Prof. Gustavo Cordeiro
Introdução
Foi publicado o acórdão que condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado. Com penas que somam décadas de prisão — Bolsonaro recebeu 27 anos e 3 meses —, o caso desperta questões fundamentais sobre cabimento de recursos, prazos processuais e interpretação regimental. Para quem estuda para Magistratura, Ministério Público, Defensoria Pública ou Delegado, este é o momento de dominar um tema que certamente será cobrado nas próximas provas: embargos de declaração e embargos infringentes em competência originária.
A decisão da 1ª Turma do STF foi tomada por 4 votos a 1, com divergência parcial apenas do ministro Luiz Fux. Agora, com o acórdão publicado, as defesas têm prazos exíguos para recorrer. Mas quais recursos são realmente cabíveis? E mais: o que a jurisprudência do STF exige para admitir cada um deles?
Assim, este artigo vai te preparar para responder essas perguntas com precisão cirúrgica.
A questão dos prazos: dias corridos ou úteis?
Antes de adentrarmos nos recursos propriamente ditos, é fundamental esclarecer uma dúvida que gera confusão até mesmo em profissionais experientes: os prazos para recursos em ações penais no STF são contados em dias corridos ou em dias úteis?
A regra aplicável: art. 798 do CPP
O STF consolidou entendimento de que, em processos e procedimentos de natureza penal, aplica-se o art. 798 do CPP, que estabelece a contagem de prazos de forma contínua (dias corridos):
Art. 798 do CPP: "Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado."
No julgamento da Rcl 23.045 ED-AgR/DF (Info 939/STF, Rel. Min. Edson Fachin, j. 9/5/2019), o Plenário do STF decidiu:
A contagem de prazos no contexto de reclamações cujo ato impugnado tiver sido produzido em processo ou procedimento de natureza penal submete-se ao art. 798 do CPP, ou seja, os prazos são contados de forma contínua (e não em dias úteis).
Por que não se aplica o CPC/2015?
O CPC/2015 estabelece no art. 219 que os prazos processuais devem ser contados em dias úteis. No entanto, a eventual incidência do CPC no processo penal é supletiva e pode ocorrer como decorrência da integração prevista no art. 3º do CPP, restringindo-se às hipóteses para as quais o direito processual penal não contenha disposição a respeito da matéria.
Como o CPP possui regra expressa (art. 798) e o Regimento Interno do STF disciplina os recursos em ações penais originárias, não há lacuna normativa a ser preenchida pelo CPC. Logo, prevalece a contagem em dias corridos.
Embargos de declaração: o recurso integrativo
Natureza e finalidade
Os embargos de declaração são o recurso de integração por excelência. Previstos no art. 337 do Regimento Interno do STF, destinam-se a sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida no julgado. Não servem, em regra, para rediscutir o mérito da decisão, mas para esclarecê-la.
Prazo: 5 dias, contados da publicação do acórdão (art. 337, § 1º, RI/STF).
No caso Bolsonaro, o prazo começou a correr em 23/10/2025, logo após a publicação do acórdão. É o recurso mais imediato e acessível às defesas.
Efeitos dos embargos declaratórios
Dois efeitos processuais são essenciais para concursos:
- Efeito suspensivo automático (art. 339, RI/STF): os embargos de declaração suspendem automaticamente o prazo para interposição de outros recursos. O prazo remanescente volta a correr após a publicação da decisão que julga os declaratórios.
- Efeito modificativo excepcional: embora a regra seja apenas integrar o julgado, os embargos podem ter efeito modificativo quando, ao suprir a omissão ou contradição, o tribunal acaba alterando o resultado. Exemplo clássico: reconhecimento de prescrição que estava omitido no acórdão.
Embargos protelatórios e multa
O art. 339, § 2º, do RI/STF prevê sanção ao embargante que usar o recurso de forma meramente protelatória: multa de até 1% sobre o valor da causa. Em ações penais, essa multa pode ser substituída por outras medidas, mas o STF tem sido rigoroso com a litigância de má-fé.
Embargos infringentes: a polêmica do cabimento
Previsão regimental e requisitos
Os embargos infringentes são previstos no art. 333 do RI/STF e cabem contra decisão não unânime que: (i) julgar procedente a ação penal ou (ii) julgar improcedente a revisão criminal.
Prazo: 15 dias úteis (art. 334, RI/STF).
Mas há uma grande controvérsia: quantos votos divergentes são necessários para o cabimento dos embargos infringentes quando o julgamento é feito por uma Turma (composta por 5 ministros), e não pelo Pleno (11 ministros)?
A construção jurisprudencial: AP 409 e AP 470
O Regimento Interno prevê expressamente, no art. 333, parágrafo único, que no Pleno são necessários 4 votos divergentes para o cabimento dos infringentes. Mas e nas Turmas?

No julgamento da AP 409 AgR-segundo/CE (DJe 1º.9.2015), o STF fixou que, em decisões do Pleno, os embargos infringentes dependem de pelo menos 4 votos vencidos de conteúdo absolutório em sentido próprio. Votos que apenas reconhecem nulidade ou prescrição não contam para esse total.
Posteriormente, no caso envolvendo o deputado Paulo Maluf (AP 863), o Plenário enfrentou diretamente a questão das Turmas. Por 6 votos a 5, o STF decidiu que, proporcionalmente, são necessários 2 votos divergentes favoráveis ao réu (absolutórios em sentido próprio) para o cabimento de embargos infringentes contra decisão de Turma.
Absolvição em sentido próprio: conceito-chave
Mas atenção: não basta qualquer voto divergente. É necessário que o voto seja absolutório em sentido próprio, ou seja, que reconheça a improcedência da pretensão punitiva por razões de mérito (negativa de autoria, de materialidade, excludente de ilicitude, etc.).
Votos que reconhecem apenas nulidades processuais ou prescrição não configuram absolvição em sentido próprio e, portanto, não autorizam o cabimento dos embargos infringentes.
Aplicação ao caso Bolsonaro
No julgamento que condenou Bolsonaro, o placar foi 4 a 1. Apenas o ministro Luiz Fux divergiu parcialmente. Se a divergência não foi no sentido de absolver (mas sim de reduzir penas ou afastar alguma qualificadora, por exemplo), não há o requisito mínimo de 2 votos absolutórios para o cabimento dos embargos infringentes.
Assim, segundo a jurisprudência atual do STF, os embargos infringentes são inadmissíveis neste caso.
Ações autônomas de impugnação
Habeas Corpus
Embora não seja propriamente um recurso, o habeas corpus pode ser impetrado para atacar ilegalidade ou abuso de poder na condenação. Contudo, o STF tem jurisprudência consolidada no sentido de que não cabe HC para rediscutir mérito de condenação já transitada em julgado ou em curso de recursos próprios.
Mandado de segurança
Também é possível, em tese, a impetração de mandado de segurança contra ato judicial que viole direito líquido e certo. Mas, assim como o HC, o STF tende a não admitir quando há recurso próprio cabível.
Quadro comparativo: embargos de declaração x embargos infringentes
| Aspecto | Embargos de declaração | Embargos infringentes |
| Finalidade | Esclarecer obscuridade, contradição, omissão | Reformar decisão condenatória não unânime |
| Prazo | 5 dias úteis | 15 dias úteis |
| Requisito de cabimento | Vícios formais no acórdão | 2 votos absolutórios (Turma) ou 4 (Pleno) |
| Efeito suspensivo | Automático | Não (depende de concessão expressa) |
| Julgamento | Mesmo órgão julgador | Pleno (se interpostos contra decisão de Turma) |
Questão objetiva de concurso (estilo FCC/VUNESP)
Enunciado:
Após julgamento de ação penal originária pela 1ª Turma do STF, o réu foi condenado por 4 votos a 1. O único voto divergente reconheceu a prescrição da pretensão punitiva, mas não adentrou o mérito da acusação. A defesa pretende interpor embargos infringentes. Com base na jurisprudência consolidada do STF, assinale a alternativa correta:
(A) Os embargos infringentes são cabíveis, pois houve divergência no julgamento, ainda que parcial, sendo irrelevante o conteúdo do voto vencido.
(B) Os embargos infringentes não são cabíveis, pois o voto divergente não foi absolutório em sentido próprio, requisito essencial fixado pelo STF.
(C) Os embargos infringentes são cabíveis, pois basta um voto divergente quando o julgamento é realizado por Turma composta de 5 ministros.
(D) Os embargos infringentes são inadmissíveis em ações penais originárias, pois o Regimento Interno do STF foi tacitamente revogado pela Lei 8.038/1990.
(E) Os embargos infringentes são cabíveis, devendo ser julgados pela mesma Turma que proferiu a decisão condenatória.
Gabarito: Letra B
Explicação:
(B) CORRETA. Segundo a jurisprudência do STF (AP 409 e caso Paulo Maluf), para o cabimento de embargos infringentes contra decisão de Turma (5 ministros), são necessários pelo menos 2 votos absolutórios em sentido próprio. Votos que apenas reconhecem prescrição ou nulidade processual não configuram absolvição em sentido próprio, pois não expressam juízo de improcedência da pretensão punitiva. No caso, houve apenas 1 voto divergente, e este não foi absolutório propriamente dito.
(A) INCORRETA. O STF exige que a divergência seja no sentido de absolvição própria, não bastando qualquer divergência parcial.
(C) INCORRETA. Não basta 1 voto divergente. São necessários 2 votos absolutórios em Turma de 5 ministros (proporcionalidade em relação aos 4 votos exigidos no Pleno).
(D) INCORRETA. O STF já decidiu na AP 470 que o art. 333 do RI/STF não foi revogado pela Lei 8.038/1990, subsistindo os embargos infringentes no ordenamento jurídico.
(E) INCORRETA. Os embargos infringentes contra decisão de Turma são julgados pelo Pleno do STF, não pela própria Turma.
Fechamento estratégico: o que você precisa memorizar
Para fechar com chave de ouro, grave estes pontos:
🔶 Embargos de declaração: 5 dias | efeito suspensivo automático | pode ter efeito modificativo excepcional
🔸 Embargos infringentes em Turma: exigem 2 votos absolutórios em sentido próprio (não conta nulidade ou prescrição)
🔶 Embargos infringentes no Pleno: exigem 4 votos absolutórios
🔸 Caso Bolsonaro: 4 x 1, sem 2 votos absolutórios → embargos infringentes inadmissíveis
🔶 Jurisprudência-chave: AP 409, AP 470 e caso Paulo Maluf
O domínio desse tema pode garantir pontos preciosos na sua prova. Mais do que decorar, entenda a lógica: o STF quer evitar recursos protelatórios, mas preserva a ampla defesa quando há divergência relevante. E divergência relevante, para o Supremo, é aquela que questiona o mérito condenatório, não apenas aspectos formais.
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