Uso de celular por jurado leva à anulação do julgamento: entenda a decisão judicial e seus impactos sobre a conduta dos jurados.
* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STJ – Anulação do Júri
O Superior Tribunal de Justiça, por meio de sua 5ª Turma, manteve a nulidade de um julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, em razão do uso de celular por um dos jurados durante a sustentação oral da defesa, na fase de tréplica.
O caso chegou ao STJ por meio do AREsp 2.704.728, de relatoria do ministro Messod Azulay Neto.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais anulou o julgamento realizado pelo Tribunal do Júri, por reconhecer violação ao princípio da incomunicabilidade dos jurados – uma das garantias fundamentais do procedimento do Júri, previsto na Carta Magna.
Princípio da incomunicabilidade dos jurados

O grande objetivo do princípio da incomunicabilidade dos jurados é garantir a imparcialidade e a independência da decisão dos jurados, impedindo que sejam influenciados por fatores externos ou por opiniões de terceiros, assegurando uma decisão justa.
Podemos afirmar, portanto, que o princípio da incomunicabilidade é fundamental para o bom funcionamento do Tribunal do Júri e para garantir a justiça do julgamento. Ele decorre da garantia constitucional do sigilo das votações, que visa assegurar que os jurados decidam de acordo com a sua livre convicção íntima, sem serem influenciados por terceiros ou por outros jurados.
Em resumos, temos:
Objetivos da Incomunicabilidade dos jurados
- Preservar a imparcialidade;
- Garantir a independência;
- Manter a segurança da decisão;
- Assegurar uma decisão justa.
O fundamento constitucional da incomunicabilidade dos jurados encontra-se no artigo 5º, XXXVIII, b, da CF/88, já que decorre diretamente do sigilo das votações.
Art. 5º ... XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: a) a plenitude de defesa; b) o sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos; d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (CF/88)
No código de processo penal, encontramos a previsão no artigo 466, §§1º e 2º, cujo desrespeito pode gerar exclusão do jurado, multa e até a anulação do julgamento.
Art. 466. Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o juiz presidente esclarecerá sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades constantes dos arts. 448 e 449 deste Código. § 1º O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436 deste Código. § 2º A incomunicabilidade será certificada nos autos pelo oficial de justiça. (CPP)
No caso que chegou ao Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público não concordou com a decisão do TJ-MG, e interpôs recurso especial, o qual foi inicialmente barrado, levando o parquet a apresentar agravo no recurso especial.
Mas qual foi o fundamento do pedido do promotor?
O MP sustentou que a nulidade decorrente do uso do celular seria extemporânea – tratando-se de uma nulidade de algibeira – e que não houve demonstração de prejuízo concreto à plenitude de defesa do acusado durante o julgamento.
Nulidade de Algibeira
A nulidade de algibeira, também conhecida como uma espécie de nulidade oportunista, ocorre quando a defesa deixa de arguir uma nulidade processual no momento em que é detectada, para apresentá-la posteriormente, por critérios de oportunidade e de conveniência, e em situação processual que lhe seja mais favorável.
Os Tribunais não toleram, em regra, a nulidade de algibeira, sob o fundamento de que o arguente estaria usando de malícia ao não invocar a nulidade na primeira oportunidade, guardando a tese como um trunfo processual.
"A jurisprudência dos Tribunais Superiores não tolera a chamada 'nulidade de algibeira' - aquela que, podendo ser sanada pela insurgência imediata da defesa após ciência do vício, não é alegada, como estratégia, numa perspectiva de melhor conveniência futura" (AgRg no RHC 170.700/PE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 27/9/22, DJe de 4/10/22).
Eventuais nulidades ocorridas durante a sessão de julgamento pelo tribunal do júri devem ser indicadas pela parte interessada logo que acontecerem, com o respectivo registro em ata, sob pena de preclusão. Inteligência do artigo 571, VIII, do CPP.
Mas esse entendimento jurisprudencial deve ser aplicado com cautela, haja vista que as nulidades absolutas – aquelas que não se convalidam com o transcurso do prazo legal – podem ser arguidas em qualquer momento processual, mesmo após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Portanto, a nulidade de algibeira não alcança as nulidades absolutas, que não se convalidam e podem ser alegadas a qualquer tempo.
O relator do caso no Superior Tribunal de Justiça destacou que a utilização do aparelho celular por jurado durante a tréplica da defesa constitui violação direta à regra da incomunicabilidade, essencial para a imparcialidade do julgamento.
Imagens captadas pela defesa comprovaram a conduta do jurado, afastando a tese ministerial de mera alegação.
Segundo Azulay Neto,
“a incomunicabilidade dos jurados constitui garantia fundamental do Tribunal do Júri, diretamente relacionada à imparcialidade e à independência dos julgadores leigos”.

O uso prolongado do celular em momento crítico do julgamento comprometeria, portanto, a plenitude de defesa, sendo o prejuízo presumido.
Em relação à necessidade de demonstração de efetivo prejuízo, conforme previsto no artigo 563, do CPP, embora seja regra geral no processo penal, a jurisprudência tem reconhecido que, em determinadas hipóteses, o prejuízo é presumido, como no caso da incomunicabilidade dos jurados, que fragiliza a imparcialidade e a independência dos julgadores leigos.
Ademais, é impossível aferir com precisão o conteúdo das eventuais comunicações realizadas pelo jurado através do celular, sendo razoável presumir que o acesso à internet ou a aplicativos de mensagens durante o julgamento pode ter influenciado sua convicção.
A incomunicabilidade visa justamente preservar a formação do convencimento dos jurados com base exclusivamente nos elementos apresentados em plenário.
A arguição de nulidade de algibeira foi afastada, haja vista que a defesa manifestou a inconformidade de forma imediata e formal, inclusive com registro em ata e prova videográfica da infração.
Ótimo tema para provas de direito processual penal.
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