* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão de Nunes Marques
O Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão da lavra do ministro Nunes Marques, determinou a suspensão de todas as leis e decretos municipais que criam, autorizam ou regulam loterias e apostas esportivas em âmbito local.
E não foi só. Também ordenou a paralisação imediata das atividades já em funcionamento e dos procedimentos de credenciamento relacionados a esses serviços.
A decisão liminar foi concedida na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1212, apresentada pelo partido Solidariedade.
O Partido questiona, de forma exemplificativa, atos normativos de diversos municípios, incluindo São Vicente, São Paulo, Campinas, Belo Horizonte, Porto Alegre, Pelotas e Foz do Iguaçu.
O fundamento do pedido é no sentido de que a matéria de loterias e sorteios é de competência privativa da União para legislar (CF, art. 22, XX), sendo inaplicável aos Municípios a atribuição residual administrativa reservada aos Estados-membros (CF, art. 25, § 1º).
CF/88
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
...
XX - sistemas de consórcios e sorteios;
...
Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
Ainda segundo o Solidariedade, a competência municipal se restringe a legislar sobre assuntos de interesse local (CF, art. 30, I), o que não abrange a exploração de loterias.
O Requerente alega, também, que a proliferação dessas loterias causa:
- Desequilíbrio federativo;
- Arrecadação em detrimento da União e dos Estados; e
- Facilita a atuação em plataforma online em desacordo com a legislação federal.
Há também alegação de ofensa à livre concorrência. Isso porque a cessão da atividade de aposta de quota fixa estaria sendo feita a empresas não autorizadas pela Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF).
O que são bets e jogos de azar?1
Como bem apontado pela professora Beatriz Santana, a palavra “bet” vem do verbo em inglês “to bet”, que significa “apostar”, e se refere aos jogos de apostas esportivas online, como as relacionadas ao futebol. A principal característica desse tipo de aposta é que é possível acompanhar os resultados e calcular lucros, sem depender de fatores aleatórios.
Já os jogos de azar, como o “Fortune Tiger”, que é conhecido no Brasil como “Jogo do Tigrinho”, funcionam como cassino e determinam ganhos e prejuízos a partir do funcionamento de um algoritmo desconhecido pelo apostador, dependendo, assim, apenas da “sorte”.
Mas o que dizem os Municípios?
Os Municípios defendem sua autonomia política e a competência para explorar os serviços lotéricos como uma estratégia essencial para fortalecer a arrecadação tributária e financiar políticas públicas de interesse social. Sustentam que lhes é aplicável o entendimento fixado em precedentes do STF (ADI 4.986 e ADPFs 492 e 493).
Na ADI 4.986, ADPF 492 e ADPF 493 o Supremo entendeu que a União não detém monopólio na exploração, embora detenha a competência privativa para legislar sobre a matéria.
Ou seja, a competência privativa da União para legislar em sistema de consórcios e sorteios não impede a competência material dos estados para explorar as atividades lotéricas nem para regulamentar dessa exploração. Além do mais, somente a União pode definir as modalidades de atividades lotéricas passíveis de exploração pelos estados.
Qual a posição da AGU e da PGR?
Ambos se manifestaram pela procedência do pedido. O AGU aponta violação à competência privativa da União e argumenta que a exploração admitida aos Estados não se estende ao âmbito municipal.

Ele destacou que a complexidade da matéria, especialmente a aposta de quota fixa, exige um regime de fiscalização e controle mais abrangente, sendo a atuação pulverizada prejudicial e perigosa.
O PGR reforça que, pelo princípio da predominância do interesse, aos Municípios cabem apenas serviços de interesse local relacionados a necessidades imediatas da municipalidade. A complexidade e a necessidade de regulamentação rigorosa não condizem com um regime de exploração municipal, o que pode gerar guerra fiscal e exploração predatória.
Fundamentação da decisão liminar
O Ministro Relator Nunes Marques conheceu da arguição e considerou presentes os requisitos para a concessão da medida cautelar: a fumaça do bom direito (fumus boni iuris) e o perigo na demora (periculum in mora).
✔️ Probabilidade do Direito (Fumus Boni Iuris): a jurisprudência da Corte reconhece a natureza pública das loterias, a competência exclusiva da União para legislar sobre consórcios e sorteios, e a competência material-administrativa dos Estados e do Distrito Federal para explorar os serviços. Nunes afirmou que a exploração material-administrativa dos serviços de loteria não é de interesse local. O "interesse local" se relaciona às necessidades imediatas dos Municípios, como transporte coletivo local, ordenamento urbano, iluminação pública ou coleta de lixo, mas não o serviço lotérico. A natureza, complexidade, e relevância socioeconômica das loterias demandam interesse nacional/regional para a exploração e uniformização normativa. A disseminação das loterias em entes municipais, sobretudo na modalidade de apostas de quota fixa, é considerada incompatível com a ordem constitucional, promovendo um esvaziamento da fiscalização federal. Essa conjuntura é vista como "temerária" e sem respaldo, criando uma "aberração jurídica e financeira" onde uma atividade proibida a nível federal é aparentemente autorizada em 5.550 municípios. ✔️ Perigo na Demora (Periculum in Mora): o risco reside no contínuo noticiamento da edição de novos atos normativos municipais, com avanço na implantação de procedimentos licitatórios e início de operações. Há notícias de que cerca de 55 municípios, em 17 Estados, criaram suas loterias somente no ano de 2025, após o ajuizamento da ação, o que agrava o quadro de inconstitucionalidade e insegurança jurídica.
Teor da liminar:
O Ministro Nunes Marques deferiu a medida cautelar, ad referendum do Plenário, para:
1. Suspender a eficácia, até o julgamento de mérito:
◦ De todos os atos normativos municipais em todo o País que criam loterias e autorizam a exploração de serviços e apostas esportivas municipais, incluindo os 13 diplomas impugnados na inicial.
◦ De todos os procedimentos licitatórios decorrentes desses atos normativos e destinados ao credenciamento de empresas.
◦ De todas as operações em curso envolvendo sistemas lotéricos municipais.
2. Ordenar o cessamento imediato das atividades municipais em curso e a abstenção da prática de novos atos que permitam a iniciativa, continuidade, retomada ou desenvolvimento das atividades lotéricas por entes municipais.
3. Determinar a incidência de multa diária em caso de não cumprimento:
◦ R$ 500.000,00 aos municípios e às empresas que continuarem prestando o serviço.
◦ R$ 50.000,00 aos Prefeitos e Presidentes das empresas credenciadas que permanecerem explorando as atividades.
A decisão também determina a intimação da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda (SPA/MF), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) para que adotem as providências cabíveis, dado o objetivo de combater sites de apostas ilegais.
Ótimo tema para provas de direito constitucional! Muita atenção.
- https://vestibulares.estrategia.com/portal/atualidades-e-dicas/bets-apostas-e-jogos-de-azar-desenvolva-repertorios-socioculturais-para-o-vestibular/ ↩︎
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