* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Entenda o que aconteceu

O Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) levou aproximadamente 24 segundos para aprovar, de forma unânime, o pagamento de R$ 234 milhões em indenizações a 281 magistrados, referente à chamada “compensação por assunção de acervo processual“.
O valor para cada juiz pode chegar a R$ 956,9 mil. Contudo, ainda não há um cronograma definido para a liberação dos pagamentos, que dependerá da disponibilidade financeira do tribunal.
CURSOS E ASSINATURAS
Compensação prevista em Lei Complementar
A Lei Complementar Estadual nº 174/2022, da Paraíba, prevê o pagamento de indenizações para magistrados do Estado que assumirem um volume expressivo de processos, permitindo um acréscimo substancial no salário.
Entende-se como assunção de acervo o total de processos distribuídos e vinculados ao magistrado.
Como funciona a licença compensatória? |
A assunção de acervo será compensada com a atribuição de 10 (dez) folgas compensatórias mensais. Caso não haja o pedido de usufruto da folga compensatória até o quinto dia do mês subsequente, será realizada a sua conversão em pecúnia, com caráter indenizatório, na razão de 1/30 (um trigésimo) do subsídio para cada dia de folga. |
Os juízes federais recebem o benefício desde 2015.
A Associação dos Magistrados da Paraíba fez o pedido do pagamento retroativo, defendendo a inclusão do período entre 2015 e 2022, citando o aumento da demanda de trabalho e recomendação do CNJ.
O Conselho Nacional de Justiça (Recomendação CNJ nº 75/2020) regulamentou a medida em 2020. Porém, como a Paraíba só implementou em 2022, a AMPB pediu a retroatividade desde 2015.
Em nota, o CNJ esclareceu que:
“A indenização de licença compensatória, prevista na Recomendação CNJ n.75/2020, é uma compensação pelo exercício cumulativo de atribuições. O valor corresponde a um terço do subsídio do magistrado designado à substituição para cada 30 dias de exercício de designação cumulativa e será pago por tempo proporcional de serviço. A acumulação ocorre no exercício da jurisdição em mais de um órgão jurisdicional, como nos casos de atuação simultânea em varas distintas, e por acervo processual, com o total de ações distribuídas e vinculadas ao magistrado”.
O Tribunal de Justiça da Paraíba também se pronunciou:
“O Tribunal de Justiça da Paraíba esclarece que, em relação à gratificação por acúmulo de acervo processual, não houve qualquer pagamento realizado e nem há previsão para a sua efetivação, que está condicionada à autorização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e à disponibilidade financeira do Tribunal de Justiça da Paraíba, que atua sempre com responsabilidade fiscal e equilíbrio orçamentário.
...
Todos os atos administrativos praticados seguem rigorosamente a legislação vigente e as diretrizes do CNJ. Ademais, o processo sempre esteve acessível ao público, reafirmando o compromisso da AMPB e do TJPB com a transparência e a correta aplicação dos princípios que regem a Administração Pública”.
Teto remuneratório
O salário dos ministros da Suprema Corte corresponde ao teto do funcionalismo público, conforme art. 37, XI, da CF, e se aplica à toda a magistratura.
Além de servir como teto do funcionalismo público, o salário dos ministros do Supremo também serve de referência para outros cargos, a exemplo dos tetos estaduais e subtetos.
A remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos… não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
O mesmo artigo 37, XI, da CF, continua prevendo um subteto para a magistratura estadual, correspondente a 90,25% do subsídio dos ministros do STF.
CF/88
Art. 37...
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos;
Ocorre que o STF, na ADI 3.854, deu interpretação conforme ao artigo 37, XI, da CF, para afastar o subteto inferior da magistratura estadual em relação à magistratura federal, sob o argumento de que a estrutura judiciária brasileira é nacional. Portanto, o teto da magistratura estadual é o mesmo dos ministros do STF.
Importante observar que as parcelas de caráter indenizatório não se submetem ao teto remuneratório constitucional, como excepciona o artigo 37, §11, da CF/88.
A licença compensatória aprovada pelo Tribunal paraibano se enquadra nessa categoria de verba.
Análise jurídica
Questão relevante é saber se esse pagamento da compensação, mesmo que previsto em regulamento próprio, afronta ou não o princípio da moralidade administrativa.
O artigo 37, da Constituição Federal, traz uma série de princípios os quais a Administração Pública deve observar, a exemplo da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
O princípio da moralidade administrativa exige que os agentes públicos atuem de maneira ética, proba, com boa-fé, sob pena de afronta à Constituição e cometimento de improbidade administrativa.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro, de forma brilhante, leciona:
“Sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do Administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”.
O princípio da moralidade administrativa pode ser entendido sob três aspectos distintos1:
a) Dever de atuação ética (princípio da probidade): o agente público deve ter um comportamento ético, transparente e honesto perante o administrado. Assim, o agente público não pode sonegar, violar nem prestar informações incompletas com o objetivo de enganar os administrados. Não pode um agente se utilizar do conhecimento limitado que as pessoas têm sobre a administração para obter benefícios pessoais ou prejudicar indevidamente o administrado;
b) Concretização dos valores consagrados na lei: o agente público não deve limitar-se à aplicação da lei, mas buscar alcançar os valores por ela consagrados. Assim, quando a Constituição institui o concurso público para possibilitar a isonomia na busca por um cargo público, o agente público que preparar um concurso dentro desses ditames (proporcionar a isonomia) estará também cumprindo o princípio da moralidade;
c) Observância dos costumes administrativos: a validade da conduta administrativa se vincula à observância dos costumes administrativos, ou seja, às regras que surgem informalmente no quotidiano administrativo a partir de determinado condutas da Administração. Assim, desde que não infrinja alguma lei, as práticas administrativas realizadas reiteradamente, devem vincular a Administração, uma vez que causam no administrado um aspecto de legalidade.
Importante acompanhar o desenrolar dos fatos, e ver se o princípio da moralidade administrativa será utilizado como fundamento para a sustação de um pagamento, no mínimo, questionável.
Ótimo tema para provas de direito constitucional e direito administrativo.
- PATRIOTA, Caio César Soares Ribeiro Borges. O princípio da moralidade administrativa. Jusbrasil. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/artigos/o-principio-da-moralidade-administrativa/433140195>. ↩︎
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