É constitucional revogar, por lei ordinária, benefício criado por lei complementar? Análise do Tema 1.352 do STF

É constitucional revogar, por lei ordinária, benefício criado por lei complementar? Análise do Tema 1.352 do STF

Como noticiado no informativo 1190 do STF:

Revogação

Isto é, o presente artigo analisa a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1352 de repercussão geral (ARE 1.521.802/MG), que fixou importante tese sobre a possibilidade de revogação ou alteração, por lei ordinária, de benefício instituído a servidor público por lei complementar quando materialmente ordinária. 

A decisão, relatada pelo Ministro Edson Fachin, estabeleceu critérios claros para a aplicação do princípio da simetria no processo legislativo, superando divergências jurisprudenciais e conferindo maior segurança jurídica à matéria, em que analisaremos o inteiro teor do voto:

Revogação

Como se sabe, a relação hierárquica entre as diferentes espécies normativas no ordenamento jurídico brasileiro sempre gerou controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais. 

Particularmente complexa é a questão envolvendo a possibilidade de revogação ou alteração de dispositivos de lei complementar por meio de lei ordinária posterior, especialmente quando se trata de benefícios concedidos a servidores públicos.

Assim, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1.521.802/MG (Tema 1352 da repercussão geral), enfrentou essa questão de forma definitiva, estabelecendo tese vinculante que esclarece os parâmetros para a aplicação do princípio da simetria no processo legislativo constitucional.

O caso concreto: município de Formiga/MG

De início, o caso teve origem em ação judicial movida por professora municipal de Formiga/MG, que pleiteava o recebimento de auxílio-condução previsto no art. 126 da Lei Complementar Municipal nº 44/2011 (Estatuto dos Profissionais da Educação), que estabelecia: 

"Será concedido ao professor, o adicional de 20% sobre o vencimento-básico inicial, a título de auxílio condução, nos casos especificados em lei própria."

Posteriormente, foi editada a Lei Ordinária Municipal nº 4.494/2011, que regulamentou o auxílio transporte para servidores municipais, estabelecendo critérios mais restritivos para sua concessão. 

Surgiu, então, o conflito normativo: qual norma deveria prevalecer?

Assim, a Turma Recursal de origem decidiu pela aplicação da lei complementar, fundamentando-se no princípio do paralelismo das formas, segundo o qual “lei complementar não pode ser revogada por lei ordinária”. 

O Município de Formiga recorreu ao STF, questionando essa interpretação.

Natureza das leis complementares

Veja, a controvérsia central reside na natureza jurídica das leis complementares no ordenamento brasileiro.

Conforme consagrado na doutrina e jurisprudência, as leis complementares não possuem hierarquia superior às leis ordinárias, diferenciando-se apenas pelo âmbito material de incidência e pelo processo legislativo qualificado (quórum de maioria absoluta).

Miguel Reale já as caracterizava como “tertium genus de leis”, salientando que “não ostentam a rigidez dos preceitos constitucionais, nem tampouco devem comportar a revogação por força de qualquer lei ordinária superveniente”.

O princípio da simetria

Ora, o princípio da simetria, também denominado paralelismo das formas, exige que os entes federativos observem, em seus ordenamentos, a mesma sistemática de processo legislativo estabelecida pela Constituição Federal. 

Isso significa que não podem criar reservas de lei complementar para matérias não previstas constitucionalmente.

Qual foi a tese fixada?

Por unanimidade, o Plenário do STF fixou a seguinte tese:

"É possível a revogação ou alteração por lei ordinária de benefício instituído a servidor público por lei complementar quando materialmente ordinária, observado o princípio da simetria."

Quais as razões?

Inexistência de reserva constitucional

Ora, a Constituição Federal não exige lei complementar para disciplinar matéria envolvendo servidor público. 

Como destacou o relator, “a Constituição Federal não exige a edição de lei complementar no caso de normas que versam sobre servidores públicos”.

Convalidação normativa

Ademais, a aprovação de norma por quórum mais exigente do que o necessário não configura vício formal, sendo possível o aproveitamento normativo. 

Isto é, uma vez aprovada pelo quórum mais rigoroso, está atendida a maioria simples prescrita para as leis ordinárias.

Status material de lei ordinária

Perceba, quando lei formalmente complementar trata de matéria reservada à lei ordinária, ela deve ser considerada materialmente ordinária, podendo ser revogada por lei ordinária posterior.

E isso adora cair em provas!

Jurisprudência do STF

O STF fundamentou sua decisão em precedentes consolidados:

  • ADI 2.872/PI: estabeleceu que é inconstitucional a exigência de lei complementar para matérias não previstas na Constituição Federal
  • ADI 2.926/PR: reafirmou que “a lei complementar inexigível deve ser tratada como lei ordinária”
  • ADI 5.003/SC: declarou inconstitucional dispositivo que exigia lei complementar para regime jurídico de servidores
  • ADI 7.057/CE: aplicou o mesmo entendimento para contratação temporária

Como o tema já caiu em provas

CESPE - 2008 - DPE-CE - Defensor Público

Lei ordinária pode revogar lei complementar. (Certo)
CESPE - 2014 - Câmara dos Deputados - Analista Legislativo - Consultor de Orçamento e Fiscalização

Se o Congresso Nacional editar uma lei complementar (LC) instituidora de certa obrigação tributária, posteriormente, uma lei ordinária poderá revogar dispositivos dessa LC, desde que tais dispositivos sejam materialmente ordinários.

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