* Thiago de Paula Leite é procurador do Estado de São Paulo e professor de direito ambiental e agrário do Estratégia.
Decisão do STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais uma lei do estado da Paraíba e uma lei do estado de Rondônia que limitam a participação de mulheres nos concursos para cargos da Polícia Militar (ADI 7485 e ADI 7556).
A decisão, tomada de forma unanime pela Corte, consolida entendimento já adotado pelo Colegiado de que a limitação da participação feminina nas corporações militares fere princípios da Constituição voltados a garantia do direito à igualdade, a proteção do mercado de trabalho da mulher e a proibição de critérios discriminatórios por gênero.
- Lei da Paraíba (ADI 7485): a Lei estadual 7.165/2002 limitava a participação feminina nos quadros da Polícia Militar do Estado em até 5% do efetivo total;
- Lei de Rondônia (ADI 7556): a Lei estadual 756/1997 fixava em 10% do efetivo de oficiais e 12% de praças para mulheres.
Para garantir segurança jurídica, os efeitos da decisão só incidirão a partir do julgamento, mantendo-se válidos os certames já encerrados. A anulação de concursos já concluídos, portanto, causaria riscos para a gestão da segurança pública, para a segurança jurídica e para o interesse público.
Anteriormente, a Suprema Corte já havia afastado restrições relativas à participação das mulheres nos quadros da Polícia Militar em concursos de Sergipe, Roraima e Ceará.
Críticos do amplo acesso
O argumento da fisiologia feminina se baseia em um alegado menor nível de aptidão física da mulher (força muscular, potência anaeróbica, resistência física, propensão a lesões e fraturas) para atividades militares de combate e operações, o que poderia comprometer o desempenho na execução das tarefas.
Segundo essa linha argumentativa, o menor nível de aptidão física da mulher para atividades militares poderia ocasionar uma maior exposição à riscos, limitação de prontidão da unidade, aumento do número de hospitalizações, afastamento das atividades funcionais e maior risco de acidentes.
Esse argumento, inclusive, já foi utilizado pelo Exército e pela AGU para defender as restrições de amplo acesso das mulheres às Forças Armadas.
Favoráveis do amplo acesso
Em lado oposto há os que consideram o argumento da fisiologia feminina um mito, uma falácia.
Para estes, a força física é cada vez menos imprescindível no contexto militar, que se utiliza cada vez mais da estratégia e inteligência. Além do mais, o amplo acesso às forças armadas e polícias militares serve, também, para reforçar os laços patrióticos das mulheres, a ampla participação na defesa do território e na garantia da segurança pública. Isso sem falar que contribui para a formação de um ambiente menos preconceituoso, menos machista, e mais plural no mundo castrense.
Visto os argumentos contrários e favoráveis do amplo acesso feminino às armas, vamos analisar a questão do ponto de vista jurídico.
Análise jurídica
Princípio da igualdade
A Constituição alberga um verdadeiro direito de amplo acesso aos cargos, empregos e funções públicas, inclusive trazendo como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a promoção do bem de todos, sem preconceito de sexo, conforme previsto no art. 3º, IV da Constituição Federal.
O princípio da igualdade tem fundamento no artigo 5º, I, da CF, reconhecendo expressamente a igualdade entre homens e mulheres.
A consagração constitucional do princípio da igualdade veda as diferenciações arbitrárias e as discriminações absurdas, sendo o tratamento desigual dos casos desiguais uma exigência do próprio conceito clássico de Justiça.
Assim, como bem pontuou o ministro Alexandre de Moraes na ADI 7480:
A desigualdade inconstitucional na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e aos efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos.
Ou seja, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado, o que não é o caso das limitações nos concursos para a Polícia Militar.
Importante ressaltar a tríplice finalidade limitadora do princípio da igualdade:
- Limitação ao legislador;
- Limitação ao intérprete/autoridade pública; e
- Limitação ao particular.
Participação feminina nos concursos para os órgãos da Segurança Pública
Do capítulo constitucional dedicado aos órgãos da Segurança Pública (Capítulo III, do Título V), não se extrai qualquer especificidade quanto à participação de mulheres nos certames de ingresso aos respectivos cargos e ao exercício das atividades de preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Em relação aos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, a Constituição Federal estabelece que aos membros das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares aplicam-se as disposições do seu art. 142, §3º, bem como cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, §3º, X.
Dentro dessa normativa, não se identifica qualquer permissão constitucional para discriminações quanto ao acesso aos cargos e funções públicas. A participação feminina na formação do efetivo da Polícia Militar estadual deve ser incentivada mediante ações afirmativas.

Ademais, a legislação que restringe a ampla participação de candidatas do sexo feminino nos concursos para a Polícia Militar, sem que esteja legitimamente justificada, caracteriza clara afronta à igualdade de gênero.
Exigência de previsão legal e de critérios justificadores
Não há registro de justificativas baseadas em estudos técnicos a embasar dificuldades operacionais ocasionadas pelo ingresso de mulheres nessa ou naquela atividade. O que há é tão somente o estabelecimento de uma limitação arbitrária para acesso a determinados cargos às mulheres, com percentual definido, sem qualquer justificativa razoável. Está-se diante, portanto, de um critério aleatório.
As carreiras da segurança púbica, de fato, exigirão de seus integrantes, homens e mulheres, um esforço físico acentuado. Os graus e limites definidos, todavia, deverão ser justificados para ambos os gêneros, diante da efetiva necessidade.
Exige-se uma real justificativa e com adequado embasamento técnico. Caso contrário, haverá abuso, verdadeira arbitrariedade que não se compatibiliza com o princípio da isonomia.
Forças Armadas
Com fundamentos semelhantes aos vistos acima, a Procuradoria-Geral da República ajuizou três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7500, 7501 e 7502) contra dispositivos legais que limitam o acesso de mulheres a alguns cargos na Aeronáutica, na Marinha e no Exército.
Para a PGR, 100% das vagas disponíveis nos concursos de recrutamento devem ser acessíveis às mulheres. Tal oferta deve ocorrer sem discriminação de gênero e em igualdade de condições com candidatos homens, conforme assegura a Constituição Federal.
Aeronáutica: na ADI 7500, a PGR argumenta que, embora a Lei 12.464/2011 não proíba expressamente o ingresso de mulheres na Aeronáutica, alguns de seus dispositivos permitem que editais criem impedimentos às candidaturas femininas, sob o pretexto de que as responsabilidades associadas a determinados cargos exigiriam habilidades, atributos e desempenho físico que apenas candidatos do sexo masculino teriam.
Marinha: na ADI 7501, o objeto são alterações na Lei 9.519/1997, que permitem ao comandante da Marinha definir em quais escolas de formação e cursos e em quais capacitações e atividades serão empregados oficiais dos sexos masculino e feminino. Além disso, a norma determina que os percentuais dos cargos destinados a homens e mulheres sejam fixados por ato do Poder Executivo, o que, segundo a PGR, contribui para excluir as candidatas de grande parte dos postos e das ocupações.
Exército: já na ADI 7502, a PGR afirma que a Lei 12.705/2012, ao dispor sobre os requisitos para acesso aos cursos de formação de oficiais e de sargentos de carreira do Exército, estabeleceu que o ingresso de mulheres na linha militar bélica seria viabilizado em até cinco anos. O argumento é de que essa previsão admite, em sentido contrário, que haja linhas de ensino não acessíveis a mulheres, direcionadas exclusivamente aos homens. Segundo a PGR, mesmo após o fim desse prazo, concursos de admissão à Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EsPCEx), responsável pelos cursos de formação, reservaram para candidatas do sexo feminino “percentuais ínfimos” de vagas (cerca de 10%).
Inconstitucionalidades
A PGR afirma, nas ADI’s, que as restrições ao amplo acesso feminino às forças armadas violam a Constituição Federal no seguintes pontos:
- Art. 3º, IV (direito à não discriminação em razão de sexo);
- Art. 5º, caput e I (princípios da isonomia e da igualdade entre homens e mulheres);
- Art. 7º, XX (direito social à proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos);
- Arts. 7º, XXX, 37, I, e 39, § 3º (direito de acesso a cargos públicos e proibição de discriminação em razão do sexo quando da respectiva admissão); e
- Art. 142, § 3º, X (disciplina do ingresso nas Forças Armadas reservada à lei em sentido estrito).
A tendência, portanto, é de que o Supremo continue reafirmando sua jurisprudência, no sentido de declarar como violadora da Constituição a legislação local que imponha restrições ou limites às mulheres nos quadros da Polícia Militar, prestigiando o direito à igualdade de gênero e o amplo acesso aos cargos públicos.
Ótimo tema para provas de direito constitucional!
Quer saber quais serão os próximos concursos?
Confira nossos artigos para Carreiras Jurídicas!