OAB aprova diretrizes para o uso ético e eficiente da inteligência artificial generativa na advocacia.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
O que foi aprovado na OAB?
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil acaba de aprovar uma série de recomendações sobre o uso da inteligência artificial generativa na prática da advocacia.
O documento foi elaborado pelo Observatório Nacional de Cibersegurança, Inteligência Artificial e Proteção de Dados da OAB Nacional.
As recomendações da OAB se fundamentam em quatro pilares (diretrizes), a saber:
Legislação aplicável:
A IA deve ser utilizada em conformidade com o ordenamento jurídico, em especial: o Estatuto da OAB, o Código de Ética da OAB, a Lei Geral de Proteção de Dados e o Código de Processo Civil.
Confidencialidade e Privacidade:
Ao incluir informações e dados em sistema de IA, o advogado deve prezar pela observância da confidencialidade e sigilo profissional, passando pela diligência na escolha da empresa responsável pela tecnologia.
Importante deixar claro que a utilização de chatbots (assistentes virtuais de atendimento) não deve incluir atividades privativas da advocacia.
Prática Jurídica Ética:
O advogado deve garantir o uso ético da ferramenta, de modo que o julgamento profissional não seja realizado pela IA sem supervisão humana.
Em relação ao levantamento de jurisprudência e legislação, o advogado deve especial atenção aos deveres de veracidade e boa-fé, previstos no artigo 77, do CPC.
Comunicação sobre o uso da IA:
O advogado deve ser transparente com seu cliente quanto ao uso da IA generativa em seu processo, podendo se utilizar de avisos, contratos, e-mail.
O grande objetivo da tecnologia é aprimorar, qualificar o serviço de advocacia que é prestado, e não substituir o advogado, que é, como ressalta a própria Constituição Federal, em seu artigo 133, indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
Inteligência Artificial Generativa
Mas você sabe o que significa essa IA generativa? De forma simples, podemos dizer que:
A inteligência artificial generativa, também conhecida como “gen AI”, é uma tecnologia (tipo de inteligência artificial) que pode criar novos conteúdos e ideias, incluindo músicas, imagens, vídeos, petições, conversas, histórias, após passar por um treinamento a partir de uma base de dados. Ela pode aprender linguagem humana, linguagens de programação ou qualquer assunto complexo.
O grande traço que torna a IA generativa tão poderosa é que ela vai “aprendendo”, evoluindo à medida que ela vai interagindo com o usuário, sem necessidade de uma programação humana específica nesse sentido.
Uma estimativa da Goldman Sachs indica que a IA generativa poderia impulsionar um aumento de 7% (ou quase 7 trilhões de dólares) no produto interno bruto (PIB) global e elevar o crescimento da produtividade em 1,5 ponto percentual em dez anos.
Mas afinal, como essa tecnologia é treinada?
Quando a IA dá uma resposta que não corresponde à realidade, ou quando não se enquadra no comando dado pelo ser humano, os desenvolvedores enviam um feedback com uma bandeira vermelha para a assimilação da falha. Quando a resposta é correta, é enviada uma mensagem positiva de acerto, que também é incorporada ao modelo, e a partir desse sistema de resposta-feedback, a IA vai se tornando cada vez mais assertiva.
A IA generativa mais conhecida, e muito utilizada no meio jurídico, é o ChatGPT.
Muitos escritórios e inúmeros advogados têm se utilizado do ChatGPT para criar petições, em especial naquelas demandas de massa, buscar jurisprudência relevante, além de legislação atualizada e pertinente.
Portanto, os ganhos são enormes não só para a área jurídica, mas também em outras áreas, como na medicina, onde diagnósticos poderiam ser dados com base nessa tecnologia.
IA já é usado no Sistema de Justiça
A Advocacia Geral da União (AGU) adotou um novo software de inteligência artificial desenvolvido pela Microsoft, com o objetivo de aprimorar suas atividades jurídicas e de produção textual. Essa ferramenta é a mesma que fornece serviços para a OpenAI (criadora do ChatGPT). Foram destinados 25 milhões de reais para a aquisição (em créditos suplementares do Ministério do Planejamento).
Segundo informações do Governo Federal, o novo sistema atuará de forma integrada com Sistema AGU de Inteligência Jurídica – Sapiens, que é o sistema já utilizado pela AGU.
Mas o que essa inteligência artificial irá fazer? Existem três eixos básicos de atuação em que a Advocacia-Geral da União pretende focar:
- Triagem de processos: A ferramenta aprimorará a capacidade de identificar rapidamente as características das peças jurídicas, além de fornecer sugestões de modelos e teses para os servidores.
- Produção textual: A IA será utilizada para criar resumos e auxiliar na elaboração de manifestações, empregando a vasta base de dados já existente na AGU.
- Jurimetria: O software também realizará levantamentos estatísticos e análises de dados, contribuindo para uma gestão mais eficiente das informações.
Essa utilização de bots (robôs virtuais) para o auxílio de funções no sistema de justiça também já é feita pelo Supremo Tribunal Federal. Lá, já existem 3 desses robôs: o Victor, a Rafa e a Victória.
Victor: Robô utilizado desde 2017 para análise de temas de repercussão geral na triagem de recursos recebidos de todo país;
Rafa: Robô desenvolvida para integrar a Agenda 2030 da ONU ao STF, por meio da classificação dos processos de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas; e
Victória: Robô que amplia o conhecimento sobre o perfil dos processos recebidos no STF e permite o tratamento conjunto de temas repetidos ou similares. A ferramenta identifica, no acervo de processos do Tribunal, os que tratam do mesmo assunto e os agrupa automaticamente. Assim, é possível identificar, com mais agilidade e segurança, por exemplo, processos aptos a tratamento conjunto ou que podem resultar em novos temas de repercussão geral.
Ganhos e Desafios da Inteligência Artificial Generativa
Ganhos
Os que defendem a utilização da inteligência artificial destacam que a ferramenta é essencial, nos dias de hoje, para garantir celeridade (razoável duração do processo) e segurança jurídica, e chamam a atenção para os seguintes benefícios:
- Agilização da análise processual;
- Economia de tempo;
- Economia de recursos;
- Segurança jurídica através da uniformização dos julgados;
- Mapeamento mais eficaz dos processos existentes;
- Maior capacidade de planejamento.
Desafios
Apesar do enorme potencial da IA generativa, não podemos deixar de apontar os desafios que se apresentam.
Os que criticam a utilização dos robôs temem que estejamos criando uma ditadura dos algoritmos, causando injustiças ao não analisar, de forma detida, o caso específico em seus detalhes diferenciadores. Teríamos, portanto, os seguintes problemas a serem enfrentados:
- Perigo de inobservância do devido processo legal;
- Falta de análise detida sobre pontos que são suficientes para caracterizar o distinguish do caso com o paradigma, jogando o processo para a vala comum, mesmo não sendo esta a melhor solução;
- Risco de relativização do jus postulandi dos advogados (confecção de peças sem a necessidade de um advogado);
- Sucateamento da profissão de advogado;
- A justiça seria guiada por algoritmos, e não por pessoas;
- Falta de uma legislação processual totalmente adaptada à utilização dos bots;
- Dificuldade de saber o posicionamento jurídico de determinado juiz, desembargador, ministro ou órgão colegiado;
- Cometimento de injustiças pontuais;
- Criação de uma justiça mecanizada, no estilo linha de produção.
Se, de um lado, a utilização dos bots no sistema de justiça é um caminho sem volta, especialmente em virtude do aumento da litigiosidade repetitiva, que abarrota os tribunais e eternizam o trâmite processual, do outro, a ferramenta precisa ser concebida, utilizada e fiscalizada de forma a evitar que fiquemos sujeitos a uma ditadura dos algoritmos, presos em um sistema mecanizado de justiça, sem levar em consideração os detalhes e circunstâncias específicas que distinguem os casos uns dos outros.
Ótimo tema para provas de ética, processo civil e para o exame da Ordem.
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