* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Julgamento do STF – ADI 5.728
O Supremo Tribunal Federal (STF), de forma unânime, acaba de julgar constitucional a EC 96/17, viabilizando a prática da vaquejada (ADI 5.728).
Referida emenda acrescentou o parágrafo 7º ao artigo 225, da Constituição Federal, nos seguintes termos:
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Já o artigo 225, §1º, VII, da CF/88, proíbe as práticas que submetam os animais a crueldade.
O que a EC fez, portanto, foi dizer que as práticas desportivas que utilizem animais como manifestações culturais, a exemplo da vaquejada e do rodeio, não são consideradas cruéis, ou seja, são plenamente constitucionais.
Mas para entendermos melhor o julgado, precisamos voltar um pouco no tempo.
Origem da discussão
A vaquejada tem sido tema de grande debate no STF e na sociedade. Essa discussão gira em torno do choque de dois valores, a saber: manifestação cultural x proteção aos animais.

Vaquejada
Inicialmente, vamos explicar, de forma objetiva, o que é a vaquejada.
A vaquejada é uma atividade cultural proveniente do nordeste brasileiro. Nela, dois vaqueiros montados a cavalo têm de derrubar um boi, puxando-o pelo rabo, entre duas faixas de cal do parque de vaquejada.
Estima-se que a vaquejada movimenta aproximadamente R$ 800 milhões por ano, gerando cerca de 720 mil empregos diretos e indiretos1.
“A origem da vaquejada remonta ao período colonial, quando os vaqueiros percorriam o sertão nordestino em busca do gado solto na mata. Esse costume, inicialmente uma necessidade para reunir e marcar os animais, evoluiu para uma competição de destreza e habilidade, onde os peões disputavam quem conseguia dominar o boi pelo rabo no menor tempo.
A cidade de Currais Novos (RN) é considerada o berço da vaquejada, mantendo viva essa tradição que se espalhou por todo o Nordeste e ganhou status de esporte nacional.” (VAQUEJADA..., 2025).
Argumentos
Os defensores da vaquejada argumentam que a atividade é uma manifestação cultural do povo nordestino, remontando ao século XVII. Afirmam ainda que a vaquejada moderna se preocupa com a saúde tanto dos vaqueiros quanto dos animais.
Já os opositores do esporte afirmam que a vaquejada representa, para os bois e os cavalos, grandes maus-tratos, pois submetem os animais a dores físicas e a altos níveis de estresse.
O STF, no julgamento da ADI 4983, em 2016, julgou, por maioria apertada (6 x 5), inconstitucional a Lei Estadual nº 15.299/2013, do Estado do Ceará, que regulamentava a vaquejada no Estado. O Ministro Marco Aurélio, relator da ADI, considerou haver “crueldade intrínseca” aplicada aos animais na vaquejada.
Portanto, o entendimento do STF, na ocasião, foi o de que a vaquejada, por causar maus-tratos aos animais, é uma atividade que afronta à Constituição Federal (art. 225, §1º, VII), e, portanto, estaria proibida.
Assim pontuou o Ministro Marco Aurélio, em seu voto vencedor:

Rodeio e vaquejada como manifestações culturais
Mas a história não parou por aí. O Congresso Nacional, após muita pressão de setores da sociedade que defendem a vaquejada, aprovou a Lei Federal nº 13.364/2016, que eleva o rodeio e a vaquejada à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial.
Lei 13.364/2016
Art. 1º Esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.
Art. 2º O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional.
Art. 3º Consideram-se patrimônio cultural imaterial do Brasil o Rodeio, a Vaquejada e expressões decorrentes, como:
I - montarias;
II - provas de laço;
III - apartação;
IV - bulldog;
V - provas de rédeas;
VI - provas dos Três Tambores, Team Penning e Work Penning;
VII - paleteadas; e
VIII - outras provas típicas, tais como Queima do Alho e concurso do berrante, bem como apresentações folclóricas e de músicas de raiz.
Ainda sob a pressão da bancada ruralista, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 96/2017, que acrescentou o §7º ao art. 225 da CF “para determinar que práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis”.
CF/88
Art. 225...
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
A EC 96/2017 é um exemplo do que a doutrina constitucionalista denomina de “efeito backlash”.

Democracia deliberativa
Segundo o relator da ADI 5.728, Dias Toffoli, a possibilidade de reação legislativa às decisões do STF tem fundamento na noção de democracia deliberativa. Por ela, o exercício da cidadania estende-se para além da mera participação no processo eleitoral, exigindo uma participação mais direta dos indivíduos no domínio da esfera pública, em um processo contínuo de discussão e crítica reflexiva das normas e valores sociais, que acaba se refletindo no Parlamento.
Portanto, o Supremo deu uma guinada em seu entendimento de que a prática da vaquejada causaria maus-tratos aos animais envolvidos e, portanto, se revelaria uma prática inconstitucional.
Atualmente, os onze ministros do Supremo entendem que a prática da vaquejada e do rodeio, desde que observem as normas ambientais e sanitárias, não são vedadas pela Constituição Federal.
Dias Toffoli ressaltou que a reversão legislativa da jurisprudência do STF é legítima, pois visa estabelecer um equilíbrio que permita a continuidade da vaquejada como uma prática cultural, desde que seja realizada dentro de parâmetros que protejam os animais.
Toffoli destacou a importância de considerar as práticas culturais nas diversas regiões do Brasil, apontando que a vaquejada faz parte da cultura nordestina e que há uma necessidade de proteção dessas práticas sob a ótica dos direitos culturais garantidos pela Constituição.
"Os direitos culturais também constituem direitos e garantias fundamentais, sendo, portanto, igualmente cobertos pelas garantias de eternidade. (...) A vaquejada - hoje uma prática esportiva e festiva devidamente regulamentada - pertence à cultura do povo nordestino deste país, é secular e há de ser preservada dentro de parâmetros e regras aceitáveis para o atual momento cultural de nossa vivência."
Ótimo tema para provas de direito ambiental e constitucional.
- VAQUEJADA movimenta cerca de R$ 800 milhões por ano e fortalece a economia nordestina. CompreRural. 2025. Disponível em: <https://www.comprerural.com/vaquejada-movimenta-cerca-de-r800-milhoes-por-ano-e-fortalece-a-economia-nordestina/>. ↩︎
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