STJ anula prova após policial descrever confissão em podcast

STJ anula prova após policial descrever confissão em podcast

O Superior Tribunal de Justiça anulou interrogatório extrajudicial e todas as provas dele derivadas, após uma policial revelar, em um podcast, os métodos utilizados para obtenção da confissão da “ré”. A Ministra Daniela Teixeira proferiu a decisão no bojo do AgRg no HC 898274.

Segundo consta, a ré teria confessado o assassinato de seu marido de forma informal e extrajudicial, após policiais a terem pressionado a admitir os fatos, sem qualquer advertência acerca do direito constitucional ao silêncio.

Em uma entrevista transmitida num podcast, a perita Telma Rocha relatou com detalhes como os policiais obtiveram a confissão da ré. Ela deixou evidente que a paciente fora pressionada a confessar, sem qualquer menção ao direito constitucional de permanecer em silêncio.

A defesa gravou a entrevista e, ao impetrar o habeas corpus, alegou violação ao direito ao silêncio e ao princípio da não autoincriminação.

Confissão

A questão central discutida do remédio constitucional impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça foi se seria possível utilizar essa confissão como prova no processo penal que pronunciou a paciente. Isso porque a obtenção da prova ocorreu de maneira informal e sem a devida advertência sobre o direito ao silêncio.

A Ministra Relatora, Daniela Teixeira, reconheceu a nulidade da confissão extrajudicial e das provas derivadas dessa obtenção. Ela também criticou fortemente a postura dos policiais ao expor o caso em um meio público de comunicação. Por outro lado, manteve-se a decisão de pronúncia, pois a decisão teria sido lastreada em outras provas além do interrogatório informal.

Direito ao silêncio e consequente princípio da não autoincriminação

O artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, garante que

"o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado".

Esse direito é um dos pilares do devido processo legal. Isso evita que se force o investigado ou acusado a produzir provas contra si mesmo, seja por meio de coerção física, psicológica ou moral.

Trata-se de um direito amplo e que se deve observar em todas as ocasiões em que ocorra uma investigação. Deve-se respeitar tal direito não apenas nas situações em que a pessoa esteja presa, mas em todas que a possam levar à responsabilização penal.

A vedação à autoincriminação relaciona-se diretamente ao denominado princípio nemo tenetur se detegere, segundo o qual ninguém pode ser obrigado a confessar crimes ou produzir provas contra si mesmo.

Toda e qualquer confissão somente pode ocorrer de forma voluntária e após a prévia advertência de sua existência. Deve-se assegurar o referido direito em qualquer interrogatório, ainda quando realizado informalmente.

Em precedente similar, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Agr no RHC 170.843, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, reconheceu a inadmissibilidade de confissões obtidas sem que, previamente, se informasse ao acusado seu direito ao silêncio.

No caso em questão, considerou-se a ausência de advertência ao direito de permanecer calado logo na abordagem policial como uma violação constitucional que anulou a prova derivada da confissão.

Da mesma forma, o STJ, ao julgar o habeas corpus acima citado, determinou a nulidade da confissão extrajudicial justamente por ter sido obtida sem respeitar o direito ao silêncio e, por consequência, violar o direito à não autoincriminação.

A Ministra relatora destacou, em sua decisão, a importância da voluntariedade da confissão. Ela afirmou que se deve informar o direito ao silêncio antes de qualquer diálogo que possa se interpretar como interrogatório.

Da indevida exposição dos fatos

A decisão também criticou a exposição pública inadequada do caso, já que a perita descreveu detalhes sensíveis de um crime grave, em um podcast.

A Ministra criticou esse comportamento. Ela, ainda, determinou o envio de cópias do acórdão à Corregedoria da Polícia Civil e ao Ministério Público do Estado de São Paulo para apuração da conduta funcional dos policiais envolvidos.

O uso de plataformas públicas para discutir processos em andamento não apenas compromete a imparcialidade do processo. Isto é, tal uso também viola o princípio da impessoalidade a que os servidores públicos estão sujeitos.

Ainda, a nosso ver, na entrevista divulgada, a policial demonstrou completo desconhecimento de regras básicas da persecução penal. E isso, inclusive, gera descredibilidade aos profissionais de segurança pública.

A preservação do devido processo legal e o respeito aos direitos fundamentais dos acusados são imperativos para a legitimidade do processo penal e essenciais para a validade da persecução penal.

Além disso, a decisão em comento reafirma a importância da atuação profissional dos agentes públicos envolvidos na investigação. O desvio de conduta, como o uso inadequado de redes sociais e podcasts para discutir casos concretos, pode gerar repercussão negativa no processo.

No caso em questão, a paciente foi formalmente acusada e pronunciada pela prática de um crime de homicídio doloso, cujos fatos serão objeto de apreciação por parte do Tribunal do Júri que, diante da repercussão dos fatos, pode ser gravemente influenciado pelas falas públicas dos policiais.


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