* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu
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O Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras – IDAFRO pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que o machado de Xangô (Oxê de Xangô), símbolo iorubá da justiça, seja fixado ao lado do crucifixo, no plenário da Corte. A petição foi distribuída para o ministro Barroso.
O pedido é consequência da decisão da Suprema Corte, em 2024. Na ocasião, reconheceu-se que a presença de símbolos religiosos em prédios e órgãos públicos não fere o princípio da laicidade do Estado e nem a liberdade de crença das pessoas.
O advogado Hédio Silva, coordenador executivo do IDAFRO, foi incisivo:
“Não se trata de privilégio, mas de reconhecimento da diversidade religiosa do Brasil e do combate à intolerância que atinge, principalmente, as religiões de matriz africana”.
O instituto então ressaltou que a “elevada significação do Oxê para os milhões de brasileiros que professam as matrizes africanas deita raízes em solo baiano, em 1830, data de fundação do primeiro templo afrorreligioso no Brasil, o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, conhecido como Casa Branca do Engenho Velho, dedicado a Xangô, Rei Africano da Justiça”.
O IDAFRO fez questão de esclarecer que a petição não tem por objetivo obter uma tutela específica ao machado de Xangô, mas apenas um tratamento igualitário com outros símbolos religiosos.
Na petição, o instituto ressaltou que “O pedido assume especial significação considerando-se ainda o aterrorizador crescimento do discurso de ódio e dos ataques morais e físicos às religiões afro-brasileiras, um fenômeno que diariamente corrói a democracia brasileira ao privatizar os meios de comunicação social, sequestrar escolas públicas, conselhos tutelares, escolas de educação infantil e outras instituições da res pública, pilhadas por facções religiosas sob o olhar complacente – quando não conivente – das autoridades públicas”.
STF valida sacrifício de animais em rituais religiosos – RE 494.601
Em 2019, o Supremo validou a lei gaúcha nº 12.131/2004, que permite o sacrifício de animais em ritos religiosos (RE 494.601).
O recurso visava declarar a inconstitucionalidade do sacrifício de animais em rituais religiosos com base na previsão do art. 225, §1º, VII, que prevê, como dever do poder público, “proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
O ministro Edson Fachin reconheceu a total validade do texto legal, para quem a menção específica às religiões de matriz africana não apresenta inconstitucionalidade, uma vez que a utilização de animais é de fato intrínseca a esses cultos e a eles deve ser destinada uma proteção legal ainda mais forte, uma vez que são objeto de estigmatização e preconceito estrutural da sociedade.
O ministro Luiz Fux considerou que este é o momento próprio para o Direito afirmar que não há nenhuma ilegalidade no culto, liturgias e rituais. Disse ainda que o julgado vai contribuir para dar um basta nessa escalada de violência e de atentados cometidos contra as casas de cultos de matriz africana.
Assim, a tese fixada pelo STF é a seguinte:
“É constitucional a lei de proteção animal que, a fim de resguardar a liberdade religiosa, permite o sacrifício ritual de animais em cultos de religiões de matriz africana”.
Dia da Consciência Negra
Em 2023, o presidente Lula sancionou a Lei nº 14.759/2023, que incluiu no calendário nacional o feriado da Consciência Negra, em 20 de novembro. A data faz referência à morte do líder do Quilombo dos Palmares, símbolo da resistência negra contra a escravidão no Brasil.
Além disso, o ministro Luís Roberto Barroso destacou que o Dia da Consciência Negra celebra e enaltece um dos pilares da nacionalidade brasileira: “A data traz consigo a reflexão sobre os séculos de superação e resiliência do povo negro, além da busca por respeito, igualdade e oportunidades”.
STF valida uso de símbolos religiosos em órgãos públicos – Tema 1.086
Em novembro de 2024, o Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento do TEMA 1.086. Decidiu, de forma unânime, validar o uso de símbolos religiosos, como imagens e crucifixos, em órgãos públicos, haja vista que tal prática não fere a laicidade do Estado nem a liberdade religiosa.
Entenda a origem do TEMA 1.086
O Ministério Público Federal acionou a Justiça Federal, em São Paulo, com o objetivo de proibir a presença de símbolos religiosos em órgãos públicos. O argumento foi que o Brasil é um país laico e que o poder público deve estar desvinculado de qualquer igreja ou religião.
Tanto o juízo de primeiro grau quanto o TRF-3 rejeitaram o pedido, considerando que a presença desses símbolos reafirma a liberdade religiosa e o respeito a aspectos culturais da sociedade brasileira.
O MPF, então, interpôs RE ao Supremo, que confirmou o entendimento das instâncias ordinárias.
O Conselho Nacional de Justiça tem entendimento de que os símbolos religiosos são manifestações da cultura e da tradição. Além disso, a Constituição Federal protege a liberdade religiosa, sua manifestação e seu livre exercício, e proíbe a discriminação por motivos de crença ou convicção filosófica.
Tema 1.086 do STF: “A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade”.
A Constituição, de fato, indica a República Federativa do Brasil como um país laico. Ou seja, existe uma separação entre Estado e Religião, permitindo uma ampla liberdade religiosa.
A laicidade ganha força a partir do Iluminismo, que reforçou a necessidade da separação entre o Poder Público e a Igreja. Essa mistura entre fé e estado foi muito comum no absolutismo, e não trouxe bons frutos para a humanidade.
Benefícios trazidos pela laicidade:
- Assegura liberdade religiosa;
- Assegura tratamento igualitário entre as pessoas;
- Assegura autonomia individual;
- Assegura a pluralidade de pensamento e crença.
Mas a laicidade não significa que o Estado não possa dialogar ou firmar parcerias com a igreja. O que é vedado pela Constituição é a adoção de uma religião oficial, o favorecimento a uma igreja específica, a dependência e a vinculação a uma religião.
Aliás, importante não confundir laicidade com laicismo!
LAICIDADE | LAICISMO |
Não há uma relação de dependência ou favorecimento entre o Estado e uma religião específica, mas há garantia à liberdade religiosa, e há possibilidade de fomenta às diversas religiões. | Pensamento ideológico em que a religião é vista de forma negativa, pejorativa, devendo ser totalmente desconsiderada pelo Estado. É marcado pela intolerância religiosa e por medidas autoritárias. |
Ótimo tema para provas de direito constitucional!