No dia 17/08/2025 o STJ publicou uma notícia muito importante que sempre cai em provas:
O STJ e as relações de filiação construídas com base no amor e na convivência
Vamos explicar com calma cada decisão.
De maneira geral, o STJ reconhece que quem ama e cuida pode valer mais juridicamente do que quem apenas gerou.
Veja, tem uma coisa interessante acontecendo nos corredores do Superior Tribunal de Justiça. Os ministros estão julgando casos que, francamente, colocam nossa cabeça para pensar sobre o que é família de verdade. Sabe aquela história de que “família é família”?
Por exemplo, a ministra Nancy Andrighi tem uma frase que fica na cabeça: reconhecer a filiação socioafetiva é “reconhecer a real identidade do filho, expressão de seu próprio direito de personalidade”.

Traduzindo do juridiquês: importa mais quem te criou do que quem te fez. E olha que isso não é papo de quem quer desvalorizar laços sanguíneos. É de quem percebeu que a vida real é bem mais complicada que os códigos imaginavam.
Nessa linha, estamos falando de uma mudança que vem se desenhando há anos, mas que só agora ganhou contornos definidos.
Assim, o STJ finalmente entendeu que pai pode ser o padrasto que te ensinou a andar de bicicleta. Que mãe pode ser a avó que ficou acordada nas suas noites de febre. Que família se constrói no dia a dia, não no laboratório.
Por exemplo, veja esse julgado:
A socioafetividade já há muito vem sendo compreendida como elemento caracterizador de vínculo de filiação, desde que verificada a posse do estado de filho, que consiste no desfrute público e contínuo da condição de filho. Se a presença de socioafetividade autoriza o reconhecimento de vínculo de filiação, possível concluir que sua ausência pode implicar no rompimento do vínculo de parentesco biológico e registral, a depender da situação concreta a ser analisada.
Assim, se ficar comprovada a ausência de vínculo de socioafetividade entre o autor e o pai registral, é possível a desconstituição da paternidade, quando evidenciado o abandono afetivo e material.
O princípio da paternidade responsável, orientado pela proteção da personalidade em desenvolvimento, autoriza, diante do descumprimento do dever de cuidado, o rompimento do vínculo paterno-filial, a partir de uma interpretação sistemática do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.117.287-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/2/2025 (Informativo 842).
Mas, o que significa isso de socioafetividade?
Veja outra decisão da Ministra:
A filiação socioafetiva é diferente de adoção, pois não exige procedimento formal e solene, sendo suficiente o reconhecimento judicial de vínculo afetivo preexistente, inclusive permitindo múltiplos vínculos de parentesco.
É admissível o reconhecimento de filiação socioafetiva mesmo após a morte dos pais socioafetivos, desde que demonstrado o vínculo afetivo público, contínuo e duradouro.
O art. 1.593 do Código Civil admite o reconhecimento de relação socioafetiva como vínculo de parentesco.
A relação de afeto mantida com os pais socioafetivos durante a infância e juventude não é descaracterizada pela mudança de convivência na fase adulta.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.075.230-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/2/2025 (Informativo 842).
De onde vem essa confusão toda?
Para entender por que essas decisões são revolucionárias, vale voltar um pouco no tempo.
Durante décadas, o direito brasileiro funcionava numa lógica bem simples: sangue do meu sangue. Pai era o doador de espermatozoide. Mãe era quem pariu. Acabou. Não tinha muito o que discutir.
Isso funcionava numa sociedade onde as famílias eram mais ou menos padronizadas. Pai provedor, mãe cuidadora, filhos criados em casa até casar.
Entretanto, a realidade sempre foi mais “bagunçada” que isso. Sempre existiram crianças criadas por avós, padrastos que assumiam enteados, madrinhas que viravam mães de coração…
Nessa linha, a Constituição de 1988 já tinha dado algumas pistas de que a havia algo que precisava mudar.
Por exemplo, ela estabeleceu que todos os filhos são iguais, independentemente de como vieram ao mundo.
Mas ainda faltava o direito civil acompanhar essa evolução. E é aí que entra o artigo 1.593 do Código Civil, que fala em parentesco “de outra origem”.
Inclusive, o STJ reconheceu isso:
Caso adaptado: Lucas, criado por seus avós maternos João e Francisca como pais ao longo da vida, buscou o reconhecimento judicial da filiação socioafetiva, mantendo o vínculo com sua mãe biológica, Carla. O juiz indeferiu a petição inicial, interpretando que o art. 42, §1º, do ECA, que proíbe a adoção de netos por avós, também impediria o reconhecimento de paternidade socioafetiva. A sentença foi mantida pelo TJ/SP.
Lucas e seus avós recorreram argumentando que o caso trata de filiação socioafetiva, distinta da adoção.
O STJ acolheu o recurso, destacando que o art. 42, §1º, do ECA não se aplica à filiação socioafetiva, pois esta não exige a destituição do poder familiar e reconhece laços afetivos já consolidados, ao contrário da adoção, que substitui o vínculo familiar biológico em situações de proteção.
O reconhecimento de filiação socioafetiva entre avós e netos, mesmo com vínculo biológico previamente registrado, é juridicamente possível, alinhado ao princípio da multiparentalidade e à proteção do direito à personalidade.
A ausência de vedação legal expressa reforça a possibilidade de reconhecimento judicial de filiação socioafetiva, desde que demonstrada a relação afetiva duradoura.
STJ. 3ª Turma. REsp 2.107.638-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/11/2024 (Informativo 834).
Veja, Nancy Andrighi e seus colegas perceberam que a filiação socioafetiva é diferente da adoção tradicional.
Não precisa de cartório, de assistente social, de processo judicial demorado.
Ela acontece naturalmente, quando alguém assume de verdade o papel de pai ou mãe. O direito só precisa reconhecer o que já existe.
Casos que ninguém esperava
Algumas das decisões do STJ foram surpreendentes até então.
Imagina você descobrir que seus avós podem ser reconhecidos legalmente como seus pais. Antes não era possível, o STJ mostrou que pode.
Lado outro, tem casos onde os pais biológicos sumiram do mapa ou simplesmente não conseguiram criar os filhos. Os avós assumiram tudo: pagaram escola, cuidaram na doença, deram carinho, brigaram na adolescência. Fizeram tudo que pais fazem. Por que não poderiam ser reconhecidos legalmente como tal?
Inexiste qualquer vedação legal ao reconhecimento da fraternidade/irmandade socioafetiva, ainda que post mortem, pois a declaração da existência de relação de parentesco de segundo grau na linha colateral é admissível no ordenamento jurídico pátrio, merecendo a apreciação do Poder Judiciário.
STJ. 4ª Turma. Resp 1674372-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 04/10/2022 (Informativo 753).
Entretanto, cuidado, o STJ foi contundente para separar isso da adoção comum.
Isto porque, o ECA proíbe que avós adotem netos, mas essa regra não se aplica ao reconhecimento da filiação socioafetiva.
Veja, outro caso interessante:
A possibilidade de cumulação da paternidade socioafetiva com a biológica contempla especialmente o princípio constitucional da igualdade dos filhos (art. 227, § 6º, da CF).
Não se deve admitir que na certidão de nascimento conste o termo "pai socioafetivo", bem como não é possível afastar a possibilidade de efeitos patrimoniais e sucessórios quando reconhecida a multiparentalidade. Caso contrário, estar-se-ia reconhecendo a possibilidade de uma posição filial inferior em relação aos demais descendentes do genitor socioafetivo, violando o disposto nos arts. 1.596 do CC/2002 e 20 da Lei n. 8.069/1990.
Portanto, reconhece-se a equivalência de tratamento e dos efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva na hipótese de multiparentalidade.
STJ. 4ª Turma. REsp 1487596/MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021.
A lógica é cristalina: se o vínculo existe na prática, se não há lei proibindo expressamente, por que o direito deveria ignorar essa realidade?
Outra situação que chamou atenção foram os casos de casais homoafetivos com filhos por reprodução assistida.
O STJ validou registros onde aparecem dois pais e campo de mãe em branco. Seguindo orientação do CNJ, os ministros entenderam que o importante é garantir o melhor interesse da criança. Se ela está sendo bem cuidada por dois pais amorosos, qual o problema?
Mas talvez o mais impressionante sejam os casos póstumos. Pessoa que foi criada a vida inteira por alguém que considerava pai ou mãe, mas nunca formalizou nada. Depois que essa pessoa morre, surge a questão da herança. O STJ decidiu que dá para comprovar esse vínculo depois da morte, desde que fique clara a “posse do estado de filho”.
Por fim, saliente-se:
Na multiparentalidade deve ser reconhecida a equivalência de tratamento e de efeitos jurídicos entre as paternidades biológica e socioafetiva.
STJ. 4ª Turma. REsp 1487596-MG, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, julgado em 28/09/2021 (Informativo 712).
O DNA não resolve tudo
Aqui fica interessante a coisa. O que acontece quando a ciência contradiz o coração? Quando um pai descobre, através de exame genético, que a criança que sempre considerou filha não é biologicamente sua?
A resposta do STJ é mais interessante.
Se existe vínculo socioafetivo consolidado, o DNA negativo não autoriza automaticamente a retirada do nome do registro. O STJ criou uma regra interessante: só dá para mexer no registro se o cara prova que foi enganado na época E se não existe mais vínculo afetivo entre eles.
É uma posição equilibrada. Protege quem foi vítima de fraude, mas também protege crianças que têm vínculos afetivos reais com quem as registrou. Porque, convenhamos, uma criança não tem culpa dos problemas dos adultos.
Por outro lado, o STJ também reconhece que sentimentos podem mudar. Em um caso específico, um homem conseguiu desconstituir a paternidade de duas filhas depois de descobrir que não eram biologicamente suas e romper completamente os laços afetivos.
Nancy Andrighi foi pragmática: manter a paternidade nesse contexto seria “ato unicamente ficcional”.
Essa flexibilidade mostra que os ministros entenderam que não dá para ser radical nem para um lado nem para outro. Cada caso é um caso, e o direito precisa ser sensível a essas nuances.
Como o tema já foi cobrado em provas
Prova: CESPE / CEBRASPE - 2025
A relação de parentesco socioafetiva pode ser considerada fator que gera a obrigação alimentar, o que possibilita ao filho socioafetivo pleitear alimentos tanto ao pai biológico quanto ao pai socioafetivo simultaneamente, em razão da situação de multiparentalidade. (Certo)
Prova: PGE-MS - 2014 - PGE-MS - Procurador do Estado
Analise as afirmações a seguir, acerca das relações de parentesco:
I – Em que pese o legislador civil não a ter disciplinado expressamente, admite-se a parentalidade socioafetiva como modalidade de parentesco. (Certo)
II – A parentalidade socioafetiva é situação excepcional, eis que a filiação, nos termos da legislação civil, é consequência exclusiva de relação biológica entre pais e filhos ou de adoção regular. (Errado)
III – A parentalidade socioafetiva deve ser preservada, sendo insuficiente a ausência de parentesco biológico para a declaração de nulidade de assento de nascimento. (Certo)
Prova: CESPE - 2017 - DPU - Defensor Público Federal
A anulação de registro espontâneo de paternidade pelo pai socioafetivo é admitida na hipótese de “adoção à brasileira”, ainda que esta seja fonte de vínculo socioafetivo entre as partes, haja vista tratar-se de negócio jurídico fundamentado na mera liberalidade e realizado à margem do ordenamento pátrio. (Errado)
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