Tributação de prêmios internacionais: o caso Ramon Dino – pagará zero de Imposto de Renda no Brasil

Tributação de prêmios internacionais: o caso Ramon Dino – pagará zero de Imposto de Renda no Brasil

Veja só, imagine que você acabou de vencer a competição mais importante da sua carreira profissional, realizada nos Estados Unidos, e recebeu um prêmio de cem mil dólares.

Dessa forma, você está celebrando quando, de repente, vê milhões de pessoas nas redes sociais dizendo que o governo brasileiro vai tomar quase trinta por cento desse valor em impostos, além do que os Estados Unidos já tinham descontado.

Foi exatamente isso que aconteceu com Ramon Dino após sua vitória no Mr. Olympia 2025.

Por exemplo, veja o que se noticiou “falsamente” e vamos entender:

Afinal, quanto Ramon Dino pagará em impostos?

Governo Lula abocanha R$ 151 mil do prêmio de Ramon Dino, campeão do Mr. Olympia, com imposto de 27,5%

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Ou seja, uma publicação viral alegou que “o governo brasileiro cobrará 27,5% em impostos” sobre o prêmio de aproximadamente quinhentos e trinta e oito mil reais do atleta, gerando indignação massiva.

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Mas aqui está o ponto crucial que vamos explorar juntos neste artigo: essa narrativa é fundamentalmente incorreta e revela uma incompreensão profunda sobre como funciona a tributação de rendimentos obtidos no exterior.

Ora, mais do que simplesmente dizer que a informação estava errada, vamos entender passo a passo por que estava errada, como o sistema realmente funciona e, principalmente, por que Ramon Dino não pagará nenhum centavo adicional ao governo brasileiro sobre esse prêmio específico…

Primeira lição: entendendo o conceito de residência fiscal

Antes de falar sobre impostos, precisamos entender um conceito fundamental que muitas pessoas desconhecem: residência fiscal.

Ora, pense na residência fiscal como sua “casa tributária”.

Diante disso, mão é necessariamente onde você mora fisicamente neste exato momento, mas sim o país ao qual você está vinculado para fins de pagamento de impostos sobre sua renda global.

Isto é, no Brasil, a legislação estabelece critérios objetivos para determinar se você é residente fiscal aqui.

Logo, se você mora habitualmente no Brasil ou permanece no país por mais de cento e oitenta e três dias ao longo de doze meses, considera-se que você é residente fiscal brasileiro.

Veja, Ramon Dino, apesar de ter competido nos Estados Unidos, mantém sua residência habitual no Brasil, portanto é residente fiscal brasileiro.

Agora vem a parte que surpreende: quando você é residente fiscal do Brasil, você deve declarar e pagar impostos sobre todos os seus rendimentos, não importa em qual país do mundo você os tenha recebido.

Esse princípio chama-se tributação em bases universais conforme a jurisprudência:

“(...)VII. Desenvolver as atividades de fiscalização concernentes à tributação em bases universais, movimentação de recursos no exterior, operações de remessas internacionais consubstanciadas em operações de câmbio e de transferências internacionais em moeda nacional, e demais transações de conexão com o exterior com impacto tributário. Assim, tendo em vista o objeto do presente mandado de segurança, qual seja, a não tributação sobre as remessas de valores realizadas para empresas localizadas no exterior, constata-se que o derat não possui legitimidade para figurar no polo passivo do feito. (...)

TRF 3ª R.; ApCiv 0010000-14.2016.4.03.6100; Sexta Turma; Rel. Des. Fed. Luiz Alberto de Souza Ribeiro; Data 04/11/2024)
“(...)A impossibilidade de o imposto pago ou retido no exterior sem considerar o limite do imposto devido decorre das regras que norteiam a legislação de Tributação em Bases Universais (TBU), que não podem redundar na hipótese de um País ser obrigado a restituir imposto pago em outra jurisdição. ESTIMATIVAS COMPENSADAS. DECLARAÇÃO DE COMPENSAÇÃO NÃO HOMOLOGADA. POSSIBILIDADE. As estimativas compensadas, ainda que não homologadas ou pendentes de homologação, devem ser consideradas no cômputo do saldo negativo, Súmula CARF nº 177. Assunto: Processo Administrativo Fiscal Ano-calendário: 2012 NULIDADE DO LANÇAMENTO. INEXISTÊNCIA. Não se vislumbra hipóteses de nulidade, prevista no art. 59 do PAF, quando o Relatório Fiscal e os respectivos os anexos que instruem o Auto de Infração, permitem a compreensão plena das infrações imputadas, de tal forma que é possível a apresentação de impugnação e recurso voluntário de forma detalhada e extremamente abrangente sobre todos os aspectos que envolvem a exigência fiscal. NULIDADE DA DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA POR INOVAÇÃO DE CRITÉRIO JURÍDICO. INEXISTÊNCIA. Inexiste vício por inovação de critério jurídico e, por consequência, preterição do direito de defesa quando a autoridade julgadora de primeira instância aprofunda na análise sobre as condições para aproveitamento do imposto pago ou retido no exterior, que foram objeto de glosa pela autoridade responsável pelo lançamento, em especial, quando se está a verificar as condições previstas no art. 26 da Lei nº 9.249, de 1995, que condiciona a compensação à incidência do imposto de renda no Brasil sobre os respectivos lucros, rendimentos e ganhos de capital. NULIDADE DA DECISÃO DE PRIMEIRA INSTÂNCIA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. O fato de o sujeito passivo ter uma maior predileção para desenvolver uma extensa argumentação, não considerados como relevantes pela autoridade julgadora não são causa de nulidade. Ver cada um de seus argumentos abordados, em uma relação direta de argumento e motivação da decisão, nada mais é que um ato de vontade do signatário da reclamação administrativa, mas que, todavia, não se configura como requisito de validade do ato decisório. O julgador administrativo não está obrigado a responder todos os argumentos da defesa se já expôs motivo suficiente para fundamentar a sua decisão sobre as matérias em litígio. Não há que se falar em nulidade da decisão de primeira instância quando essa atende aos requisitos formais previstos no art. 31 do Decreto nº 70.235, de 1972, e inexistente as hipóteses de nulidade previstas no art. 59 do mesmo diploma legal. (CARF; RVol 13884.722012/2015-27; Ac. 1301-007.818; Rel. Cons. Iagaro Jung Martins; Julg. 31/07/2025; DOU 25/08/2025)

Assim, a Instrução Normativa SRF 208/2002 deixa isso absolutamente claro ao estabelecer que rendimentos recebidos de fontes no exterior estão sujeitos à tributação “transferidos ou não ao País”.

Em outras palavras, o que gera a obrigação de pagar imposto não é a entrada física do dinheiro no território brasileiro, mas sim o fato de você, como residente fiscal brasileiro, ter recebido aquele rendimento.

Assim, o fato gerador, termo técnico que significa o evento que dá origem à obrigação tributária, é o recebimento, não a remessa.

Segunda lição: o que acontece com o dinheiro antes mesmo de chegar ao atleta

Aqui está um ponto que a publicação viral simplesmente ignorou por completo, e essa omissão mudou a narrativa.

Vamos entender o que acontece nos Estados Unidos quando um estrangeiro recebe um prêmio lá.

Você pode ver mais informações aqui:

Imposto sobre prêmio de Ramon Dino é retido nos EUA e compensado no Brasil

Seguinte, o Internal Revenue Service, que é o equivalente americano da nossa Receita Federal, possui regras específicas para rendimentos pagos a pessoas que não são residentes fiscais dos Estados Unidos.

Logo, a Publicação 515 do IRS estabelece um sistema chamado “withholding tax”, que podemos traduzir como retenção na fonte. Imagine o seguinte cenário: a organização do Mr. Olympia tem na mão cem mil dólares para pagar ao campeão.

Antes de transferir esse dinheiro para Ramon Dino, ela é obrigada por lei a separar trinta por cento desse valor e enviar diretamente ao governo federal americano como pagamento antecipado de imposto de renda. Somente depois dessa retenção é que o restante vai para a conta do atleta.

Portanto, dos cem mil dólares brutos do prêmio, trinta mil dólares foram retidos e pagos ao Tesouro americano, e Ramon Dino efetivamente recebeu setenta mil dólares líquidos em sua conta.

Para ficar mais claro em reais, considerando a cotação noticiada de aproximadamente cinco reais e trinta e oito centavos por dólar, o prêmio bruto era de quinhentos e trinta e oito mil reais. Contudo, foram retidos cerca de cento e sessenta e um mil reais nos Estados Unidos, restando aproximadamente trezentos e setenta e sete mil reais líquidos.

Imposto de renda estadual

Existe ainda um detalhe técnico relevante: o Mr. Olympia 2025 aconteceu em Las Vegas, que fica no estado de Nevada. Nos Estados Unidos, além do imposto federal, muitos estados também cobram imposto de renda estadual. Porém, Nevada é um dos poucos estados americanos que não cobra imposto de renda de ninguém, seja americano ou estrangeiro.

Isso significa que a única retenção sobre o prêmio de Ramon foi a federal de trinta por cento, sem nenhum acréscimo estadual.

Terceira lição: o mecanismo que evita você pagar imposto duas vezes sobre o mesmo dinheiro

Agora chegamos ao coração da questão, ao ponto que desfaz completamente a narrativa enganosa que circulou nas redes sociais.

Vamos raciocinar juntos: se Ramon Dino já pagou trinta por cento de imposto nos Estados Unidos e agora, como residente fiscal brasileiro, tem que declarar esse mesmo rendimento no Brasil onde a alíquota máxima é de 27,5%, isso não significaria que ele pagaria imposto duas vezes sobre o mesmo dinheiro?

E mais, não significaria uma carga tributária total de absurdos 57,5%?

A resposta é não, e é aqui que entra um mecanismo tributário chamado compensação ou crédito de imposto pago no exterior.

Vamos entender esse conceito com uma analogia simples. Imagine que você deve cinquenta reais para uma pessoa.

Você já pagou trinta reais adiantados. Quando chegar o momento de acertar as contas, você não vai pagar outros cinquenta reais; você vai pagar apenas os vinte reais restantes, porque os trinta já pagos terão abatimento da dívida total.

O mecanismo de compensação de imposto funciona exatamente assim.

Ora, o Brasil reconhece que você já pagou imposto nos Estados Unidos sobre aquele rendimento específico e permite que você deduza esse valor do imposto que seria devido aqui. Mas existe uma regra importante de limite: você só pode abater até o valor do imposto brasileiro calculado sobre aquele mesmo rendimento. Se você pagou mais imposto lá fora do que pagaria aqui, o excedente não será restituído pela Receita Federal brasileira.

Reciprocidade de tratamento

Agora você pode estar pensando: “Mas Brasil e Estados Unidos não têm um tratado para evitar bitributação? Como isso funciona sem tratado?” 

Excelente pergunta, e a resposta nos leva a um conceito chamado reciprocidade de tratamento.

Embora não exista um acordo formal assinado entre os dois países especificamente sobre imposto de renda de pessoas físicas, a Receita Federal reconhece oficialmente, através do Ato Declaratório SRF 208/2002, que existe reciprocidade entre Brasil e Estados Unidos.

Isso significa que os Estados Unidos permitem que americanos compensem impostos pagos no Brasil, e o Brasil retribui permitindo que brasileiros compensem impostos pagos nos Estados Unidos.

É uma via de mão dupla estabelecida administrativamente, mesmo sem tratado formal.

A Receita Federal deixa isso absolutamente claro em seu manual oficial de Perguntas e Respostas do Imposto de Renda 2024, afirmando textualmente que, no caso de impostos pagos nos Estados Unidos sobre premiações, poder haver compensação do imposto pago lá com o imposto devido no Brasil.

Inclusive, o Ministério da Fazenda reforçou esse entendimento em suas FAQs oficiais sobre rendimentos no exterior, citando nominalmente os Estados Unidos como país para o qual há reciprocidade reconhecida:

Tributação de renda auferida por pessoas físicas no exterior em aplicações financeiras, empresas offshore e trusts

Quarta lição: fazendo as contas reais do caso Ramon Dino

Vamos agora aplicar tudo que aprendemos até aqui em um cálculo prático e concreto.

Acompanhe cada passo, porque é nesse cálculo que fica evidente o tamanho da distorção da publicação viral.

Primeiro passo: calcular quanto seria o imposto brasileiro sobre quinhentos e trinta e oito mil reais.

O Brasil usa uma tabela progressiva, ou seja, alíquotas diferentes para faixas diferentes de renda, mas para valores tão elevados, a alíquota efetiva fica muito próxima da máxima de 27,5%.

Simplificando o cálculo, o imposto brasileiro sobre esse valor seria de aproximadamente cento e quarenta e oito mil reais.

Segundo passo: verificar quanto já foi pago nos Estados Unidos. Como vimos, foram retidos trinta por cento, ou seja, aproximadamente cento e sessenta e um mil reais quando convertemos os trinta mil dólares para nossa moeda.
Terceiro passo: aplicar a compensação.

Ramon Dino tem direito a deduzir os cento e sessenta e um mil reais já pagos nos Estados Unidos do imposto de cento e quarenta e oito mil reais que seria devido no Brasil.

Mas aqui entra a regra do limite que explicamos: ele só pode deduzir até o valor do imposto brasileiro.

Como o imposto pago nos Estados Unidos (cento e sessenta e um mil reais) é maior que o imposto brasileiro (cento e quarenta e oito mil reais), a dedução fica limitada a esses cento e quarenta e oito mil reais.

Resultado final: Imposto brasileiro calculado de cento e quarenta e oito mil reais, menos crédito de cento e quarenta e oito mil reais já pagos nos Estados Unidos, igual a zero reais de imposto adicional a pagar no Brasil.

Leia novamente esse resultado, porque ele é crucial: Ramon Dino não pagará nenhum centavo adicional de imposto de renda ao governo brasileiro sobre esse prêmio específico do Mr. Olympia.

Zero de Imposto de Renda no Brasil

O que sobra é um excedente de aproximadamente treze mil reais, que é a diferença entre os trinta por cento pagos nos Estados Unidos e os 27,5% que seriam devidos no Brasil.

A Receita Federal brasileira não restitui esse excedente, mas também não há nenhuma cobrança adicional.

Compare isso com a narrativa da publicação viral que dizia que “o governo brasileiro cobrará 27,5% em impostos e deve arrecadar cerca de R$ 151.250”.

Assim, essa afirmação criou a impressão de que Ramon perderia cento e cinquenta e um mil reais para o Fisco brasileiro, além dos cento e sessenta e um mil já retidos nos Estados Unidos, totalizando uma perda de mais de trezentos mil reais em impostos.

A realidade é que a perda total foi de cento e sessenta e um mil reais, todos retidos nos Estados Unidos, sem nenhum pagamento adicional ao Brasil.


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