Transmissão dolosa de HIV por “Carimbadores”: Análise jurídica
Transmissão dolosa de HIV por “Carimbadores”: Análise jurídica

Transmissão dolosa de HIV por “Carimbadores”: Análise jurídica

A Transmissão Dolosa do Vírus HIV por “Carimbadores” como Crime de Lesão Corporal Gravíssima: Análise Jurisprudencial e Doutrinária”.

Transmissão dolosa de HIV por "Carimbadores": Análise jurídica
Transmissão dolosa de HIV por “Carimbadores”: Análise jurídica

Este artigo aborda a configuração da transmissão dolosa do vírus HIV como crime de lesão corporal gravíssima, conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a doutrina jurídica.

Primeiramente, vamos entender como o caso ocorreu através da notícia disponibilizada em site jornalístico:

‘Carimbadores’: segundo suspeito de abusar sexualmente de crianças para transmitir HIV é preso em Manaus

Segundo a Polícia Civil do Amazonas, ele e outro suspeito, que se entregou à polícia, compartilhavam informações sobre praticar as relações sexuais de forma desprotegida com o objetivo de transmitir o vírus.

O segundo suspeito de abusar sexualmente de crianças e transmitir o vírus do HIV propositalmente foi preso pela Polícia Civil, nesta quinta-feira (13). Segundo a Polícia Civil do Amazonas, ele e outro suspeito, que se entregou à polícia na quarta-feira (12), compartilhavam informações sobre praticar as relações sexuais de forma desprotegida com o objetivo de transmitir o vírus.

A prisão dele foi confirmada pela Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca) e aconteceu por volta de 10h, na casa de um pastor, no bairro Nova Cidade, Zona Norte de Manaus.

O pastor vai responder pelo crime de favorecimento pessoal, já que o suspeito era considerado foragido e estava sendo escondido na casa dele.

Prisão dos suspeitos

Os dois já haviam sido presos suspeitos de cometerem os crimes em maio. Eles foram soltos no fim de semana, após a Polícia Civil do Amazonas esquecer o prazo do fim da prisão da dupla. Um novo pedido de detenção preventiva foi apresentado nesta terça-feira (11) e o suspeito se entregou durante a madrugada.

Na época, segundo a então titular da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (Depca), Joyce Coelho, as investigações tiveram início há dois anos após uma denúncia anônima saída de uma assistência técnica de celulares. O denunciante informou a equipe que em um aparelho celular havia uma conversa entre dois homens que admitiam a prática de estupros e abusos.

“Na época a gente não pôde concluir a investigação, porque o celular não foi encontrado para ser apreendido. O que havia eram alguns prints que a suposta assistência técnica teria feito”, relembrou a delegada, na época.

Joyce Coelho também contou que as investigações foram retomadas em dezembro de 2023, após a Polícia Federal receber a mesma denúncia. Logo em seguida, ao intensificar as averiguações, a polícia conseguiu identificar os dois homens.

A polícia também identificou que os suspeitos, em trocas de mensagens, compartilhavam conteúdo pornográfico, além das informações sobre os abusos sexuais que teriam praticado contra crianças, com o intuito de transmitir o vírus HIV ou Aids (PVHA).

“Tudo indica que essas conversas, esses grupos, realmente são feitos a partir do aparelho celular. Então, essa operação foi bastante exitosa, inclusive no sentido de confirmar a autoria dos fatos. Eles de fato são os interlocutores dessas conversas”, afirmou a titular da Depca.

A delegada contou ainda que foi identificado um “modus operandis” da dupla, que compartilhavam informações sobre as preferências.

“Com o decorrer dessa investigação, poderemos identificar vítimas, uma vez que no teor dessas conversas, eles falavam a sua preferência por crianças, quanto mais nova, melhores, inclusive abordagens que poderiam ser feitas em locais públicos ou privados, inclusive em banheiros de shoppings”, destacou Joyce Coelho.

A transmissão dolosa do vírus HIV tem sido objeto de intenso debate no campo jurídico, especialmente no que tange à sua tipificação penal.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem consolidado o entendimento de que tal conduta configura crime de lesão corporal gravíssima, conforme previsto no artigo 129, § 2º, II, do Código Penal Brasileiro.

Este artigo visa analisar a fundamentação jurisprudencial e doutrinária que embasa essa interpretação.

O STJ tem reiteradamente decidido que a transmissão dolosa do vírus HIV deve ser enquadrada como lesão corporal gravíssima, dado o caráter incurável da doença e as severas consequências à saúde da vítima.

Em um dos acórdãos paradigmáticos, o STJ asseverou que “a transmissão consciente e deliberada do HIV a outrem constitui lesão corporal gravíssima, ante a potencialidade lesiva e a inexorabilidade da moléstia” (BRASIL, STJ, HC 111.627/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., j. 26/04/2011, DJe 11/05/2011).

Diversos doutrinadores corroboram a tese de que a transmissão dolosa do HIV configura crime de lesão corporal gravíssima. Mirabete (2009) destaca que “a gravidade da lesão causada pelo HIV, considerando-se a incurabilidade e os impactos devastadores sobre a vida do indivíduo, justifica o enquadramento no inciso II do § 2º do artigo 129 do Código Penal” (p. 157).

No mesmo sentido, Greco (2017) afirma que “a conduta dolosa de transmitir o HIV atinge a integridade física de maneira irreversível, configurando-se como lesão corporal gravíssima” (p. 234).

Os doutrinadores destacam aspectos essenciais para a caracterização do dolo e da gravidade da lesão.

Segundo Nucci (2018), “para a configuração do dolo, é necessário que o agente tenha a intenção deliberada de transmitir o vírus, ou assuma o risco de fazê-lo, sabendo da gravidade da sua conduta” (p. 289).

Capez (2019) complementa que “a irreversibilidade da doença e os sofrimentos causados justificam a classificação como lesão corporal gravíssima, alinhando-se ao entendimento jurisprudencial” (p. 305).

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº 111.627/SP. Relatora: Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 6ª Turma. Julgado em 26 abr. 2011. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 11 maio 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2019.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Impetus, 2017.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2009.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018.

A transmissão dolosa do vírus HIV não configura o delito previsto no art. 130 do Código Penal brasileiro, que trata do perigo de contágio de moléstia venérea.

Este artigo estabelece que expor alguém ao contágio de moléstia venérea, sabendo estar contaminado, resulta em pena de detenção de três meses a um ano, ou multa. Caso haja a intenção de transmitir a moléstia, a pena aumenta para reclusão de um a quatro anos, além de multa.

É importante ressaltar que não prevalece a tese da aplicação do artigo 130 do Código Penal no caso da transmissão do HIV, uma vez que o vírus não é transmitido apenas por relação sexual, mas também pelo uso compartilhado de seringas ou por transfusão de sangue.

Essa diversidade de formas de transmissão reforça a necessidade de enquadrar a conduta em tipos penais que abarquem todas as possibilidades de contágio e que refletem melhor a gravidade da doença (MIRABETE & FABBRINI, 2011)​​​​.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial (art. 121 ao 361). 12. ed. Salvador: JusPODIVM, 2020.

SEGUNDO, Luiz Carlos Furquim Vieira. Crimes contra a vida. São Paulo: Memória Jurídica, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal: Volume II. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

Projeto de Lei n.º 1971/2015. Altera o art. 131 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Câmara dos Deputados, 2015.

STJ – Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.760.943-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 19/03/2019.

Vamos continuar nossa análise jurídica acerca da transmissão dolosa de HIV por “Carimbadores”.

A transmissão do vírus HIV não configura, necessariamente, o crime previsto no Art. 131 do Código Penal Brasileiro, que prevê:

“Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa”.

Essa distinção é feita com base na interpretação de elementos específicos do tipo penal, bem como pela jurisprudência e doutrina.

“Para a configuração do delito do art. 131 do Código Penal, exige-se a intenção de transmitir a moléstia grave. A mera possibilidade de contágio não é suficiente; deve-se provar que o agente atuou com dolo específico, isto é, com a vontade deliberada de transmitir a doença.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 16. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 497).

A jurisprudência real também reforça a necessidade do dolo específico para a configuração do crime do Art. 131 do Código Penal.

“A configuração do delito previsto no art. 131 do CP exige a presença do dolo específico, consistente na intenção do agente de transmitir a moléstia grave. Na ausência de prova inequívoca dessa intenção, não se pode imputar ao réu a prática do crime em questão.” (STJ, HC 98.712/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 6ª Turma, julgado em 23/09/2008, DJe 20/10/2008).

Há propostas legislativas, como o Projeto de Lei 1971/2015, que buscam criar um tipo penal específico para a transmissão proposital do HIV, com penas mais severas.

Este projeto propõe a inclusão de um parágrafo único no artigo 131 do Código Penal, estabelecendo uma pena de reclusão de seis a oito anos e multa para a transmissão intencional do vírus​​.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 16. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 497.

Superior Tribunal de Justiça. HC 98.712/SP. Relator: Min. Og Fernandes. Julgado em: 23 de setembro de 2008. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Pesquisa.aspx.

Na legislação penal brasileira, o termo “moléstia grave” não possui uma definição específica no Código Penal. A classificação de uma doença como grave geralmente depende de sua capacidade de causar sérios danos à saúde ou à vida do indivíduo.

Entendo que estamos diante de uma norma penal em branco, que é aquela que necessita da complementação de outra, para ter eficácia.

A doutrina jurídica, embora não forneça uma lista exaustiva, geralmente considera moléstia grave como uma doença que representa um risco significativo à saúde ou à vida da pessoa. Conforme entendimento de Fernando Capez:

“Moléstia grave é aquela que, por sua natureza, pode causar dano sério à saúde do indivíduo, provocando-lhe risco de vida ou comprometendo gravemente suas funções vitais.” (CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2021).

O Ministério da Saúde não fornece uma definição específica de “moléstia grave” no contexto penal, mas classifica certas doenças como graves ou de notificação compulsória devido ao seu impacto na saúde pública. Exemplos incluem:

  • HIV/AIDS
  • Tuberculose
  • Hepatites virais
  • Meningite
  • Febre amarela

A interpretação de “moléstia grave” é frequentemente feita pelos tribunais com base nas circunstâncias de cada caso, utilizando pareceres médicos. A jurisprudência frequentemente recorre a esses pareceres para determinar se uma doença específica pode ser considerada grave no contexto do Art. 131 do Código Penal.

Como exemplo de jurisprudência sobre o art. 131 do CP, posso citar:

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Criminal nº 0009899-85.2013.8.26.0050. Relator: Des. Francisco Bruno. Julgado em: 15 de agosto de 2017.

“Para a configuração do crime previsto no art. 131 do Código Penal, é necessário que a moléstia seja considerada grave, o que deve ser determinado com base em critérios médicos e na análise do caso concreto.”

Embora não haja uma definição específica de “moléstia grave” na legislação penal ou em regulamentações do Ministério da Saúde, o conceito é interpretado com base em critérios médicos e jurídicos, considerando o impacto da doença na saúde e na vida do indivíduo. A jurisprudência e a doutrina fornecem diretrizes sobre como essa interpretação deve ser feita.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Vol. 2. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Criminal nº 0009899-85.2013.8.26.0050. Relator: Des. Francisco Bruno. Julgado em: 15 de agosto de 2017. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do. Acesso em: 17 jun. 2024.

No passado, havia uma tese jurídica que defendia que a transmissão dolosa do vírus HIV poderia ser caracterizada como crime de tentativa de homicídio.

Essa tese foi amplamente discutida tanto na doutrina quanto na jurisprudência, gerando diversas interpretações sobre a tipificação do ato.

O Supremo Tribunal Federal (STF) teve a oportunidade de se manifestar sobre a questão em algumas ocasiões, sendo emblemática a decisão no HC 98.712/RJ.

Nesta decisão, o STF analisou se a conduta de transmitir intencionalmente o vírus HIV poderia ser enquadrada como tentativa de homicídio.

O Tribunal concluiu que, para se caracterizar a tentativa de homicídio, seria necessário comprovar a intenção inequívoca de matar, o que nem sempre é presente nos casos de transmissão do vírus HIV.

Diversos doutrinadores se posicionaram a favor e contra a tese da tipificação da transmissão dolosa do HIV como tentativa de homicídio. Entre aqueles que defendiam esta tese, destacam-se:

  • Luiz Regis Prado: Em sua obra “Curso de Direito Penal Brasileiro”, Prado argumenta que a transmissão dolosa do HIV, dependendo das circunstâncias, poderia sim ser enquadrada como tentativa de homicídio, especialmente quando há intenção clara de causar a morte da vítima (PRADO, 2011, p. 201-202).
  • Fernando Capez: Em “Curso de Direito Penal”, Capez discute a possibilidade de tipificação da transmissão dolosa do HIV como tentativa de homicídio, afirmando que, embora seja uma tese controversa, é juridicamente plausível se demonstrada a intenção de matar (CAPEZ, 2012, p. 154-156).

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Habeas Corpus nº 98.712/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, 2010. Disponível em: http://www.stf.jus.br. Acesso em: 17 jun. 2024.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012

    Para as provas de concursos públicos, o candidato deve memorizar que a transmissão dolosa do vírus HIV, conforme a jurisprudência do STJ e a doutrina jurídica, configura crime de lesão corporal gravíssima.

    Essa interpretação é fundamentada na gravidade e irreversibilidade da lesão causada, além da intenção ou aceitação do risco por parte do agente.

    A tipificação penal reflete a necessidade de proteção à saúde pública e à integridade física dos indivíduos.

    Portanto, essa foi nossa análise jurídica acerca da Transmissão dolosa de HIV por “Carimbadores”.

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