STJ define tese sobre litigância abusiva 
Foto: Gustavo Lima/STJ

STJ define tese sobre litigância abusiva 

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

O caso

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de sua Corte Especial, fixou tese no TEMA 1.198, relacionado à litigância abusiva, também chamada de litigância predatória.

A tese permite que o juiz, constatando indícios de litigância abusiva, exija, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial, a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova.

A Corte também decidiu substituir a expressão “litigância predatória” por “litigância abusiva”, adequando à terminologia utilizada pelo Conselho Nacional de Justiça.

Demandas da população

Nas sociedades de massa, em que a grande maioria da população integra processo de produção, distribuição e consumo de larga escala, é consequência inevitável o surgimento de demandas e lides também massificadas. Exemplo disso são as demandas previdenciárias, acidentárias, ou envolvendo planos de saúde, energia elétrica, telefonia.

E essas demandas de massa apresentam ao sistema de justiça um enorme desafio, que é o de prestar um serviço jurisdicional célere, justo, transparente, ao mesmo tempo em que não tolera o abuso no exercício do direito de ação.

O ministro Moura Ribeiro destacou:

“Essa litigância de massa, conquanto apresente novos desafios ao Poder Judiciário, constitui inegavelmente manifestação legítima do direito de ação amparado constitucionalmente. Observa-se, no entanto, em várias regiões do país, verdadeira avalanche de processos infundados, marcados pelo exercício de uma advocacia censurável, dita agora predatória, que não encontra respaldo legítimo no direito de ação.”

Portanto, o abuso no exercício do direito de ação, que fundamenta e dá propulsão à litigância abusiva, acaba por embaraçar a entrega de um serviço jurisdicional efetivo, justo e célere.

O relator do tema 1.198 foi incisivo:

“Por isso, poderá o juiz, a fim de coibir o uso fraudulento do processo, exigir que o autor apresente extratos bancários, cópias do contrato, comprovante de residência, procuração atualizada e com poderes específicos, dentre outros documentos, a depender de cada caso concreto...

Assim, caso o advogado apresente instrumento muito antigo, dando margem à crença de que não existe mais relação atual com o cliente, é lícito ao juiz determinar que a situação seja esclarecida com a juntada de novo instrumento.”

Acesso à Justiça

O ministro Humberto Martins, em voto-vista, deixou assentado que sempre caberá privativamente ao Conselho Federal da OAB apurar se os procuradores agiram ou não com má-fé ou se praticaram infrações. Em caso positivo, decidirá, no bojo do processo disciplinar, sobre a aplicação da sanção pertinente.

Humberto Martins chamou atenção para o fato de que os poderes outorgados ao procurador, no contrato de mandato, devem ser interpretados à luz da autonomia da vontade, a autodeterminação, não comportando revisão judicial como regra, bem como valendo para a prática de todos os atos, salvo, por exemplo, o negócio ilícito, ou que ofenda os bons costumes.

Segundo Martins, o juiz poderá exigir a inovação da procuração, com base no poder geral de cautela do juiz e no poder discricionário de direção formal e material do processo, e mesmo assim, apenas em situações excepcionais e desde que haja fundamentação idônea.

O ministro Luís Felipe Salomão, em voto-vista, propôs um complemento ao voto do relator, a fim de assegurar o amplo acesso à Justiça, que deve ser preservado. 

Para ele, deve haver um equilíbrio entre a repressão a fraudes e abusos e a garantia do direito de petição e o acesso ao judiciário: “Temos que tomar cuidado para o remédio não matar o paciente”.

Após um intenso debate e a consolidação dos entendimentos prevalentes, restou fixada a seguinte tese:

Tese do TEMA 1.198“Constatados indícios de litigância abusiva, o juiz pode exigir, de modo fundamentado e com observância à razoabilidade do caso concreto, a emenda da petição inicial a fim de demonstrar o interesse de agir e a autenticidade da postulação, respeitadas as regras de distribuição do ônus da prova”.

Litigância abusiva

A recomendação nº 159/2024, do CNJ, trata da litigância abusiva.

litigância abusiva

Segundo o CNJ, para a caracterização da litigância abusiva, é necessário considerar como espécies as condutas ou demandas sem lastro, temerárias, artificiais, procrastinatórias, frívolas, fraudulentas, desnecessariamente fracionadas, configuradoras de assédio processual ou violadoras do dever de mitigação de prejuízos, entre outras, as quais, conforme sua extensão e impactos, podem constituir litigância predatória.

A discussão gira em torno, portanto, do aparente conflito entre segurança jurídica, razoável duração do processo e boa-fé processual de um lado versus direito de acesso à justiça, contraditório, devido processo legal e ampla defesa.

Ao mesmo tempo em que o ordenamento jurídico busca segurança jurídica (artigo 5º, XXXVI, da CF), garante a duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF) e impõe a boa-fé como dever processual (art. 5º, do CPC), ele também alberga o direito de acesso amplo à justiça, o que inclui suas instâncias recursais (artigo 5º, XXXV, da CF), bem como o contraditório e a ampla defesa, com os recursos a ela inerentes (artigo 5º, LV, da CF).

CF/88

Art. 5º...

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

...

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
CPC

Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.

Mentalidade litigante

A litigância abusiva decorre de uma cultura ou mentalidade litigante.

Para uma plateia de empresários e juristas em São Paulo, durante a participação no painel “solução de controvérsias – mediação e arbitragem no Brasil”, promovido pelo Lide (grupo de Líderes Empresariais), que é presidido pelo ex-governador de São Paulo, João Doria, o ministro Alexandre de Moraes já havia responsabilizado os advogados pela morosidade do sistema judiciário brasileiro, ao apontar a existência de uma verdadeira “mentalidade litigante” nos profissionais da advocacia.

Mas o que vem a ser essa mentalidade litigante?   

Mentalidade litigante é a cultura jurídica baseada no desrespeito aos precedentes já estabelecidos pelo Poder Judiciário (súmulas vinculantes, temas de repercussão geral, decisões vinculantes em controle de constitucionalidade etc.), gerando uma enxurrada de processos e recursos sem chances reais de êxito, com o único intuito de protelar a resolução final do conflito instalado.

A mentalidade litigante, portanto, consiste em contestar decisões judiciais, mesmo tendo consciência que irá perder o processo, protelando o desfecho desfavorável da causa.

Como medidas a serem adotadas para combater essa mentalidade litigante Moraes defendeu:

  • O uso da inteligência artificial de forma transparente como instrumento de auxílio para a solução de conflitos;
  • A aplicação de multas mais pesadas para a litigância de má-fé;
  • Uma mudança na legislação para permitir punição processual maior para aqueles que desrespeitam precedentes;
  • Uma mudança na cultura jurídica das empresas no sentido de abandonar a litigância contumaz;
  • Criação de uma Corte de arbitragem on-line para as questões repetitivas e que já possuem precedentes definidos.

Conclusão

Portanto, os operadores do direito, em conjunto com a sociedade organizada e o mercado, devem refletir sobre a necessidade de criar e fortalecer uma cultura baseada na ética, na boa-fé, e no acatamento dos precedentes fixados pelos Tribunais, em especial os Superiores, sem que, com isso, se renuncie aos direitos processuais fundamentais, como contraditório, ampla defesa e acesso à justiça.

Ótimo tema para provas discursivas de direito constitucional e direito processual. Portanto, muita atenção!


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