STJ define tese sobre penhora de imóvel de família hipotecado

STJ define tese sobre penhora de imóvel de família hipotecado

* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.

Decisão do STJ

O Superior Tribunal de Justiça, através de sua 2ª seção, definiu parâmetros sobre a proteção do bem de família em casos de execução de hipoteca, se garantia for oferecida por terceiros.

A tese foi fixada no julgamento do tema 1.261 (REsp 2.093.929 e REsp 2.105.326). Seu efeito é vinculante para os demais tribunais do país, nos termos do art. 927, III, do CPC.

CPC

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

...

III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

A questão em discussão consiste em saber se a penhora de imóvel residencial oferecido como garantia real, em favor de terceiros, pelo casal ou pela entidade familiar, exige comprovação de que o proveito se reverteu em favor da entidade familiar, e como se distribui o ônus da prova nas garantias prestadas em favor de sociedade na qual os proprietários do bem têm participação societária.

A impenhorabilidade do bem de família está regulada na Lei nº 8.009/1990.

Bem de família

Mas o que vem a ser o chamado “Bem de família”?

Define-se bem de família como sendo o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, para moradia permanente, sendo impenhorável por dívidas de qualquer natureza, exceto em casos excepcionais.

O fundamento da impenhorabilidade reside na proteção ao direito à moradia e à dignidade da pessoa humana, buscando evitar que se prive a família de seu lar devido a dívidas.

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas na legislação.

A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Mas não se incluem na regra da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos.

O colegiado definiu que a exceção à impenhorabilidade do imóvel residencial só se aplica quando comprovado que a dívida beneficiou a entidade familiar.

Segundo o art. 3º, da Lei nº 8.009/1990, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

I - pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;

II – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;                  

III - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

IV - para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;

V - por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.

VI - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Proteção à moradia da família

Imóvel

O Superior Tribunal de Justiça compatibilizou a manutenção da efetividade da garantia hipotecária e seu caráter erga omnes com a necessária proteção à moradia da família, ao interpretar a exceção à impenhorabilidade prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990.

A conclusão foi a de que se cuida de hipótese de renúncia à proteção legal. Porém, sua abrangência restringe-se somente para aqueles casos em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar.

Ao ofertar o bem para a constituição da garantia hipotecária, a atitude posterior dos próprios devedores tendente a excluir o bem da responsabilidade patrimonial revela comportamento contraditório.

O nemo potest venire contra factum proprium tem por efeito impedir o exercício do comportamento contraditório, com fundamento no princípio da boa-fé e da confiança legítima, sendo categorizado como forma de exercício inadmissível de um direito.

Portanto, tratando-se bem dado em garantia real (hipoteca), presume-se a penhorabilidade do bem, sendo ônus dos proprietários demonstrar que a dívida não se reverteu em benefício da entidade familiar.

Importante destacar que o conceito de núcleo familiar para fins de bem de família tem sido ampliado para incluir diversas modalidades de arranjos familiares. Assim, não se restringe mais apenas à família tradicional, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a exemplo da família formada por pessoas solteiras, separadas e viúvas, conforme súmula 364 do STJ.

Súmula 364, STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”

O mesmo entendimento elástico se aplica a famílias formadas por pessoas do mesmo sexo, e a entidades familiares formadas pelos sogros.

Imóvel oferecido como garantia por sócios de PJ

Voltando ao tema 1.261, o STJ entendeu que, quando sócios de pessoa jurídica oferecem o imóvel residencial em garantia, cabe ao credor comprovar que a dívida beneficiou a entidade familiar.

Por outro lado, se os únicos sócios da empresa forem os próprios titulares do bem hipotecado, presume-se a impenhorabilidade, incumbindo aos proprietários demonstrar que o débito não se reverteu em favor da família.

Quanto ao ônus da prova, portanto, o STJ prevê duas soluções diferentes para duas situações diversas. Vejamos:

  1. Quando a pessoa jurídica que se beneficiou do negócio tem como sócios apenas as pessoas da entidade familiar, é de se presumir que os valores auferidos serviram para beneficiar a família. Isso permite afastar a impenhorabilidade do bem, ou seja, é ônus do devedor provar o contrário;
  2. Quando o proprietário do imóvel é apenas um dos sócios da pessoa jurídica beneficiada pelo empréstimo, não há a mesma presunção de que os valores serviram para beneficiar a família, e cabe ao credor fazer a prova.

Ao final, a tese aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça foi a seguinte:

TESE DO TEMA 1.261, STJ

1) A exceção à impenhorabilidade do bem de família nos casos de execução de hipoteca sobre o imóvel, oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar, prevista no art. 3º, V, da Lei n. 8.009/1990, restringe-se às hipóteses em que a dívida foi constituída em benefício da entidade familiar

2) Em relação ao ônus da prova:

a) Se o bem for dado em garantia real por um dos sócios de pessoa jurídica, é, em regra, impenhorável, cabendo ao credor o ônus de comprovar que o débito da pessoa jurídica se reverteu em benefício da entidade familiar.

b) caso os únicos sócios da sociedade sejam os titulares do imóvel hipotecado, a regra é da penhorabilidade do bem de família, competindo aos proprietários demonstrar que o débito da pessoa jurídica não se reverteu em benefício da entidade familiar.

Ótimo tema para provas de direito civil e processual civil.


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