STF e o princípio da imparcialidade. Entenda!

STF e o princípio da imparcialidade. Entenda!

Sou o professor Rodrigo Vaslin, Juiz Federal do TRF 3ª Região e mestrando em Direito Processual Civil na USP. Já fui aprovado em 13 concursos.

Trouxe abaixo uma análise para reflexão sobre o tema: STF e o princípio da imparcialidade! Entenda o que decidiu o Supremo sobre o art. 144, VIII, do CPC/15.

Consoante Fredie Didier Jr.[1], jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial de realizar o Direito de modo imperativo e criativo (reconstrutivo) reconhecendo/efetivando/protegendo situações jurídicas concretamente deduzidas em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível.     

Divide-se o “terceiro imparcial” característica em dois critérios, um objetivo (imparTialidade) e outro subjetivo (imparcialidade).

André Roque[2] destaca que essa imparcialidade (critério subjetivo) é consequência do direito fundamental ao juiz natural (art. 5º, XXXVII, CRFB), da igualdade de tratamento das partes no processo (art. 7º, CPC) e, em última análise, do devido processo legal (art. 5º, LV, CRFB). Luigi Ferrajoli[3], por sua vez, assevera que a imparcialidade é composta por três características: i- equidistância; ii- independência: indiferença do juiz em relação ao resultado por se encontrar livre de pressões; iii- naturalidade: no Brasil, seria o juiz natural.

Pois bem.

O CPC/15 concretiza a imparcialidade por meio das hipóteses de impedimento (art. 144) e suspeição (art. 145).

O art. 14 da Lei n. 9.307/96 também exige que o árbitro seja imparcial, remetendo às hipóteses dos arts. 144 e 145 do CPC. Inclusive, o STJ já inadmitiu a homologação de sentença arbitral por violação a tal preceito[4]. Nada impede, porém, de as partes, voluntariamente, relevarem essa causa de impedimento e suspeição (enunciado 489, FPPC[5]).

VUNESP/TJSP – Juiz/2021 – Após a prolação de sentença arbitral, por unanimidade dos três árbitros, em desfavor do requerido, este descobre fato que configura suspeição de um dos árbitros. Diante desse fato, (D) é cabível a propositura de ação anulatória, a ser interposta perante a jurisdição estatal. D está correta. A sentença arbitral é título executivo judicial (art. 515, VII, CPC), ensejando coisa julgada material. Todavia, é possível a revisão judicial se, no prazo decadencial de 90 dias (art. 33, §1º, Lei n. 9.307/96), forem arguidos vícios formais e nunca erros relativos ao seu conteúdo (art. 32 e 33). No caso concreto, houve sim causa de nulidade do procedimento arbitral. A imparcialidade do julgador é requisito de validade do processo, de modo que o desrespeito gera nulidade do feito arbitral (art. 14). Sobre a questão, há previsão clara nos incisos II e VIII do art. 32 c/c art. 21, §2º.

Ainda, aplicam-se ao mediador e conciliador as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz (Lei n. 13.140/15, art. 5º).

Sobre essas hipóteses de impedimento e suspeição, o quadro esquemático a seguir demonstra as suas principais características.

ImpedimentoSuspeição
São objetivas, não deixando margem para subjetividade.São subjetivas, mas há tendência do STJ[6] modificar o posicionamento.
Há presunção absoluta de parcialidade.Há presunção relativa de parcialidade.
Pode ser alegada a qualquer tempo e em qualquer grau de jurisdição.Deve ser alegada no momento oportuno, sob pena de preclusão.
Pode ser reconhecida de ofício.Pode ser reconhecida de ofício.
É hipótese de ação rescisória (art. 966, II, CPC/15).Não é hipótese de ação rescisória.
Rol taxativo
Atenção: não há impedimento, nem suspeição de ministro, nos julgamentos de ações de controle concentrado, exceto se o próprio ministro firmar, por razões de foro íntimo, a sua não participação. STF. ADI 6362/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, d.j. 2/9/2020 (Info 989).

Um último apontamento antes de entrar no julgado do STF na ADI 5953, no dia 21/08/2023, é que, em relação ao CPC/73, o CPC/15:

a) ficou mais rigoroso no que se refere à configuração da suspeição e do impedimento;

b) a forma de impugnação foi simplificada: foram extintas as exceções rituais, devendo apresentar simples petição no prazo de 15 dias da data em que se tomou conhecimento do fato.

Pois bem.

Foi noticiado no dia 21/08 de que o plenário do STF, em sessão virtual, julgou procedente a ADI 5953 para considerar inconstitucional o inciso VIII do art. 144 do CPC/15, que prevê:

Art. 144, VIII – em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;

O inciso foi uma inovação em relação ao CPC/73.

Vale frisar, de início, que o inciso VIII é diferente do inciso III, cujo impedimento se refere unicamente ao mesmo processo em que atue o cônjuge/companheiro ou parente do juiz[7].

Art. 144, III – quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive.

§ 3º O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

O inciso VIII, por sua vez, opera-se opera para todo feito no qual figure como parte cliente do escritório de advocacia da pessoa próxima ao julgador, ainda que esta pessoa ou o escritório sequer figurem na procuração. Por exemplo, o escritório no qual minha esposa trabalha defende uma empresa X. Se a empresa X estiver litigando, mesmo que patrocinada por outro escritório, ainda estarei impedido para a causa. O objetivo é evitar favorecimentos que poderiam ser ocultados pela não participação formal da pessoa próxima ao juiz.

Por conta da amplitude imensa do inciso VIII, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) ajuizou no STF a ADI 5953[8], buscando a sua inconstitucionalidade[9].

Na ADI, a associação afirmou que a lei exige uma conduta impossível de ser observada por parte do magistrado e, por este motivo, a regra fere o princípio constitucional da proporcionalidade. Segundo a entidade, o juiz não tem como saber que uma das partes é cliente de advogado que se enquadre na regra de impedimento porque não há no processo nenhuma informação quanto a esse fato objetivo.

No julgamento, o STF, por maioria, decidiu pela inconstitucionalidade do dispositivo. Os ministros Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin entenderam que a imparcialidade do magistrado já está garantida pelo art. 144, III c/c §3º, CPC/15, bem como que o art. 144, VIII amplia exageradamente a hipótese de impedimento, sem dar ao juiz o poder ou os meios para pesquisar a carteira de clientes do escritório de seu familiar.

Na prática, como afirma a AMB, o juiz não tem como saber que a parte, em outras demandas na Justiça, é cliente de escritório de um parente seu — já que tal informação não consta no processo. Da mesma forma, não é possível exigir dos cidadãos que apresentem, na petição, a lista detalhada de todos os seus advogados, tampouco dos advogados que forneçam ao juiz os nomes completos de todos os seus clientes

Ademais, mesmo sendo uma regra previamente estabelecida em lei, a norma dá às partes a possibilidade de usar o impedimento como estratégia, definindo quem serão os julgadores da causa, violando, pois, o princípio do juiz natural. A escolha dos julgadores, normalmente definida pela distribuição, passa ao controle das partes, “principalmente daquelas com maior poder econômico”.

Por fim, os ministros observaram que, até o grau de apelação, prevalece o interesse no distanciamento dos julgadores em relação ao caso concreto discutido na causa. Já em Tribunais Superiores, o interesse principal não está na solução do caso concreto, mas na formação de precedente que orientará julgamentos futuros, prevalecendo o interesse coletivo de que o precedente formado represente a opinião da Corte, não a opinião de uma maioria eventual.

Doutro lado, ficaram vencidos os ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Rosa Weber e Carmen Lúcia, para quem o dispositivo era constitucional. Para Fachin, o CPC apenas presume um ganho, econômico ou não, a um membro da família do juiz, materializado na vitória de cliente do escritório de advocacia. Nesses casos, caberia ao magistrado e às partes cooperarem para a prestação da justiça íntegra, imparcial e independente. Salientou que o dispositivo distribui cargas de deveres não apenas ao juiz, mas a todos os sujeitos processuais.

O ministro Barroso também considera a norma constitucional, mas entendeu que sua incidência deve ficar condicionada às situações em que o magistrado tem ciência ou razoavelmente deveria ter ciência do impedimento.

E vocês, o que acharam desse julgado do STF? A qual corrente vocês se filiariam?

Tema interessante para debater.

Em provas, porém, fique obviamente com a posição do Supremo.

Até mais.


[1] DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Juspodivm, 18ª ed, vol. I, p. 187.

[2] ROQUE, André. Comentários aso arts. 144 a 148 do CPC/15. In: DIDIER JR., Fredie; ALVIM, Teresa Arruda; DANTAS, Bruno; TALAMINI, Eduardo (coordenadores). Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016., p. 517-537.

[3] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 4ª ed. São Paulo: RT, 2013.

[4]  A prerrogativa de imparcialidade do julgador aplica-se à arbitragem e sua inobservância resulta em ofensa direta à ordem pública nacional – o que legitima o exame da matéria pelo Superior Tribunal de Justiça, independentemente de decisão proferida pela Justiça estrangeira acerca do tema. SEC 9.412-EX, Rel. Min. Felix Fischer, Rel. p/ ac. Min. João Otávio de Noronha, d.j. 19/4/17, info 605.

[5] Enunciado 489, FPPC: Observado o dever de revelação, as partes celebrantes de convenção de arbitragem podem afastar, de comum acordo, de forma expressa e por escrito, hipótese de impedimento ou suspeição do árbitro.

[6] Atenção: está crescendo uma posição contrária, no sentido de que a suspeição deveria ter uma análise mais objetiva. Inclusive, em obter dictum, Herman Benjamin já expôs tal pensamento em 07/06/18. Após citar o Código de Ética da Magistratura, os Princípios de Bangalore de Conduta Judicial e o Código Ibero-Americano de Ética Judicial, aduziu que: (…) Assim, inevitável que esse mosaico de valores, princípios, responsabilidades e expectativas – partilhado pela comunidade das nações democráticas e, em decorrência, matéria-prima do arcabouço deontológico da magistratura ideal – informe a interpretação que se venha a conferir aos arts. 144 e 145 do novo CPC. Por esse enfoque, O STANDARD APLICÁVEL DEIXARIA DE SER DE AUTOAVALIAÇÃO SUBJETIVA DO JUIZ E ASSUMIRIA CONFORMAÇÃO DE APARÊNCIA EXTERIOR OBJETIVA, isto é, aquela que toma por base a “confiança do público” ou de um “observador sensato”. Em outras palavras, a aferição de impedimento e suspeição, a partir do texto da lei, haveria de levar em conta, além do realmente ser, o parecer ser aos olhos e impressões da coletividade de jurisdicionados. Em suma, não se cuidaria de juízo de realidade interna (ótica individual do juiz), mas, sim, de juízo de aparência externa de realidade (ótica da coletividade de jurisdicionados). (STJ, REsp 1720390/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, d.j. 07/06/2018)

[7] Art. 144, III – quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive.

[8] Na ADI, a associação afirma que a lei exige uma conduta impossível de ser observada por parte do magistrado e, por este motivo, a regra fere o princípio constitucional da proporcionalidade. Segundo a entidade, o juiz não tem como saber que uma das partes é cliente de advogado que se enquadre na regra de impedimento porque não há no processo nenhuma informação quanto a esse fato objetivo. 

[9] Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que julgou improcedente, pediu vista o Min. Gilmar Mendes.

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