Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução: a virada jurisprudencial que todo concurseiro precisa conhecer
Se você está estudando para Magistratura, Ministério Público, Defensoria ou Delegado, precisa dominar o Tema Repetitivo 1.192 do STJ. Esse julgamento encerrou uma das maiores divergências jurisprudenciais em Direito Penal dos últimos anos: afinal, quando agentes praticam roubo contra várias vítimas em um único contexto, estamos diante de crime único ou concurso de crimes?
A resposta do STJ foi clara, mas surpreendente para muitos: há concurso formal de crimes, mesmo que a ação seja única e sem desígnios autônomos. E mais: isso vale ainda que as vítimas pertençam à mesma família.
Essa decisão impacta diretamente a dosimetria da pena, a prescrição, a progressão de regime e, claro, as provas objetivas e discursivas dos principais concursos do país. Vamos destrinchar o tema de forma estratégica, focando no que realmente importa para você acertar questões e fundamentar peças.
O que dizia a controvérsia antes do Tema 1.192?
Imagine a seguinte situação: três assaltantes invadem uma residência onde estão pai, mãe e dois filhos. Com grave ameaça, subtraem o celular do pai, a bolsa da mãe e o notebook de um dos filhos. Tudo ocorre no mesmo contexto, com desígnio único.
Quantos crimes de roubo foram praticados?
Antes da fixação da tese, havia duas correntes nos tribunais:
1ª corrente: crime único
Defendia que a unidade de contexto fático, a ausência de desígnios autônomos e o vínculo familiar entre as vítimas caracterizavam um só delito. A pluralidade de vítimas seria apenas uma circunstância a ser valorada na dosimetria ou na aplicação de majorante (concurso de pessoas).
2ª corrente: concurso formal de crimes
Sustentava que cada patrimônio violado representa um bem jurídico autônomo. Logo, mesmo com conduta única, haveria tantos crimes quantos fossem os patrimônios ofendidos, configurando concurso formal (art. 70 do CP).
A divergência gerava insegurança jurídica, penas distintas para casos idênticos e incontáveis recursos aos tribunais superiores.
A tese fixada: concurso formal sempre que houver pluralidade de patrimônios
A Terceira Seção do STJ, no julgamento do REsp 1.960.300/GO, afetado como repetitivo, fixou a seguinte tese:

"O cometimento de crimes de roubo mediante uma única conduta e sem desígnios autônomos contra o patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes (art. 70 do CP)."
Por que essa tese prevaleceu?
O fundamento central é simples: o patrimônio é bem jurídico individual. Cada pessoa possui patrimônio próprio, ainda que integre o mesmo núcleo familiar. Portanto, quando o agente subtrai bens de três vítimas, viola três patrimônios distintos, praticando três crimes.
A unidade de conduta e a ausência de desígnios autônomos não eliminam a pluralidade de resultados lesivos. O que há é um crime para cada vítima, em concurso formal.
Elementos essenciais do concurso formal (Art. 70 do CP)
Para entender a aplicação prática da tese, revisemos os requisitos do concurso formal:
1. Unidade de conduta
Uma só ação ou omissão (no caso, a invasão e subtração em contexto único).
2. Pluralidade de crimes
Dois ou mais delitos praticados (tantos roubos quantos forem os patrimônios violados).
3. Ausência de desígnios autônomos
O agente não delibera separadamente pela prática de cada crime; age com desígnio único desde o início.
Presentes esses elementos, aplica-se a regra do art. 70, caput, do CP: pena de um dos crimes, aumentada de 1/6 até metade, conforme o número de infrações.
Aplicação prática: como fica a dosimetria da pena?
Vamos a um exemplo concreto para fixar:
Caso: Dois agentes invadem residência, rendem quatro moradores (pai, mãe e dois filhos) e subtraem: celular do pai, bolsa da mãe, notebook do filho 1 e tablet do filho 2.
Quantos crimes? Quatro crimes de roubo (um para cada vítima).
Como dosar a pena?
- Aplica-se a pena-base de um dos crimes (se iguais, qualquer um; se diferentes, o mais grave).
- Aumenta-se de 1/6 até metade, considerando o número de delitos (quatro) e as circunstâncias do caso.
Exemplo numérico:
- Pena-base de um roubo: 5 anos
- Aumento por concurso formal (supondo 1/3 pelo número de crimes): 5 anos + 1 ano e 8 meses = 6 anos e 8 meses
Compare com a hipótese de crime único com majorante: a diferença pode ser significativa, especialmente em casos com muitas vítimas.
Distinções importantes para não errar na prova
Concurso formal ≠ concurso material
- Concurso formal (art. 70): conduta única, sem desígnios autônomos → pena aumentada de 1/6 a 1/2
- Concurso material (art. 69): condutas autônomas, desígnios independentes → penas somadas
Exemplo de concurso material: Agente assalta uma vítima na rua. Depois, decide assaltar outra pessoa dois quarteirões adiante. São duas deliberações criminosas distintas = concurso material.
Concurso formal ≠ crime continuado
- Crime continuado (art. 71): crimes da mesma espécie, condições semelhantes de tempo, lugar e modo de execução → pena de um crime aumentada de 1/6 a 2/3
O crime continuado não se aplica ao roubo contra múltiplas vítimas em contexto único, pois falta a sucessividade temporal característica da continuidade delitiva.
E se as vítimas forem da mesma família?
Irrelevante. A tese do Tema 1.192 é expressa: “ainda que da mesma família”, há concurso formal. O vínculo familiar não altera a autonomia dos patrimônios.
E se os bens forem em copropriedade?
Aqui a análise muda. Se dois cônjuges possuem um bem em comunhão e ele é subtraído, pode-se argumentar pela unidade de patrimônio. Mas atenção: isso é exceção e demanda análise casuística do regime de bens e da titularidade.
Como esse tema aparece em concursos públicos
Questão simulada de concurso público
(Estilo: Juiz de Direito – TJ/SP – Banca FCC – 2025)
Enunciado:
Carlos e Mário, agindo em concurso de agentes e mediante grave ameaça com emprego de arma de fogo, invadiram a residência da família Santos, onde estavam o casal e seus três filhos menores. Durante a ação delituosa, os agentes subtraíram o aparelho celular do pai, a carteira com documentos e dinheiro da mãe, o notebook do filho mais velho e o tablet do filho do meio. Toda a subtração ocorreu em um único contexto fático, sem que os agentes tivessem deliberado autonomamente pela prática de cada subtração.
Considerando a jurisprudência consolidada do Superior Tribunal de Justiça, assinale a alternativa correta:
A) Configura-se crime único de roubo, devendo a pluralidade de vítimas ser considerada como circunstância judicial desfavorável na primeira fase da dosimetria da pena.
B) Há quatro crimes de roubo em concurso formal próprio, devendo ser aplicada a pena de um dos crimes, aumentada de um sexto até metade, nos termos do art. 70 do Código Penal.
C) Caracteriza-se continuidade delitiva, aplicando-se a pena de um dos crimes, aumentada de um sexto a dois terços, conforme o art. 71 do Código Penal.
D) Verifica-se concurso material de crimes, devendo as penas dos quatro roubos serem somadas, nos termos do art. 69 do Código Penal.
E) Há crime único de roubo majorado pelo concurso de agentes e pela pluralidade de vítimas, aplicando-se cumulativamente as causas de aumento previstas no art. 157, §2º, do Código Penal.
GABARITO: ALTERNATIVA B
Por que a alternativa B está correta?
De acordo com o Tema Repetitivo 1.192 do STJ (REsp 1.960.300/GO), o cometimento de crimes de roubo mediante conduta única e sem desígnios autônomos contra patrimônio de diferentes vítimas, ainda que da mesma família, configura concurso formal de crimes (art. 70 do CP).
No caso concreto, foram violados quatro patrimônios distintos (pai, mãe e dois filhos), logo, há quatro crimes de roubo em concurso formal próprio. Aplica-se a pena de um dos crimes, aumentada de 1/6 até metade.
Por que as demais alternativas estão incorretas?
Alternativa A: Incorreta. Não se trata de crime único. A pluralidade de patrimônios configura concurso formal, e não mera circunstância judicial.
Alternativa C: Incorreta. Não há continuidade delitiva (art. 71), que exige crimes da mesma espécie praticados em condições semelhantes de tempo, lugar e modo de execução, com sucessividade. No caso, tudo ocorreu em contexto único.
Alternativa D: Incorreta. O concurso material (art. 69) exige desígnios autônomos, ou seja, deliberações criminosas independentes. No caso, os agentes agiram com desígnio único desde o início.
Alternativa E: Incorreta. Não há crime único, mas concurso formal. Além disso, aplicar majorante pela pluralidade de vítimas quando já se reconhece o concurso formal configuraria bis in idem.
Resumo estratégico: o que memorizar para a prova
✅ Tese do Tema 1.192: Roubo contra múltiplas vítimas, mesmo com conduta única e sem desígnios autônomos, configura concurso formal (art. 70 do CP).
☑️ Fundamento: Cada patrimônio é bem jurídico autônomo. Pluralidade de patrimônios = pluralidade de crimes.
✅ Vale mesmo se as vítimas forem da mesma família.
☑️ Dosimetria: Pena de um crime + aumento de 1/6 até metade.
✅ Não confundir:
- Crime continuado (art. 71): sucessividade temporal
- Concurso formal (art. 70): conduta única, sem desígnios autônomos
- Concurso material (art. 69): condutas autônomas
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