo decisório de escolha racional realizado pelo agente quando deparado com os incentivos atinentes à propositura de uma ação, à interposição de um recurso, à celebração de um acordo e à resistência a uma execução. Num cenário de inefetividade generalizada das decisões judiciais, é possível que o devedor não tenha incentivos para colaborar na relação processual, mas, ao contrário, seja motivado a adotar medidas protelatórias, contexto em que, longe de apresentar estímulos para a atuação proba, célere e cooperativa das partes no processo, a legislação estará promovendo incentivos perversos, apontando para o descumprimento das determinações exaradas pelo Poder Judiciário;
14º) A efetividade no cumprimento das ordens judiciais não serve apenas para beneficiar o credor que logra obter seu pagamento ao fim do processo, mas incentiva, adicionalmente, uma postura cooperativa dos litigantes durante todas as fases processuais, contribuindo, inclusive, para a redução da quantidade e duração dos litígios.
Conclusão
A jurisprudência do Supremo tem caminhado para validar medidas coercitivas como apreensão de passaporte, CNH, proibição de participação em licitação etc., mas sempre cabendo ao juiz a análise detida e individual, resguardando os direitos básicos do cidadão, a fim de não fragilizar a dignidade da pessoa humana.
Em resumo, temos as seguintes características da medida:
- É constitucional a adoção de medidas coercitivas, tais como apreensão de CNH e passaporte;
- Objetivo é forçar o devedor a quitar a dívida;
- É aplicável às dívidas civil (não se aplica dívidas trabalhistas e tributárias);
- Não é uma medida automática, devendo–se aplicá-la individualmente;
- É aplicável durante o curso do processo de cobrança;
- Não se aplica para valores irrisórios;
- Deve levar em conta a razoabilidade e a proporcionalidade;
- Não pode ferir os direitos fundamentais do cidadão, como o direito de ir e vir;
- A medida não pode prejudicar atividades profissionais (motorista, por exemplo).
Ótimo tema para provas de direito processual civil e direito constitucional.
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