No início do ano de 2025, na abertura dos trabalhos do STF, num momento delicado de críticas aos gastos do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal apresentou uma iniciativa que dividiu a opinião do público nas redes sociais:
“STF Fashion: Barroso anuncia lançamento de gravata e lenço do Tribunal”
Em síntese, o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, anunciou no dia 06/02/2025 a criação de uma gravata oficial (para os homens) do tribunal e de um lenço (para as mulheres) para serem utilizados pelos Ministros e Ministras, bem como para serem dados como presentes para outras autoridades em agendas oficiais.
![Gravata - Ministro Barroso](https://cj.estrategia.com/portal/wp-content/uploads/2025/02/07164550/MINISTRO-BARROSO.png)
![](https://cj.estrategia.com/portal/wp-content/uploads/2025/02/07164554/MINISTRA-CARMEN-LUCIA.png)
Opinião do povo
Nesse sentido, esses foram os comentários do público na postagem do Portal Migalhas:
Opinião | Descrição | Exemplos de Comentários |
Crítica ao custo e uso de recursos públicos | Questionamento sobre o custo dos itens e a responsabilidade fiscal no uso de recursos públicos. | “Quem paga?”, “Ótimo uso do dinheiro público”, “Estão gastando nosso dinheiro nessas papagaiadas.” |
Desconexão com a realidade social | Percepção de que o STF está alheio aos problemas sociais do país. | “Vivem em Nárnia”, “A distância do STF da realidade do povo brasileiro é grotesca!”, “Rindo na cara do povo.” |
Humor e ironia | Uso de humor para expressar descontentamento ou desconforto com a situação. | “Ficou muito bonitinho… sei quantos milhares de reaiszinhos esse mimo”, “A Carmem Lúcia: foi pra isso que virei ministra?” |
Reações à ministra Cármen Lúcia | Foco nas expressões faciais da ministra, sugerindo que ela não aprovou a iniciativa. | “A cara da ministra Carmen foi a melhor”, “A ministra super empolgada 😂”, “Dona Carmem se segurando para não gargalhar.” |
Crítica ao Judiciário | Insatisfação geral com o funcionamento ou imagem do STF e do Judiciário. | “Mais gastos com dinheiro público”, “E pensar que esperamos tanto dessa gente que vive numa realidade paralela”, “O barco afundando e o pessoal tocando violino.” |
Defesas ou opiniões neutras | Comentários que destacam o humor ou relevância institucional da medida, sem crítica direta. | “Humanizar é muito salutar”, “Voltamos à normalidade institucional. E com muita leveza 👏”, “Ficou bonitinho mesmo 😍.” |
Argumentos
“Nós recebemos muitas visitas ou visitamos lugares em que as pessoas nos dão presentes. E, portanto, foi uma forma que nós encontramos, gentil, de retribuir os eventuais presentes que recebemos com uma gravata que tem o símbolo do Supremo Tribunal Federal e que, se permitirem aí, modéstia à parte, ficou muito bonitinho”, disse.
O grande problema é que o cenário da notícia apresenta uma dicotomia interessante: por um lado, dados do Conselho Nacional de Justiça indicam um crescimento de 9% nas despesas do Judiciário em 2023, alcançando a expressiva cifra de R$ 132,8 bilhões, o que fez o Presidente tem que expor uma nota referindo-se sobre os gastos do Tribunal.
Por outro lado, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, reiterou que o Judiciário federal tem um orçamento sujeito às regras de teto de gastos e que conta com o mesmo volume de recursos desde 2017, acrescido da correção da inflação e de um pequeno aumento no ano passado, fruto das balizas estabelecidas no arcabouço fiscal.
Inclusive, citou em seu discurso:
“Teto de gastos. No meu discurso na abertura do ano judiciário, prestando contas da atuação do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, afirmei: desde 2017, o Judiciário Federal vive com o mesmo orçamento, acrescido apenas do percentual de inflação e, em 2024, com pequeno aumento decorrente da Lei Complementar 200/2023 (arcabouço fiscal). A propósito, em 2024, devolvemos ao Tesouro R$ 406 milhões não gastos. A afirmação é inteiramente precisa”. Nota de Retificação e Esclarecimentos
Nesse sentido, nosso artigo jurídico se pautará pela análise estritamente jurídica do assunto.
Análise jurídica
Autonomia administrativa e o Poder Judiciário
De início, é importante ressaltar que o artigo 99 da Constituição Federal assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa e financeira:
Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira. § 1º Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias.
Inclusive, fazendo parte dessa autonomia administrativa, o STF já decidiu que “a escolha dos órgãos diretivos compete privativamente ao próprio tribunal, nos termos do artigo 96, I, a, e artigo 99, da Carta Magna, em homenagem à autonomia administrativa”. Nessa linha, referiu-se que o tema estásujeita à disciplina por normas regimentais, de maneira que não recepcionado o artigo 102, da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LCp 35/1979), na parte em que restringe aos Juízes mais antigos o universo daqueles aptos a concorrer aos cargos de direção. [ADI 3.976, rel. min. Edson Fachin, j. 25-6-2020, P, DJE de 21-9-2020.]
Ademais, recentemente, o STF já decidiu que o Tribunal de Contas da União, ao avançar na fiscalização da destinação de recursos oriundos de prestações pecuniárias pagas em virtude de condenações criminais, surgidas da atuação jurisdicional, viola as garantias de autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário (CF, arts. 96 e 99), que possui normas legais regulamentadoras da matéria em discussão. [MS 39.821 MC-REF, rel. min. Nunes Marques, j. 26.08.2024, 2ª T, DJE de 02.10.2024.]
Para mais julgados sobre o artigo 99, consulte aqui: A Constituição e o Supremo.
Em suma, o Supremo Tribunal Federal tem autonomia financeira para adquirir gravatas e lenços, uma vez que pode gerir seu próprio orçamento.
Em outras palavras, há autorização constitucional para que o STF tome decisões sobre a gestão interna, obviamente, desde que respeite os princípios previstos no art. 37 da Constituição, especialmente os da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência…
Assim, a administração pública deve harmonizar dignidade institucional e moderação nos gastos, sem deixar de lado a finalidade pública.
Nesse sentido, é salutar que haja discussão se o gasto atende ou não a finalidade pública.
Protocolo institucional
Recentemente, foi publicado que o custo unitário de cada gravata/lenço será de R$ 348,00 para o STF. Entretanto, o STF afirma que a política também serve para presentear autoridades em eventos:
Gravatas temáticas do STF para presentear autoridades terão custo de R$ 384 cada
Nesse sentido, cumpre destacar que no âmbito das relações institucionais, a troca de presentes entre autoridades é uma prática consagrada no direito internacional público.
De fato, essas cortesias ajudam a estreitar laços diplomáticos e simbolizam o respeito entre órgãos e nações. No entanto, a legitimidade dessa prática depende da observância do princípio da economicidade, que exige que os recursos sejam empregados de forma racional e eficiente.
De acordo com Freitas (2018), em sua obra “Direito Administrativo e Protocolo Institucional”:
"A troca de presentes institucionais, quando realizada dentro de parâmetros razoáveis e com finalidade estritamente protocolar, não fere os princípios da moralidade administrativa, desde que os itens possuam valor moderado e caráter simbólico" (FREITAS, Juarez. Direito Administrativo e Protocolo Institucional. 4. ed. São Paulo: Método, 2018, p. 156).
No Brasil, por exemplo, o Código de Conduta da Alta Administração Federal (aprovado por Exposição de Motivos nº 37, de 18 de agosto de 2000) estabelece em seu art. 9º:
"É vedada à autoridade pública a aceitação de presentes, salvo de autoridades estrangeiras nos casos protocolares em que houver reciprocidade."
Além disso, deve-se obedecer os conceitos de “economicidade e proporcionalidade”, como já decidiu o Tribunal de Contas da União, através do Acórdão 2789/2021-Plenário, estabelecendo parâmetros para a aquisição de brindes institucionais:
"Os brindes institucionais devem guardar proporcionalidade com a finalidade a que se destinam, evitando-se gastos excessivos ou desproporcionais" (BRASIL. TCU. Acórdão 2789/2021-Plenário. Rel. Min. Bruno Dantas).
Em resumo
A questão que resta ao leitor é:
A iniciativa do STF atende a uma necessidade institucional e fortalece a imagem da Corte, ou representa um gasto desnecessário em tempos de pressão por austeridade?
A resposta depende da interpretação que você concebe ao conceito de finalidade pública.
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