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STJ fixa tese sobre progressão de regime e livramento condicional
O STJ definiu que é válida a aplicação retroativa do percentual de 50%, para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, bem como a posterior concessão do livramento condicional.
Análise do caso no STJ
O “Pacote Anticrime” promoveu grandes alterações na forma de progressão do regime penal. O artigo 112, VII, da Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) passou a prever a necessidade de cumprimento de 60% da pena, nos casos de condenados reincidentes na prática de crime hediondo ou equiparado.
Todavia, a lei não estabeleceu a regra de progressão nos casos em que um condenado por crime comum seja posteriormente condenado por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte.
Esse foi exatamente o caso analisado pelo Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos especiais repetitivos, na forma do art. 1.036 do CPC.
Progressão de regime e ausência de regra específica para o caso
As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados determinados critérios e ressalvadas as hipóteses de transferência a regime mais rigoroso. É o que diz o art. 33, §2º, do Código Penal.
A progressão do regime de execução penal é um importante mecanismo para individualização da pena e ressocialização do condenado, possuindo previsão mais detalhada no art. 112 da LEP.
Ela permite ao reeducando o cumprimento da pena privativa de liberdade de forma progressiva, com transferência do condenado para regime menos rigoroso, a ser determinado pelo Juízo da Execução, desde que adimplidos, cumulativamente, os requisitos de ordem objetiva – cumprimento de determinado período em regime anterior- e subjetiva – comportamento carcerário satisfatório e, a depender do caso, exame criminológico.
Assim, representa um direito subjetivo do condenado, de modo que, preenchidos os requisitos legais (objetivos e subjetivos), o condenado irá passar de um regime mais gravoso para um regime mais brando.
Em relação ao critério objetivo, antes da entrada em vigor da Lei 13.964/19, exigia-se, em regra, o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena em cada um dos regimes prisionais, independentemente das circunstâncias do delito e das condições pessoais do agente.
Nos casos envolvendo crimes hediondos e análogos, o art. 2°, §2°, da Lei de Execução Penal, vigente antes da Lei 13.964/2019, determinava o cumprimento de, no mínimo, 2/5 (dois quintos) da pena, se primário, ou 3/5 (três quintos) da pena, se reincidente, não tratando sobre a natureza da reincidência, se genérica (condenações por crimes de diferentes espécies) ou específica (condenações por crimes da mesma espécie).
Após a publicação da Lei “anticrime”, o art. 2°, §2°, da LEP foi revogado, e o art. 112 passou a regular inteiramente a matéria, com percentuais que variam de 16% (dezesseis por cento) a 70% (setenta por cento) da pena a ser cumprida em cada regime, de acordo com a natureza do crime, eventual resultado morte, e o perfil do agente.
Dispõe o art. 112, VII, da LEP, que:
“a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
(…)
VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;”
Logo, a lei somente estabeleceu um percentual para os reincidentes específicos em crimes hediondos ou equiparados, ou seja, quem novamente foi condenado com trânsito em julgado por um crime de mesma categoria.
O legislador não fixou o percentual exigido de progressão para quem, condenado anteriormente por crime comum, fosse posteriormente condenado por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte.
Aplicação da lei mais benéfica ao reeducando
Pelo princípio da legalidade, busca-se garantir aos indivíduos que os direitos fundamentais estabelecidos pela Constituição da República não sejam atingidos por ingerências estatais não autorizadas por Lei.
Além disso, eventuais normas que limitem a liberdade dos cidadãos devem ser interpretadas restritivamente.
Contudo, a situação analisada não trata de mera interpretação da lei penal, mas de integração ou colmatação de lacuna, pois inexiste previsão de percentual de cumprimento de pena para a progressão do condenado por crime comum, posteriormente condenado por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte.
Dessa forma, a aplicação de um percentual maior para a progressão de regime de hipótese não contemplada expressamente na lei penal implicaria em analogia in malam partem, não admitida no Direito Penal, diante do princípio da reserva legal.
Ademais, as normas que versam sobre a progressão de regime têm natureza penal material, por repercutirem no poder punitivo do Estado. Nesse caso, ocorrendo sucessão de leis penais no tempo, e sendo a nova norma mais benéfica ao agente- novatio legis in mellius -, a lei penal benéfica deve retroagir, sendo a retroatividade automática.
Portanto, mesmo quando os crimes foram praticados na vigência do art. 2°, §2°, da Lei 8.072/90, que exigia ao reincidente genérico o cumprimento de 3/5 (três quintos) da pena para a progressão de regime, a superveniência de lei penal benéfica impõe a retroatividade para abranger a hipótese, aplicando-se, então, o art. 112, VI, “a”, da LEP, que impõe o cumprimento de 50% (cinquenta por cento) da reprimenda para a concessão do benefício.
Livramento condicional e combinação de leis
O art. 112, VI, “a”, da LEP estabelece o percentual de cumprimento de 50% (cinquenta por cento) da pena para progressão de regime, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional.
No entanto, observa-se que a aplicação dessa regra, fundamentada na analogia in bonam partem diante da lacuna da lei, não pode prejudicar o réu, de modo que a parte final do art. 112, VI, “a”, que veda o livramento condicional, por ser mais gravosa, não pode ser aplicada.
Para o Superior Tribunal de Justiça, então, há possibilidade de concessão do livramento condicional da pena aos condenados por crimes hediondos com resultado morte, não reincidentes ou reincidentes genéricos. (AgRg no AgRg no HC n. 718.397/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 25/9/2023, DJe de 28/9/2023)
Isso porque a vedação imposta na parte final do art. 112, VI, “a”, pela Lei nº 13.964/2019, refere-se apenas ao período previsto para a progressão de regime, havendo a possibilidade de formulação de pedido do referido benefício posteriormente, após o cumprimento do percentual estabelecido, com base no art. 83, inciso V, do CP, que permanece vigente no ordenamento jurídico.
Segundo esse dispositivo, o juiz poderá conceder livramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que cumpridos mais de dois terços da pena, nos casos de condenação por crime hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tráfico de pessoas e terrorismo, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza.
Portanto, não há que se falar em combinação de leis, o que é absolutamente vedado no Direito.
Tese fixada pelo STJ sobre progressão de regime e livramento condicional
Por todas essas razões, em julgamento sob o rito dos repetitivos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou a seguinte tese sobre progressão de regime e livramento condicional no Tema 1196:
“É válida a aplicação retroativa do percentual de 50% (cinquenta por cento), para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, nos moldes da alteração legal promovida pela Lei n. 13.964/2019 no art. 112, inc. VI, alínea “a”, da Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal), bem como a posterior concessão do livramento condicional, podendo ser formulado posteriormente com base no art. 83, inc. V, do Código Penal, o que não configura combinação de leis na aplicação retroativa de norma penal material mais benéfica.” (STJ. 3ª Seção. REsps 2.012.101-MG, 2.012.112-MG e 2.016.358-MG, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado Do TJDFT), julgado em 22/5/2024)
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