Tribunal de Justiça de Rondônia garante salário mensal que supera meio milhão de reais

Tribunal de Justiça de Rondônia garante salário mensal que supera meio milhão de reais

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Entenda o que aconteceu

Matéria veiculada no Estadão apontou que o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) pagou a magistrado, em dezembro, salário bruto de mais de meio milhão de reais, e que, depois de deduzidos os descontos obrigatórios, chegou ao montante de R$463 mil.

Esse foi o maior contracheque de dezembro da magistratura em 14 estados e no Distrito Federal.

O salário de dezembro do magistrado acima referenciado, que se aposentou em 2013, teve a seguinte composição:

  • Subsídio-base à R$35,800,00;
  • Adicional por tempo de serviço (ATS) à R$279.400,00;
  • Abono natalino à R$64.000,00;
  • Juros e atualização sobre o ATS à R$141.500,00.

O jornal O Estado de São Paulo fez uma pesquisa com 15 tribunais de todo o país, a saber: Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Piauí, Rondônia, Santa Catarina, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Rio de Janeiro, Roraima, Sergipe e o Distrito Federal.

Nessa pesquisa, constatou-se que 7 magistrados receberam, em dezembro, salários de R$415 mil líquidos. Destes sete, seis integram o Tribunal de Justiça de Rondônia.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), os magistrados de Rondônia são os mais bem pagos do país, mesmo com o estado estando longe de ser o mais rico do Brasil.

De acordo com dados do IBGE de 2023, Rondônia tem uma renda per capta de R$1.523. Esse valor é bem abaixo do estado mais bem ranqueado, que é o Distrito Federal, com renda de R$3.215,00.

Esclarecimentos

O Tribunal de Rondônia esclareceu que as parcelas que acabaram elevando os salários de dezembro dos magistrados referem-se a ATS e outras parcelas indenizatórias.

Salários TJRO

Especificamente em relação ao ATS, fundamental destacar que o CNJ e o Tribunal Pleno Administrativo de Rondônia autorizaram o pagamento, que foi, posteriormente, suspenso pelo Tribunal de Contas da União, e, agora, autorizado novamente por meio de decisão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do ministro Dias Toffoli.

Em fevereiro de 2024, o então corregedor nacional de justiça, o ministro Luís Felipe Salomão, deu início a uma apuração relacionada aos altos salários dos magistrados de Rondônia.

O TJRO responsabilizou o CNJ pela autorização do pagamento do ATS, e o CNJ respondeu que nunca autorizou tal pagamento. A corregedoria nacional de justiça destacou que não autorizou:

“em nenhum momento, o pagamento de ATS aos magistrados vinculados aos Tribunais de Justiça de cada Estado da Federação”. “Não houve – por parte da Corregedoria Nacional de Justiça, naquele momento, autorização de pagamento expressa, e nem mesmo tácita, de Adicional por Tempo de Serviço aos magistrados do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia.”

Mesmo reconhecendo falhas na condução do Tribunal de Rondônia, o corregedor nacional de justiça fez prevalecer a autonomia administrativa do Tribunal local.

Análise jurídica

Teto do funcionalismo público

A Constituição Federal, em seu art. 48, XV, prevê que compete ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, dispor sobre a fixação do subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O salário dos ministros da Suprema Corte corresponde ao teto do funcionalismo público, conforme artigo 37, XI, da CF.

A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos…não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

O valor do teto do funcionalismo está previsto na Lei nº 14.520/2023, que fixou três aumentos anuais:

TETO DO FUNCIONALISMO PÚBLICO

A partir de 1º de abril de 2023R$ 41.650,92
A partir de 1º de fevereiro de 2024R$ 44.008,52
A partir de 1º de fevereiro de 2025R$ 46.366,19

O mesmo artigo 37, XI, da CF, continua prevendo um subteto para a magistratura estadual, correspondente a 90,25% do subsídio dos ministros do STF.

CF/88

Art. 37...

XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;

Ocorre que o STF, na ADI 3.854, deu interpretação conforme ao artigo 37, XI, da CF, para afastar o subteto inferior da magistratura estadual em relação à magistratura federal, sob o argumento de que a estrutura judiciária brasileira é nacional. Portanto, o teto da magistratura estadual é o mesmo dos ministros do STF.

Aliás, é importante observar que as parcelas de caráter indenizatório não se submetem ao teto remuneratório constitucional, como excepciona o artigo 37, §11, da CF/88.

CF/88

Art.37...

§ 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI docaputdeste artigo, as parcelas de caráter indenizatório expressamente previstas em lei ordinária, aprovada pelo Congresso Nacional, de caráter nacional, aplicada a todos os Poderes e órgãos constitucionalmente autônomos.    (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 135, de 2024)

É exatamente este ponto que faz com que juízes e desembargadores, por exemplo, ganhem salários astronômicos, que passam de meio milhão de reais em apenas um mês.

Princípio da moralidade

A Constituição Federal, em seu artigo 37, é clara ao impor ao Poder Público a obediência a uma série de princípios, dentre os quais o da moralidade.

O Brasil é um país com grande desigualdade social e econômica, e com enormes desafios em áreas como saúde, educação, segurança, habitação. Os serviços públicos são mal avaliados pela população e considerados precários pelos usuários. O orçamento público é limitado, e os recursos são escassos.

A alocação dos parcos recursos públicos é, portanto, uma questão que deve ser analisada sob o prisma dos princípios que regem a administração pública.

O país deve caminhar para uma gestão mais ética e democrática dos recursos públicos, que privilegiem uma boa prestação dos serviços públicos prestados aos cidadãos.

Importante frisar que o princípio da moralidade possui autonomia, e sua ofensa ocorre sempre que, embora em conformidade com a lei, o comportamento da Administração Pública viola a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, e a ideia de honestidade.

Nessa toada, o princípio da moralidade se evidencia na possibilidade de anulação de atos legais que, mesmo em conformidade com a lei, revelam-se imorais. Esse controle, inclusive pelo Poder Judiciário, destaca a dimensão jurídica da moralidade administrativa.

Perspectivas

Como bem apontado pela doutrina[1], o princípio da moralidade pode ser entendido sob três perspectivas:

Probidade

Dever de atuação ética (princípio da probidade): este primeiro sentido destaca o dever de atuação ética, conhecido como o princípio da probidade. Ele impõe ao agente público a obrigação de conduzir suas atividades de maneira transparente, honesta e íntegra.

A ética aqui transcende a mera conformidade com a legalidade; ela exige um comportamento que vai além do simples cumprimento da lei, incluindo a honestidade e a transparência na interação com os administrados.

O agente público, ao aderir ao princípio da probidade, compromete-se, por exemplo, a não sonegar informações, violar normas ou prestar informações incompletas com o intuito de enganar os administrados. O respeito a esse dever ético é crucial para manter a confiança da sociedade na administração pública e assegurar uma atuação que vá além do mero cumprimento formal da lei.

Valores

Concretização dos valores consagrados na lei: o segundo sentido destaca a concretização dos valores consagrados na lei como parte integrante do princípio da moralidade. Aqui, o agente público não deve limitar-se estritamente à aplicação literal da lei, mas buscar atingir os valores subjacentes a ela.

Por exemplo, quando a Constituição estabelece o concurso público para garantir a isonomia na busca por um cargo público, o agente que organiza um concurso seguindo esses princípios está, simultaneamente, cumprindo o princípio da moralidade.

Assim, a aplicação do direito não é vista apenas como um cumprimento formal, mas como um esforço para realizar os valores e objetivos que a lei visa atingir.

Costumes administrativos

Observância dos costumes administrativos: o terceiro sentido do princípio da moralidade destaca a observância dos costumes administrativos. Isso significa que a validade da conduta administrativa está vinculada não apenas à lei, mas também às regras que surgem informalmente no dia a dia administrativo, derivadas de práticas repetidas.

Desde que essas práticas não infrinjam a lei, espera-se que a Administração se vincule a elas, pois representam uma espécie de “legislação informal” criada a partir das interações diárias.

A conformidade com esses costumes fortalece a legalidade das ações administrativas e contribui para a estabilidade e previsibilidade no ambiente administrativo.

Em resumo, os três sentidos do princípio da moralidade formam uma tríade essencial que orienta a conduta dos agentes públicos, promovendo uma administração pautada pela ética, legalidade e tradição.

Esses princípios, quando aplicados em conjunto, fortalecem a legitimidade dos atos administrativos e contribuem para a construção de uma administração pública íntegra e confiável.

Foco nos cidadãos

Assim, a previsão e o pagamento de todas essas benesses corporativas devem passar, necessariamente, pelo crivo da observância dos princípios da moralidade, da eficiência, da legalidade, da impessoalidade. Também devem levar em conta, sempre, o impacto que irão causar no orçamento e seus efeitos na prestação dos serviços públicos.

O Brasil precisa caminhar, cada vez mais, para um uso dos recursos públicos de forma ética, transparente, legal, e sempre tendo em vista as reais necessidades dos cidadãos. Tema pertinente às provas de direito administrativo e constitucional.


[1]CANDIDO, Levi. Entenda o princípio da moralidade na Administração Pública. Lance Fácil. Disponível em: <https://blog.lancefacil.com/principio-da-moralidade-na-administracao-publica/#:~:text=Benef%C3%ADcios%20do%20princ%C3%ADpio%20da%20moralidade%20em%20licita%C3%A7%C3%B5es&text=Sua%20autonomia%2C%20ligada%20aos%20preceitos,confian%C3%A7a%20da%20sociedade%20nas%20institui%C3%A7%C3%B5es.>.


Quer saber quais serão os próximos concursos?

Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!

0 Shares:
Você pode gostar também